Durante um tempo, parecia que maus tempos de antigamente haviam
voltado na Indonésia. Em agosto, a Justiça rejeitou o recurso do
candidato derrotado na última eleição presidencial, um ex-general e
genro de um ex-ditador, que apontava fraude no pleito de julho.
No lado de fora do tribunal, seus partidários enfrentaram a polícia, que
disparou jatos de água e gás lacrimogêneo para impedi-los de invadir o
edifício.
Mas, então, algo estranho aconteceu: o derrotado aceitou a derrota,
levando a um desenlace pacífico a eleição presidencial mais disputada na
história da Indonésia. No mês que vem tomará posse Joko Widodo,
culminando uma ascensão impressionante de um carpinteiro favelado a
líder do quarto país mais populoso do mundo.
Dezesseis anos depois dos violentos protestos pró-democracia que levaram
à derrubada de Suharto, o ditador autoritário cujo governo corrupto e
brutal era apoiado pelos militares, a Indonésia se tornou um modelo de
transição democrática pacífica no Sudeste Asiático, região onde isso é
cada vez mais raro.
Na Tailândia, os militares derrubaram em maio, pela segunda vez em oito anos, um governo democraticamente eleito.
Malásia e Camboja estão mergulhados em turbulências política desde as
eleições parlamentares do ano passado -em ambos os casos, alvo de
denúncias oposicionistas de fraude. Malásia, Camboja e Cingapura jamais
tiveram uma transferência democrática de poder para a oposição política.
As Filipinas já tiveram eleições democráticas, mas elas tendem a ser
manchadas por fraudes e violência, e os dois últimos presidentes
mandaram prender seus antecessores. E essas são as democracias.
O Vietnã adota um regime de partido comunista desde a sua unificação,
enquanto Mianmar está dando seus primeiros passos na direção da
abertura, após décadas de regime militar.
Enquanto isso, a Indonésia, além da eleição presidencial, realizou com
sucesso um pleito parlamentar geral em abril, quando cerca de 140
milhões de pessoas votaram, uma participação de 75% do eleitorado
inscrito.
"Não há dúvida de que a Indonésia é agora o país mais democrático do
Sudeste Asiático, e isso é algo que ninguém poderia ter previsto em
1998", disse Marcus Mietzner, especialista em Indonésia da Universidade
Nacional Australiana.
O desempenho da Indonésia em outras frentes ainda deixa espaço para
melhorias. A corrupção permanece endêmica nesta nação de 250 milhões de
habitantes, as minorias religiosas enfrentam discriminação e violência,
e, de acordo com a Human Rights Watch, os membros das forças de
segurança do Estado ainda gozam de "impunidade generalizada" por
violações graves dos direitos humanos. Mas a maioria dessas áreas,
também, apresenta um enorme progresso.
A razão central para o sucesso da Indonésia é que, ao contrário do que
ocorreu na Tailândia, os líderes civis pós-Suharto tiraram as Forças
Armadas da política. Os legisladores aprovaram emendas constitucionais
que privaram os militares da sua bancada biônica na Câmara dos
Deputados, dando lugar a eleições parlamentares diretas. Outro avanço
fundamental para a Indonésia, segundo os especialistas, foi o seu ousado
movimento na direção da autonomia regional em todos os cantos do vasto
arquipélago, um ano depois da renúncia de Suharto, em maio de 1998.
Essa descentralização do poder rompeu o monopólio político de Jacarta e
impediu o surgimento de uma nova e dominante força política nacional.
O movimento rumo à autonomia foi caótico, marcado pela condenação por corrupção de dezenas de líderes regionais.
Joko, no entanto, é um exemplo notável de sucesso desse processo.
Nascido em uma favela em Surakarta, na região central da ilha de Java,
esse artesão de 53 anos foi eleito prefeito duas vezes e usou a sua
eleição como governador de Jacarta, em 2012, para se lançar no cenário
nacional.
A recente eleição indonésia não foi isenta de percalços. O perdedor,
Prabowo Subianto, reconheceu a derrota, mas continua a afirmar que a
eleição foi marcada por fraudes. A coalizão de partidos que apoiaram sua
campanha, a qual terá a maioria quando o novo Parlamento tomar posse,
em outubro, ameaçou instalar uma CPI para investigar a eleição.
Analistas políticos, no entanto, dizem que isso é improvável, porque
alguns dos partidos da coalizão devem abandonar Prabowo e aderir a Joko,
dando-lhe uma maioria parlamentar.
"Parece que Prabowo não quer aceitar a derrota, mas a sua chamada
'coalizão permanente de oposição' vai mudar radicalmente nos próximos
dias", disse o cientista político Ikrar Nusa Bhakti, do Instituto de
Ciências da Indonésia, em Jacarta.
"Apesar de a Indonésia ser o país muçulmano mais populoso do mundo e ter
mais de 300 grupos étnicos diferentes, o processo de democratização
está no caminho certo", disse ele. "Os militares aceitaram a supremacia
civil, que é o mais importante."
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