No mês passado, o ministro da Justiça turco, Bekir Bozdag, anunciou
um projeto do governo para criar prisões separadas para os presos gays,
lésbicas, bissexuais e transgêneros do país. De acordo com a declaração
por escrito de Bozdag, o objetivo é proteger esses presos de abusos.
Essa não é a primeira vez que Ancara considera a ideia: o Ministério da
Justiça propôs planos em julho passado para criar instituições para
"pessoas em situação LGBT".
O sistema carcerário turco é
superlotado e carente de recursos. Os oficiais de correção são mal
treinados e as medidas de disciplina são implementadas de forma
arbitrária. O estupro é comum e o acesso à assistência médica é
inadequado. Criar prisões exclusivas para indivíduos LGBT não ajudará em
nada a resolução desses problemas mais amplos. E uma política de
separação – ou mesmo o discurso que sugere que esta é a abordagem
correta – poderia ter a consequência não intencional de alimentar a
homofobia generalizada pelo país.
Embora não haja leis contra
homossexuais na Turquia, as atitudes do público dificilmente são
tolerantes. Em uma pesquisa do Pew Research Center de 2013, 78% dos
turcos disseram que "a homossexualidade não deveria ser aceita pela
sociedade", um número 12% maior do que em 2002, ano em que o Partido da
Justiça e Desenvolvimento (AKP) do primeiro-ministro Recep Tayyip
Erdogan chegou ao poder. A Comissão Europeia citou relatórios de 12
assassinatos de indivíduos LGBT motivados por ódio entre outubro de 2012
e setembro de 2013 além de "incidentes de tortura, estupro,
maus-tratos, violência doméstica, assédio e ataques cibernéticos". Os
ataques antigays e o discurso de ódio também aumentaram.
As
regulações vagas da Turquia quanto à proteção da "moralidade pública"
são frequentemente interpretadas de forma a discriminar os gays no
emprego, educação, habitação e assistência médica. O ministro de Estado
para mulheres e famílias disse em 2010 que ser gay é "uma doença". O
exército turco considera a homossexualidade como um "distúrbio
psicossexual"; com base nisso, os homossexuais são isentos do serviço
militar. E o AKP se recusou, em 2012, a incluir a identidade de gênero e
a orientação sexual nos artigos antidiscriminação da constituição.
"A homofobia e a transfobia estão espalhadas por todos os aspectos da
vida cotidiana", disse Sezen Yalcin, coordenadora da Associação para
Políticas Sociais, Identidade de Gênero e Orientação Sexual, uma ONG com
sede em Istambul. "As pessoas LGBT vivem com medo de serem expostas",
acrescentou ela. Aquelas que são declaradamente gays ou transexuais são
vistas como "afrontas à estrutura quase sagrada da família".
Muitos ativistas turcos, portanto, são céticos em relação às intenções
declaradas pelo ministério, especialmente uma vez que nenhum grupo de
defesa dos direitos LGBT foi informado – muito menos consultado – antes
do anúncio de Bozdag. Até agora, os planos para prisões exclusivamente
LGBT continuam totalmente abstratos, e alguns veem todo o episódio como
uma reação cínica de um governo que busca evitar as críticas de Bruxelas
e de parlamentares de oposição em Ancara, ansioso para se proteger de
processos na Justiça.
As questões sobre a melhor abordagem para o
tratamento de presos LGBT são complexas, e as políticas variam no mundo
inteiro. Na Turquia, onde não existe nenhuma regulação nacional, o
protoloco geral é restringir a interação desses presos com a população
carcerária mais ampla. Em instituições com mais de um preso LGBT, as
celas podem ser compartilhadas. Mas como há poucos detentos
declaradamente LGBT, esse isolamento normalmente significa o
confinamento solitário - uma punição reservada para os criminosos de
alto risco.
Uma presa transgênera descreveu o tratamento que
recebeu durante os dez anos que ficou presa em uma carta enviada este
ano para uma ONG que trabalha para melhorar as condições nas prisões.
Sob o pseudônimo "Funda", ela se lembrou de como os administradores da
prisão à qual ela foi enviada inicialmente ficaram "perplexos" com sua
condição. Eles a obrigaram a tirar a roupa na frente de vários oficiais
homens para que eles pudessem checar seus genitais, colocaram-na em
confinamento solitário sem água quente ou banheiro, e chamavam-na de "o
homem que se vestia de mulher". Transferida para uma segunda prisão, ela
foi confinada a uma cela solitária em uma ala de alta segurança. Outro
pedido foi necessário para que ela fosse transferida para uma
instituição com presos transgêneros.
Relatórios recentes sugerem que pouca coisa mudou na última década.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos determinou em outubro de 2012
que as autoridades carcerárias turcas haviam submetido um jovem gay a
tratamento "desumano e degradante" em violação à Convenção Europeia de
Direitos Humanos. Em 2008, logo após ser preso, ele pediu uma
transferência de uma cela onde estava sofrendo perseguição para outra
cela, compartilhada com outros presos gays. Em vez disso, foi colocado
em confinamento solitário por mais de oito meses. O tribunal declarou
que o Estado precisa garantir um tratamento que não cause "dificuldades
maiores do que as que são características inerentes e inevitáveis da
detenção". Ancara foi ordenada a pagar 22 mil euros ao homem,
estabelecendo um precedente.
Em março, presos transgêneros da
província de Samsun, no Mar Negro, fizeram uma greve de fome dizendo que
eram submetidos a tratamento severo e abuso sexual.
Claramente,
as políticas específicas de isolamento não estão funcionando. Alguns
proponentes do plano do governo podem afirmar que instalações separadas
ajudarão a proteger os presos LGBT, mas este argumento simplesmente
reforça uma mentalidade de culpar a vítima. Em todo caso, o abuso de
prisioneiros deveria ser condenado e punido independentemente da
identificação sexual.
Criar prisões dedicadas não favorecerá um
sistema penal mais responsável, nem colocará um fim ao assédio e o abuso
sexual. Mais que isso, a criação de instituições especiais poderia
obrigar os presos LGBT a cumprir sentenças longe de casa, limitando as
visitas de advogados, amigos e parentes.
Em um país homofóbico,
sancionar instituições separadas envia uma mensagem de que uma
segregação similar é aceitável fora das grades da prisão. São
necessárias políticas que garantam a proteção para todos os presos, a
investigação diligente das queixas de perseguição, regulações que
responsabilizem as autoridades carcerárias pelo bem-estar dos presos, e
estratégias nacionais que lutem contra a discriminação. E se Ancara
quiser de fato ajudar os presos LGBT do país, deve incluir os grupos de
defesa de direitos nas discussões das políticas, desde o início.
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