Desde sua estreia, há 45 anos, Doraemon tornou-se um dos personagens de
animação mais amados da Ásia --mas, para alguns órgãos de mídia chinesa,
o gato rechonchudo e sem orelhas, com sorriso de boca aberta, está numa
missão para corromper a juventude chinesa.
O gato robótico do futuro atraiu legiões de fãs no Japão e em outros
países, incluindo a China, com seus poderes de teletransporte, seu
"vício" em dorayaki (panqueca de feijão doce) e a variedade de
engenhocas espertas que utiliza para ajudar seu amigo azarado, o menino
Nobita.
Mas um jornal chinês acusou o personagem de subversão política, dizendo
que sua presença numa exposição recente na cidade de Chengdu, no sul da
China, fez parte de uma conspiração para mostrar o Japão sob uma ótica
mais benigna, no momento em que os dois rivais asiáticos se desentendem
em torno da história da guerra e de territórios no mar do Leste da
China.
"Doraemon faz parte dos esforços do Japão para exportar seus valores
nacionais e realizar sua estratégia cultural", disse o editorial do
jornal "Diário de Chengdu", do Partido Comunista local. "Com isso em
mente, precisamos ser menos cegos e ficar frios quando beijamos as
bochechas do gato azul gordinho."
Dois outros jornais da região reiteraram a acusação, e Wang Dehua,
colunista do "Global Times", avisou: "Doraemon é bonitinho, mas
representa o soft power' do Japão. Jamais podemos deixar que um gatinho
robótico controle nossas mentes."
Protagonista de um catálogo imenso de mangás e filmes de animação, além
de ser o rosto por trás de um império de merchandising de tremendo
sucesso, Doraemon possui influência cultural indiscutível.
Criado por Fujiko F. Fujio, o mangá é um dos mais vendidos do mundo com
100 milhões de cópias, enquanto o seriado de TV já conquistou plateias
de mais de 30 países.
No início do ano, a Disney anunciou ter adquirido o direito de transmitir o seriado em língua inglesa em seu canal via satélite.
Em 2002, a revista "Time" saudou Doraemon como um de seus heróis
asiáticos. Em 2008, o governo japonês o nomeou "embaixador" com
responsabilidade especial pela promoção da cultura japonesa no exterior.
Ele "tomou posse" numa cerimônia em Tóquio com a presença do então
chanceler, Masahiko Komura. Papel semelhante já lhe havia sido confiado
durante os preparativos para as Olimpíadas de 2020 em Tóquio.
As alegações chinesas suscitaram uma reação sobretudo irônica na
comunidade on-line do Japão. Segundo traduções ao inglês publicadas no
site Japan Crush, um internauta teria dito no 2ch.net: "Caramba, já
descobriram nosso plano!"
Outro explicou: "Sabe o que é, se a gente estende o nariz do Doraemon,
vira a bandeira japonesa. O partido único da China é esperto!"
Para um dos editoriais de Chengdu, a exposição recente de Doraemon,
também promovida em várias outras cidades da China, representou uma
forma de "intervenção cultural" e "uma tentativa de enfraquecer a
postura firme do povo chinês em questões históricas".
Outros comentaristas chineses foram mais tolerantes. No "Global Times",
Liu Zhun acusou de exagero aqueles que enxergam uma influência maligna
sobre os jovens chineses. "A cultura chinesa precisa se globalizar, mas o
primeiro passo é sintonizar sua cabeça e abraçar a influência de outras
culturas."
"Doraemon pode não ser um protótipo exato da cultura japonesa
tradicional, mas ainda pode funcionar como representante da cultura
japonesa. A China deveria refletir sobre isso."
Muitos chineses que cresceram assistindo ao desenho se recusam a
acreditar que o gato possa ser um contrarrevolucionário com fofice
enganosa, mas o timing da exposição foi criticado: ela foi inaugurada em
16 de agosto, um dia depois do 69º aniversário da rendição do Japão na
Segunda Guerra Mundial.
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