domingo, 6 de abril de 2014


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Por 10 dias, Monica R. Kelly e seus advogados de aviação de um escritório de direito americano perambulam pelos corredores escuros do Lido Hotel para falar com os parentes dos passageiros a bordo do desaparecido voo 370 da Malaysia Airlines. Eles dizem às famílias que um tribunal nos Estados Unidos poderia potencialmente conceder milhões de dólares por passageiro em um processo contra a Boeing, que produziu o avião, um 777-200. Em uma suíte do hotel, Kelly usa um modelo de um Boeing para mostrar às famílias como o avião pode ter apresentado falha de funcionamento.
"Não é uma questão sobre se as famílias serão indenizadas", disse Kelly recentemente. "É uma questão de quanto e quando". Mas ela reconheceu que o voo 370 é um caso particularmente difícil. "Nós já trabalhamos em mais de 43 acidentes aéreos", ela disse, "mas nunca houve uma situação como esta".
Complica as perspectivas de um processo contra a Malaysia Airlines, Boeing ou outras partes envolvidas o mistério em torno do desaparecimento do avião após ter partido de Kuala Lumpur, a capital da Malásia, a caminho de Pequim em 8 de março. Ninguém pode dizer com certeza que o avião caiu, apesar do governo malasiano ter afirmado que dados por satélite mostram que o voo "chegou ao fim" no sul do Oceano Índico. Os esforços internacionais de busca ainda não encontraram destroços.
Mesmo assim, a pressa é para assegurar a indenização para as famílias dos 227 passageiros do voo, cerca de dois terços deles chineses. As seguradoras chinesas já fizeram pagamentos para alguns parentes. Além disso, as famílias podem esperar receber indenização da Malaysia Airlines, devido às garantias em um tratado internacional. Elas também podem optar por processar a companhia aérea por mais danos, ou processar a Boeing ou algum fabricante de componente. Qualquer processo poderia levar anos para ser concluído.
 A firma de Kelly, a Ribbeck Law, entrou duas vezes na Justiça em Chicago, onde ela está baseada, para forçar a Boeing a divulgar mais informação, mas ambos os pedidos foram rejeitados. A Ribbeck Law enviou seis funcionários para Pequim e seis para Kuala Lumpur, onde as famílias dos passageiros estavam reunidas em hotéis. Firmas concorrentes também estão contatando as famílias. "O próximo passo é conseguir os pagamentos do seguro, não processos", disse James Healy-Pratt, um sócio e chefe do departamento de aviação da Stewarts Law, com sede em Londres.
Algumas famílias chinesas estão relutantes em entrar imediatamente com processos ou em aceitar o pagamento que as companhias aéreas geralmente fazem em caso de um acidente aéreo, como ordenado pela lei internacional na Convenção de Montreal. Muitas se recusam a aceitar que os passageiros estão mortos e insistem que o governo malasiano está orquestrando um acobertamento elaborado. Wang Lee, cuja mãe estava no voo 370, disse que está começando aceitar sua morte, mas que "ainda não é hora para indenizações". "Falar sobre processos ou coisas assim – nós ainda nem sabemos onde está o avião", ele disse.
Algumas das famílias do voo 370 estão aceitando os pagamentos do seguro como um primeiro passo. A China Life Insurance Company, a maior delas na China, disse em seu site que tinha 32 clientes no voo e já pagou US$ 670.400 na cobertura de sete deles até 25 de março. Ela afirmou ainda que o pagamento total para todos os clientes seria próximo de US$ 1,5 milhão. Pelo menos cinco outras seguradoras chinesas também efetuaram pagamentos.
Como a Malaysia precisa cumprir a Convenção de Montreal, as famílias também têm direito a uma indenização mínima de até US$ 174 mil por passageiro. A companhia aérea ou sua seguradora pode tentar persuadir uma família a não concordar em processar em troca do pagamento. Mas os advogados desencorajam as famílias a assinarem essas renúncias de direito (os tripulantes costumam não estar cobertos pelo tratado, mas suas famílias podem obter indenização aos funcionários e entrar com processo).
