Park Yeon-mi era parte da geração do mercado negro na Coreia do Norte
--a geração que cresceu em meio ao florescimento do comércio ilegal no
país, isolado e apegado ao segredo.
A despeito da adesão oficial do país aos princípios comunistas, os
norte-coreanos vêm demonstrando mais e mais lealdade extraoficial ao
capitalismo.
Para Park, que escapou com sua família da Coreia do Norte em 2007, não
foi apenas a exposição ao comércio desimpedido que abriu seus olhos aos
limites da vida em seu país de origem. Foram os filmes estrangeiros, e
acima de tudo uma cópia pirata de "Titanic", épico hollywoodiano de
1997.
Quando tinha nove anos, Park se viu forçada a assistir à execução da mãe
de uma colega de classe. O crime pelo qual ela foi sentenciada?
Emprestar um filme sul-coreano a um amigo. Os moradores da sua cidade
foram forçados a comparecer a um grande estádio para testemunhar a
punição.
"Ela foi morta diante de nós", diz Park, 20. "Eu estava em pé ao lado de sua filha --toda a minha escola teve de comparecer".
Park agora vive em Seul, onde trabalha para o instituto de pesquisa
Freedom Factory, e sua tarefa é ajudar a conscientizar o público sobre
as dificuldades enfrentadas pelos compatriotas que ela teve de deixar
para trás.
Na Coreia do Norte, assistir ou ouvir mídia estrangeira é considerado
crime contra o Estado, passível de trabalhos forçados, prisão e até
morte. A despeito disso, a popularidade dos filmes e programas de TV
internacionais --contrabandeados para o país em pendrives e CDs e
vendidos no mercado negro --não para de crescer.
"Existem níveis diferentes de punição", disse Park. "Se você for
apanhado com um filme russo ou de Bollywood [Índia], é enviado para a
prisão por três anos, mas se o filme for sul-coreano ou americano, você é
executado".
A despeito dos riscos, Park e seus amigos não desistiram dos filmes que lhes ofereciam "uma janela para o mundo".
"Meus filmes favoritos eram Titanic', James Bond e Uma Linda Mulher' ""
as pessoas contrabandeavam cópias piratas da China", ela contou ao
"Guardian" por Skype, de Seul.
Park lembra que o preço de um DVD era equivalente ao de 2 kg de arroz, e
por isso sua família e vizinhos trocavam os filmes comprados.
"Todo mundo tinha tanta fome que não podíamos bancar muitos DVDs", ela
disse. "Por isso, se eu tinha Branca de Neve e um amigo tinha James
Bond, nós trocávamos".
Estudos demonstram que acesso à mídia estrangeira solapa o controle do Estado em diversos níveis.
Um recente relatório produzido pela InterMedia a pedido do Departamento
de Estado dos Estados Unidos constatou que "elevar o acesso direto à
mídia vem acompanhado por crescente disposição da parte dos
norte-coreanos a compartilhar informações com as pessoas em quem
confiam", afirma o documento.
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