Durante meses, os pais dos adolescentes que morreram no naufrágio da
balsa Sewol acamparam na maior avenida da capital. Eles fizeram greve de
fome para protestar contra a suposta recusa do governo a investigar com
profundidade o papel da incompetência oficial e da má supervisão de
práticas de segurança no acidente. Por meses, o país compartilhou seu
luto.
Porém, à medida que os protestos levaram o Parlamento a um impasse, os
apoiadores da Presidência iniciaram outra campanha, acusando as famílias
de manter o país refém e dizendo que era hora de pôr fim ao luto.
Alguns chegaram a montar um acampamento perto dos que estavam em greve
de fome e fazer selfies enquanto se banqueteavam com frango frito,
macarrão e pizza.
Mais de cinco meses após o trágico naufrágio que uniu a Coreia do Sul no
sofrimento, o acidente polariza o país e ameaça desencarrilhar a agenda
política da presidente Park Geun-hye.
Na opinião dos pais enlutados, essa é a grande chance de a Coreia do Sul
pôr fim aos laços entre burocratas e empresas corruptos que formam o
lado oculto da ascensão econômica do país e que, segundo eles, são a
causa subjacente do acidente. "Nós não estamos exigindo a volta de
nossos filhos, já que é impossível ressuscitá-los, mas queremos
respostas", disse Yoon Kyung-hee, cuja filha de 16 anos morreu.
"Queremos apenas que os responsáveis sejam investigados e punidos para
impedir que isso volte a acontecer."
Os 250 estudantes morreram devido a erros e maus procedimentos que
poderiam ter sido evitados. Membros da tripulação, a maioria dos quais
depois abandonou a balsa, disseram aos passageiros para permanecer sob
os conveses. Cidadãos traumatizados puderam testemunhar os apavorantes
momentos finais da vida de alguns estudantes, quando vídeos feitos em
celulares foram recuperados. As imagens incluíam jovens gritando frases
de despedida a seus pais.
Promotores públicos já revelaram que a balsa afundou porque transportava
o dobro da carga permitida e passara por uma reforma para gerar mais
lucros que a deixou pesada demais. Após ganhar uma viagem da empresa de
balsas para uma ilha paradisíaca, funcionários públicos declararam a
balsa apta a navegar no mar, afirmaram os promotores.
Park prometeu vistoriar um sistema que, em suas próprias palavras, é
dominado por uma "espécie de máfia". Todavia, os pais e seus apoiadores
dizem que a presidente não age com firmeza. Eles ainda não receberam
respostas satisfatórias sequer para as perguntas básicas: por que a
tripulação deu orientações erradas? Por que os primeiros membros da
Guarda Costeira chegaram ao local do acidente sem equipamentos
apropriados nem profissionais especializados em resgate marítimo? Por
que eles não usaram megafones para instruir os passageiros encurralados a
abandonar a balsa? Segundo os pais, outro fato inaceitável é que o
governo tentou enfraquecer os poderes de uma comissão independente de
investigação em vias de ser criada. Além disso, dizem eles, os
apoiadores do governo usam clichês ideológicos remanescentes dos 30 anos
de ditadura militar no país.
Enquanto Yoon falava, ativistas de extrema-direita chegaram com placas
culpando os "comunistas pró-Coreia do Norte" pelos protestos. "Eu tento
não prestar atenção neles", disse Yoon. "Mas se me perguntarem direi que
a mesma desgraça pode acontecer com seus filhos. "
Park prometeu demitir parte da Guarda Costeira. Investigações feitas
pelos promotores públicos resultaram em acusações contra dezenas de
funcionários de órgãos fiscalizadores e da empresa de balsas e membros
da tripulação. No entanto, a maioria deles é composta por funcionários
de baixo escalão, e a atenção dos investigadores está focada na família
que controlava a empresa de balsas e a sucateou por dinheiro. Muitos
sul-coreanos acham que essa família se tornou um bode expiatório.
A desconfiança em relação ao governo Park aumentou no mês passado,
quando um ex-diretor da agência de espionagem do país foi condenado por
interferir na política antes da eleição presidencial de 2012 com uma
campanha tendenciosa na internet contra críticos do governo. "No
mínimo", disse o comentarista político Lee Byong-ik, "o acidente com a
Sewol agravou a guerra ideológica em nosso país."
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