Os pagamentos são feitos por um consórcio de companhias que são conhecidas como resseguradoras. Neste caso, a principal empresa é a Allianz Global Corporate and Specialty, parte da Allianz da Alemanha. A empresa disse que ela e outras resseguradoras já começaram a efetuar os pagamentos.
Dois anos após outro mistério da aviação, a queda de um Airbus da Air France no Atlântico em 2009, um juiz francês determinou que o pagamento obrigatório da companhia aérea, segundo a Convenção de Montreal, seria de 126 mil euros por passageiro. A Air France diz que já chegou a acordos extrajudiciais confidenciais com a maioria das famílias dos passageiros a bordo daquele voo. As famílias que aceitaram o acordo não podem buscar um ressarcimento adicional, mesmo se a investigação criminal francesa levar a um julgamento e uma indenização seja ordenada pelo juiz. A Airbus não realizou nenhum pagamento e só o fará se for legalmente obrigada pela Justiça.
Os valores concedidos em processos ligados ao voo 370 podem variar de acordo com a jurisdição do processo. Os tribunais americanos oferecem aos querelantes uma melhor chance de obtenção de acordos multimilionários, disseram vários advogados de aviação. Esses tribunais dão maior valor econômico às vidas individuais do que os tribunais em outros países, e também impõem regularmente danos punitivos às empresas. As jurisdições para os processos são ditadas pela Convenção de Montreal.
O máximo que um tribunal chinês concedeu aos querelantes em um acidente aéreo fatal foi de cerca de US$ 140 mil por passageiro, em um episódio envolvendo a Henan Airlines em 2010. Zhang Qihuan, um advogado que está conversando com os parentes dos passageiros do voo 370, disse que um tribunal provavelmente não concederia mais que isso em qualquer acidente, para evitar estabelecer precedente. Mas ele disse que as famílias podem chegar a um valor extrajudicial muito maior se concordarem em ficar em silêncio.
Alguns advogados dizem que é cedo demais para começar a discutir processos, pois há evidência insuficiente para estabelecer o motivo do desaparecimento do avião. Análise forense dos dados de voo e das gravações de voz da cabine – as caixas pretas – ou dos destroços do avião poderiam ajudar a sustentar um caso. As autoridades malasianas não acusaram ninguém de nada.
Robert A. Clifford, um advogado de acidentes aéreos de Chicago, disse que foi contatado por um colega do Texas que alegava falar em nome de uma família do voo 370. Mas ele enfatizou que ninguém deve se apressar em um processo. "Não é preciso entrar com um processo por reflexo", ele disse. "Trata-se de um procedimento, não um evento, e é uma corrida que nem sempre é vencida pela pressa".
As autoridades malasianas e a Malaysia Airlines estão se preparando para as consequências legais e financeiras do desaparecimento do voo. Hishammuddin Hussein, o ministro da Defesa da Malásia e ministro dos Transportes em exercício, disse na semana passada que o governo pediu ao ministro da Justiça do país que começasse a avaliar as implicações legais da perda do avião. O presidente-executivo da Malaysia Airlines, Ahmad Jauhari Yahya, disse aos repórteres na semana passada que a empresa começou a discutir indenização com os parentes e com "várias partes legais".
A Malaysia Airlines ofereceu US$ 5 mil a cada família para ajudá-las a lidar com os problemas financeiros imediatos, incluindo as despesas com viagem. A companhia aérea disse na segunda-feira que conta com cobertura de seguro adequada para atender "todas as despesas razoáveis" que possam resultar da perda do avião.
Kelly, a advogada, disse que as famílias nunca acreditam que dinheiro possa compensar por sua perda. Mas em um de seus casos, ela disse, o marido morreu durante um voo com a amante, e "a esposa ficou feliz em receber o dinheiro".

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