Fluente em inglês e alemão, com formação na Europa e um emprego de
prestígio em uma multinacional, Xiang Mei, 28, tinha tudo para acreditar
no "sonho chinês" --a meta de sucesso repetida à exaustão como um dos
slogans do Partido Comunista.
Mas, quando ficou grávida, ela e o marido decidiram dar à filha a chance
de realizar o sonho americano. Faltando três meses para o parto, ela
viajou para os EUA, onde deu à luz assistida por um médico de sua
escolha fluente em mandarim. Ao embarcar em seus braços para Pequim, a
filha tinha o passaporte americano.
A executiva faz parte de um fenômeno em alta na elite chinesa, disposta a
pagar até US$ 50 mil (R$ 159 mil) para garantir um parto tranquilo e a
nacionalidade americana para seus bebês. Os motivos variam, mas o
principal é o desejo, geralmente inconfesso, de garantir porto seguro
para os filhos no futuro.
Xiang Mei é nome fictício. Para ela e a maioria dos que aderem ao
fenômeno, o sigilo é a regra, já que a prática é malvista pelo governo e
a dupla nacionalidade é proibida na China. O passaporte americano fica
escondido.
A executiva explica que a primeira motivação de ter a filha em Los
Angeles foi escapar do ar poluído de Pequim. "Sei que a poluição é muito
perigosa para grávidas, e não quis correr riscos", explica com voz
suave, mas decidida.
Com um pouco mais de conversa, porém, ela admite que as sedutoras vantagens da nacionalidade americana pesaram na decisão.
Para começar, há mais liberdade para circular pelo mundo. O passaporte
americano permite entrar em 172 países sem visto, contra apenas 44 no
caso do chinês.
A impressão é de que, acima de tudo, está a incerteza sobre a vida na
China. As preocupações vão da degradação ambiental ao risco de uma
convulsão social, caso a economia entre em colapso. Também há os que
viajam para ter o segundo bebê e escapar da política do filho único.
"Nos próximos dez anos fico aqui, tenho bom emprego garantido pela cota
para chineses em multinacionais. Mas em longo prazo não tenho segurança
na China", diz ela.
Pela lei dos EUA, bebês nascidos em solo americano, mesmo com pais
estrangeiros, são automaticamente cidadãos do país. Conhecidos como
"bebês âncora", eles têm direito a serviços de educação, saúde e outros
benefícios sociais e, como todos os cidadãos, podem apadrinhar a entrada
nos EUA de membros da família.
A legislação deu origem à indústria conhecida como "turismo de
maternidade", que atrai pais de todo o mundo. E, como ocorre no turismo
mundial como um todo, também nesse setor a maioria dos clientes é
chinesa.
O crescimento do fenômeno é claro. Segundo dados oficiais divulgados
pela revista "Globe", em 2006 apenas 600 mulheres chinesas viajaram aos
EUA para dar à luz. Em 2014, o número chegou a 30 mil, e a previsão é de
que poderá atingir 60 mil neste ano.
Para os interessados, não é difícil achar agências especializadas em
cuidar de toda a logística. A maioria usa as redes sociais para anunciar
seus serviços. Uma delas é a Mei Bao ("bebê bonito" em mandarim), que
oferece três tipos de plano: Econômico, Conforto e Luxo, com preços que
vão de US$ 10 mil (R$ 31,8 mil) a US$ 50 mil (R$ 159 mil), dependendo do
nível das acomodações.
Além da tramitação do passaporte para o bebê, os pacotes incluem
bilhetes aéreos, hospedagem e refeições por três meses em casas
administradas por chineses. Os preços não englobam despesas médicas do
parto, que em média ficam entre US$ 2.000 (R$ 6.300) e US$ 4.000 (R$
12.700).
Em sua página no Wechat, a mais popular rede social chinesa, a Mei Bao
usa de uma franqueza espantosa ao enumerar as vantagens de realizar o
parto nos EUA.
Depois de citar o nível médico superior e a liberdade de viajar, a
agência lembra que o bebê terá o direito de estudar em escolas e
universidades dos EUA como qualquer americano, em vez de se submeter "à
lavagem cerebral e à obsessão por exames" do sistema educacional chinês.
"Não queremos que nossas crianças experimentem a mesma tortura mental e
esperamos que elas possam saber o que é a verdade", diz a agência, num
tom de subversão incomum para os padrões reprimidos do ambiente social
chinês.
O volume de chineses no turismo de maternidade cresceu tanto que as
autoridades americanas começaram a apertar o cerco. Em 2013, pelo menos
18 estabelecimentos foram fechados em Los Angeles, cidade considerada o
centro dessa indústria. No início deste mês, o FBI fez novas batidas em
retiros para gestantes mantidos por agências chinesas.
Embora não seja ilegal viajar especialmente para ter o filho ou a filha
em território americano, as autoridades detectaram uma série de
irregularidades no negócio, da evasão de impostos à falsificação de
documentos para a obtenção do visto de turista para as mães.
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