domingo, 1 de junho de 2014


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A construção do Cinema Art Deco Liberty no sul de Mumbai começou em 1947, o ano em que a Índia conquistou a independência em relação à Inglaterra. Ele continua sendo um símbolo de liberdade.
Na noite de quarta-feira, em um bar no andar de cima, mulheres vestindo o tradicional salwar kameez e homens usando kurtas se misturavam, enxugando as testas na umidade de Mumbai e dando beijos no ar, sem encostar o rosto.
Uma cineasta transgênero usando um vestido preto brilhante conversava sobre seu último curta-metragem, enquanto um punhado de diplomatas ocidentais de terno se esgueiravam entre a multidão. 
Era a noite da festa de abertura do Festival Internacional Kashish de Cinema Gay de Mumbai, o maior festival de cinema gay da Índia. Agora em seu quinto ano, o festival, com cerca de 1.700 frequentadores, de acordo com os organizadores, ocorreu durante o domingo e mostrou 154 filmes -- entre eles curta-metragens e documentários -- de 31 países no Cinema Liberty bem como na Aliança Francesa de Mumbai, ali perto.
O slogan deste ano era: "ouse sonhar".
"Esta é a época em que os gays não são mais esquisitos e não há nenhuma vergonha em ser LGBT", disse o diretor do festival, Sridhar Rangayan em seu discurso de abertura. 
Em uma Índia que continua sob muitos aspectos profundamente tradicional, mesmo enquanto seu poder econômico cresceu, o festival assumiu um significado maior este ano.
O movimento pelos direitos dos homossexuais havia conquistado uma imensa vitória legal há cinco anos quando o Alto Tribunal de Déli revogou uma lei da era colonial que proibia o sexo gay, apenas para vê-la reinstaurada pelo Supremo Tribunal da Índia em dezembro passado.
Agora os ativistas temem que a eleição do novo governo do Partido Bharatiya Janata (BJP), um partido nacionalista hindu que é mais dinâmico economicamente, porém mais conservador socialmente do que o partido do Congresso Nacional que está deixando o poder, possa acarretar mais um revés para o movimento.
"O quadro mais amplo para os gays na Índia", diz Shobhna S. Kumar, dona da Queer Ink, uma editora e livraria online, "está no limbo neste momento."
O BJP apoiou a proibição do sexo gay no passado, embora os ativistas observem que o novo primeiro-ministro, Narendra Modi, não tem se pronunciado sobre o assunto.
Na Índia, os laços familiares continuam coesos e as expectativas da sociedade são rígidas – e muitos homossexuais indianos casam e têm filhos enquanto mantêm secreta sua identidade sexual. O movimento gay do país emergiu em meados dos anos 90 a partir dos grupos que fornecem serviços para os portadores de HIV e Aids. Eles argumentavam que embora a lei que proibia "o intercurso carnal contra a ordem da natureza" – reinstaurada em dezembro – fosse raramente aplicada, sua existência impedia seu trabalho, transformando até mesmo aqueles que distribuíam camisinhas em potenciais cúmplices em um crime. 
O próximo desafio, dizem os ativistas gays, é fazer um lobby no parlamento para revogar a lei.
"É preciso lugar pela liberdade. A vigilância deve ser eterna", disse Ashok Row Kavi, um dos primeiros homens a se declarar gay publicamente na Índia, em 1986, e presidente do Humsafar Trust, que fornece serviços de saúde para portadores de HIV e Aids. "Você nunca sabe quem pisará nos seus direitos."
Com a volta da proibição, significa que este ano, o festival de cinema, embora legal – os organizadores têm uma permissão do Ministério de Informação e Difusão da Índia – mostrou na tela relações que envolvem atos ilegais.
Entre os patrocinadores do festival estão a IBM e o conglomerado indiano Godrej, e publicações de massa como o "Hindustan Times", o "Mumbai Mirror" e "The Hindu" promoveram o evento em suas páginas.
