Yasser Tabbaa, especialista em arte e arquitetura islâmica, lembra de
ter visitado um santuário do século 13 dedicado ao imã Awn al-Din, em
Mossul, no norte do Iraque. O prédio foi um dos poucos a sobreviver à
invasão mongol e tinha um teto abobadado belíssimo, como uma colmeia.
Por isso, ele ficou consternado quando viu um vídeo na internet que
mostrava o santuário sendo explodido pela facção Estado Islâmico (EI) e
virando uma nuvem de pó. "Acabou-se, simplesmente", disse Tabbaa.
Checar como estão os tesouros culturais da Síria e do norte do Iraque
virou uma tarefa que parte o coração de arqueólogos e estudiosos da
antiguidade. A lista de obras destruídas, depredadas ou saqueadas só
cresce à medida que o EI avança no Iraque.
Extremistas sunitas estão intencionalmente destruindo santuários,
estátuas, mesquitas, túmulos e igrejas -qualquer coisa que vejam como
exemplo de idolatria.
"Esta região representou o centro do mundo para todos os grandes
impérios da humanidade", disse Candida Moss, professora da Universidade
de Notre Dame, em Indiana. "Estamos falando em gerações sucessivas de
história em um só lugar, todas sendo destruídas ao mesmo tempo."
Em um discurso no mês passado, John Kerry, o secretário de Estado dos
EUA, prometeu ação. "Nosso patrimônio histórico e cultural corre perigo.
Acreditamos ser imperativo agir", disse.
Nos últimos três anos de guerra, contudo, vários grupos internacionais
chegaram ao limite do que podem fazer. Em muitos casos, a segurança de
edificações históricas ficou a cargo dos moradores das redondezas,
muitos dos quais correram riscos enormes para defendê-las.
Os estudiosos não sabem ao certo o que já foi destruído. Os artefatos
variam de minaretes do início do século 20 a tesouros milenares. Para
muitos especialistas, a maior catástrofe é a de Aleppo, um terminal
mercantil da antiguidade e maior cidade da síria. A parte central do
"souk", um grande e vibrante labirinto de lojas e pátios decorados do
século 17, foi destruída pelo fogo. Era o coração comercial da cidade,
importante para entender como as pessoas vivem desde os tempos
medievais.
Os combates danificaram a Grande Mesquita de Aleppo, uma das mais
antigas da Síria. Sua biblioteca, que continha milhares de manuscritos
religiosos raros, foi queimada. O famoso minarete de mil anos foi
derrubado. A icônica cidadela de Aleppo, um dos castelos mais antigos do
mundo e sítio de escavações arqueológicas, erguida sobre um promontório
rochoso maciço, também foi alvejada. Ela vem sendo usada como base por
forças do governo e foi atingida por foguetes.
Para Charles E. Jones, especialista em antiguidades na universidade
Pennsylvania State, parte dos danos pode ser reparada. Mesmo assim, "não
será a mesma coisa. Quando uma construção foi derrubada, foi
derrubada."
Mais ao sul, a guerra danificou o Crac des Chevaliers, um dos maiores e
mais bem preservados castelos de cruzados no mundo, uma maravilha da
engenharia medieval que atesta as correntes cruzadas das civilizações
europeia e islâmica. Boa parte dos danos foi causada pela decisão do
governo de bombardear posições rebeldes, mas, segundo especialistas, os
trabalhos de reparo já começaram.
Parte dos saques a sítios arqueológicos sírios pode ter sido promovida
ou incentivada pelo EI ou por redes criminosas maiores, mas tanto as
forças governamentais quanto os militantes parecem estar se
beneficiando.
Um dos lugares mais saqueados é Apamea, no oeste da Síria, que era um
dos sítios romanos e bizantinos mais bem preservados do mundo, com uma
rua em colunata e mosaicos. Agora, segundo especialistas que viram fotos
aéreas, com todas as crateras deixadas pelos saqueadores, o sítio mais
parece a face da Lua. "Levaram quatro a cinco meses para pilhar Apamea",
disse Emma Cunliffe, consultora de patrimônio cultural. "Há muitos
saqueadores com escavadeiras mecânicas."
Ainda mais grave, possivelmente, é a pilhagem de Dura-Eupopos, no leste
da Síria. Fundado num platô à margem do rio Eufrates, o sítio foi um
posto avançado e fortificado do império romano e contém um tesouro
arqueológico multicultural, incluindo uma sinagoga do século 3° e um dos
mais antigos exemplares de uma "casa-igreja" cristã, uma forma
primitiva de arquitetura eclesiástica.
Mas, apesar de todos os danos causados pelos saques, nada assusta os
estudiosos mais que os militantes do EI. "A velocidade com que estão
avançando pelo Iraque realmente lembra o avanço dos mongóis", disse
Sheila R. Canby, curadora do Metropolitan Museum, em Nova York.
Os militantes do EI e outros são motivados pelo desejo de punir a
"shirk", ou idolatria. Sob essa justificativa, eles vêm destruindo
sítios xiitas e sufistas, estátuas de poetas, relíquias mesopotâmicas da
Assíria e da Babilônia e santuários sunitas que extrapolam os limites
de suas crenças.
Extremistas atacaram igrejas de Maaloula e danificaram artefatos em
Raqqa, no norte da Síria, onde destruíram uma estátua assíria de um leão
do século 8 a.C.. Em Mossul, no norte do Iraque, e redondezas, os
militantes já destruíram dezenas de santuários sufistas e xiitas
menores, túmulos, mesquitas e construções do período otomano, segundo a
arqueóloga Lamia al-Gailani Werr. Possivelmente a mais importante baixa
cultural do EI até agora seja uma mesquita, destruída em julho, que
continha o que se acreditava ser o túmulo do profeta bíblico Jonas, cuja
história faz parte do cristianismo, do islã e do judaísmo.
As convenções internacionais deveriam ajudar a proteger o patrimônio
cultural durante conflitos violentos. Mas, segundo Bonnie Burnham, do
Fundo Mundial de Monumentos, o tratado principal -a Convenção de Haia
para a Proteção da Propriedade Cultural no Caso de Conflitos Armados, de
1954- é pouco aplicada.
Existem programas pequenos: a Unesco e o Smithsonian Institute, por
exemplo, estão ensinando curadores de museus sírios a proteger coleções.
A Iniciativa do Patrimônio Cultural Sírio pretende publicar relatórios
semanais e tem um site na internet para receber denúncias anônimas de
danos.
Muitos esperam que o avanço desenfreado do Estado Islâmico perca força à medida em que o grupo for combatido.
"Quando eles começarem a perder terreno, terão outras prioridades", disse Burnham.
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