Domingo 1 de junho de 2014
Maioria de estudantes chineses vive alheia
ao massacre de 1989
Repressão
a protestos na Praça da Paz Celestial, que completa 25 anos, ainda é tema tabu
Na
Universidade de Pequim, onde tudo começou, referências históricas foram
desfeitas pelo governo
MARCELO NINIO DE PEQUIM
Vinte
e cinco anos depois do massacre da praça da Paz Celestial, em Pequim, o assunto
continua sendo um tabu na China. Na internet, qualquer menção à data, 4 de
junho, é rapidamente apagada pela censura.
O
aniversário será lembrado em todo o mundo, mas não na China. Na memória
coletiva do país, os protestos estudantis de 1989 estão enterrados sob anos de
censura e pelo triunfo da narrativa oficial de que enriquecer, afinal, é o que
importa.
Na
Universidade de Pequim, onde o movimento pró-democracia nasceu, em maio de
1989, a nova geração de estudantes pouco sabe dos protestos. A maioria prefere
evitar o assunto.
"Os
menos inteligentes não sabem o que aconteceu em 1989. Os mais inteligentes
sabem que não podem falar do assunto", resume o sinólogo David Kelly,
diretor da consultoria China Policy.
A
amnésia coletiva, para alguns, é voluntária, por prudência e medo. Mas, para a
maioria, nasce da escassez de informações e do esforço do governo para
reescrever a história, diz Kelly.
No
centro do campus, estudantes passam apressados por um canteiro arborizado.
Poucos sabem que aquele foi o marco zero do movimento.
Em
1989, o local era conhecido como o "triângulo", onde um mural de
anúncios abrigou as convocações para os primeiros protestos. Para apagar a
lembrança, o governo destruiu o triângulo e o substituiu pelo canteiro.
O
estopim do movimento foi a morte do ex-secretário-geral do Partido Comunista Hu
Yaobang, que havia sido afastado do cargo porque defendia reformas políticas.
A
comoção pela morte de Hu logo se transformou em um movimento pró-democracia,
com milhares de estudantes acampados na praça da Paz Celestial (Tiananmen, em
mandarim).
Os
protestos ganharam volume com o apoio popular e se espalharam para mais de 400
cidades da China. Mas o foco era Pequim. Após sete semanas de impasse, o
governo ordenou que o Exército desocupasse a praça.
Os
soldados abriram fogo contra manifestantes e a população que os defendia,
resultando num massacre. Pelas contas oficiais, houve 241 mortos. O número
exato é desconhecido. Estimativas independentes variam de 2.000 a 7.000 mortos.
"Não
sei exatamente o que aconteceu em 1989, há muitas versões", diz Li, 29,
estudante de física, interrompendo a leitura da biografia do presidente
americano Abraham Lincoln (1809-1865).
"É
um assunto muito sensível. Por isso, nunca falamos dele", afirma Li.
O
silêncio não se limita aos estudantes. Nas últimas duas semanas, a Folha
procurou 22 professores da Universidade de Pequim e de outras instituições
acadêmicas para comentar o aniversário dos protestos. Nenhum aceitou falar.
Quem
desafia o tabu não escapa de punição. Cinco ativistas de direitos humanos estão
presos desde 6 de maio por participar de um encontro para marcar o aniversário
dos protestos.
Pu
Zhiqiang, 49, um dos mais conhecidos advogados de direitos humanos do país,
está entre os detidos. Em 1989, ele era um dos estudantes que ocuparam a praça
da Paz Celestial para pedir mais liberdades.
Em
entrevista ao jornal "South China Morning Post" pouco antes de ser
preso, Pu resumiu a lição dada pelo regime em Tiananmen --que ele foi um dos
poucos a desprezar: "Não vale a pena ficar no caminho do Partido
Comunista. Siga o fluxo".
INDIFERENÇA
Para
muitos, porém, não foi tão difícil adotar o contrato social imposto pelo
governo: desenvolvimento econômico e estabilidade em troca de subserviência.
Estela,
22, recém-formada em língua portuguesa, critica a "obsessão" da mídia
estrangeira pelos protestos de 1989. Seus colegas, garante ela, não se importam
com o assunto.
"Talvez
o comportamento do governo tenha sido o mais adequado na época. A China
conseguiu se desenvolver, e hoje a qualidade de vida é muito mais elevada,
especialmente se comparada com 25 anos atrás", diz.
O
milagre econômico que resultou das medidas de abertura do governo de fato
produziu uma revolução no país, alavancando milhões da pobreza para a sociedade
de consumo.
Em
1989, o PIB per capita da China girava em torno de US$ 400. Hoje está em
aproximadamente US$ 6 mil.
A
repressão e a prosperidade econômica abafaram o instinto de oposição ao regime,
além de criar um apagão no conhecimento dos mais jovens sobre a história
recente do país.
Muitos
estudantes abordados pela Folha na Universidade de Pequim disseram que
jamais viram a famosa imagem do manifestante solitário diante de uma fileira de
tanques em Pequim, um dos momentos mais marcantes do século 20.
"É
uma instalação artística?", pergunta Lin, 20, estudante de eletrônica, ao
ver a foto pela primeira vez. "Ouvi vagamente sobre os protestos, mas não
sei o suficiente para ter uma opinião".
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