Entre os 28 filmes indianos exibidos este ano no Kashish - que significa "atração" em urdu – estava "Purple Skies", de Rangayan, um documentário sobre os desafios de ser lésbica, biessexual e transgênero na Índia; bem como "Meghdhanushya", ou "Cor da Vida", de K.R. Devmani, sobre um menino gay que cresce em uma família conservadora de Gujarati.
O príncipe Mavendra Singh Gohil, um príncipe de Gujarat que se declarou gay há alguns anos, fez um comentário no início e no fim de "Meghdhanushya". 
"O cinema é uma ferramenta muito importante para a comunicação", disse o príncipe em uma entrevista por telefone. "Muitas pessoas que atuam nos filmes são nossos modelos de comportamento. Nós nos inspiramos nelas."
Outros filmes do subcontinente incluíram "Frangipani", de Visakesa Chandrasekaram, sobre dois homens e uma mulher envolvidos em um triângulo amoroso secreto em um vilarejo remoto no Sri Lanka.
Uma mostra especial de curta-metragens indianos incluiu o filme "Eidi", ou "O Dom", de Pradipta Ray, sobre um homem secretamente gay que volta à sua cidade natal para se encontrar com um amigo próximo, um ativista transgênero, levando-o a se confrontar com seus demônios.
Ray, que trabalha dando aulas de animação em uma universidade local, onde é conhecida pelos alunos como "a professora transgênero", disse que o maior desafio era conseguir financiamento. Ela fez "Eidi" com US$ 5 mil de suas economias. Os atores trabalharam de graça.
Organizadores disseram que realizaram o evento em um cinema convencional para tentar atrair o público convencional e ajudar a derrubar os estereótipos em relação aos homossexuais.
"Queríamos desfazer o preconceito mostrando filmes sobre pessoas LGBT do mundo inteiro. Elas têm as mesmas aspirações e esperanças", disse Rangayan em uma entrevista. "Seus problemas só diferem porque o governo ou a sociedade ou a lei torna as coisas difíceis para elas."
A Índia é um país de cinéfilos, com uma produção cinematográfica robusta centrada em Bollywood e Mumbai e legiões de fãs por todo o mundo. Mas personagens gays raramente aparecem nos filmes de Bollywood. Quando eles aparecem, a homossexualidade aparece estereotipada ou é usada para incrementar a trama.
Por exemplo, no sucesso "Dostana" de Bollywood, de 2008, dois homens heterossexuais fingem ser um casal para impedir que um apartamento seja alugado, depois acabam se apaixonando por uma mulher que divide o apartamento com eles. E a comédia segue.
"As pessoas agora dizem: 'você é como o Dostana'. O filme retirou aquela ideia de que é sujo", disse Rangayan. Ainda assim, ele se pergunta, sobre se ser associado a uma piada de um filme: "o que isso acarreta? É uma coisa boa?"
Recentemente, a atriz e ex-miss Índia Celina Jaitly, foi nomeada como porta-voz da campanha "Free & Equal" ["Livre & Igual"] da ONU pelos direitos dos homossexuais.
Como parte da campanha, Jaitly estrelou em um vídeo musical intitulado "The Welcome" ["A Recepção"], que mostra uma família se preparando para receber um filho querido que volta para casa. Ele aparece com um parceiro homem, e o choque da família eventualmente dá lugar a sorrisos e – ao melhor estilo bollywoodiano – mais música e dança. 
Jailty disse que não pode mais suportar ver seus amigos gays viverem sob um tipo de "apartheid".
Para Sagar Natekar, 19, estudante de psicologia em Mumbai, a exibição de "Out in the Dark", um filme do cineasta israelense Michael Mayer, foi a primeira vez que ele viu uma história de temática gay na tela grande.
O filme é sobre um caso de amor entre um estudante palestino e um advogado israelense, e para Natekar, uma história de sobrevivência em condições extremas.
Ele mostra "a importância do amor", disse ele.

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