O Oriente Médio, como o conhecemos há mais de um século, está prestes a
desaparecer e um novo modelo está sendo criado. As características de
sua nova face não estão sendo desenhadas por colonialistas e potências
árabes tradicionais, mas pelo caos gerado pelo vácuo de poder atual.
Os governos centrais de pelo menos cinco países árabes -Síria, Iraque,
Líbia, Sudão e Iêmen- perderam o controle de grande parte de seus
territórios para grupos armados de oposição.
Uma mistura de guerras civis, sectárias ou raciais está infestando esses
países, e há poucos sinais de que os conflitos irão diminuir. A guerra
global ao terror de 15 anos falhou de modo geral, e os grupos
terroristas e milícias radicais recuperaram a iniciativa.
A Al Qaeda tem um enclave no Iêmen, enquanto o Estado Islâmico (EI)
estabeleceu seu domínio em partes da Síria, do Iraque e um "Estado do
Sinai" no Egito.
A milícia também controla a cidade de Derna, na Líbia, estabeleceu uma
aliança transcontinental com o Boko Haram na Nigéria e está executando
seu plano de ampliar os ataques a cidades europeias e americanas, onde
dois militantes foram mortos recentemente após uma tentativa de ataque
terrorista no Texas.
Em consequência da violência e do desespero em toda a região, o mar
Mediterrâneo tornou-se o maior cemitério do mundo. Em menos de quatro
meses, 1.700 solicitantes de asilo que fugiam de guerras civis, das
terríveis condições econômicas e da repressão sistemática morreram no
mar.
Esse número é 30 vezes maior que o do mesmo período do ano passado.
Quase 4 milhões de pessoas fugiram da guerra civil na Síria, segundo o
Alto Comissariado da ONU para Refugiados.
Um sofrimento tão terrível é o resultado de décadas de graves injustiças
sociais, extremismo islâmico, amplas violações aos direitos humanos e
falta de boa governança.
Os países que mais sofreram com décadas de repressão política, sectária e
racial sistemática e homicídios em massa -Iraque e Síria- tornaram
possível a fundação do Estado Islâmico.
Nesse contexto, as populações da região árabe têm dificuldade para
responder à pergunta: o que representa o "verdadeiro islã"? É o EI, que
publica vídeos de suas decapitações no YouTube, ou a Arábia Saudita, que
decapita pessoas em público?
É o EI, que usa a "lei islâmica" para justificar o estupro em massa de
mulheres não muçulmanas no Iraque, ou é o governo sunita do Sudão, que
usa o estupro em massa de mulheres não árabes como tática de guerra?
É o EI, que defende a chacina de minorias não muçulmanas; o governo
alauíta de Bashar al-Assad, que lançou bombas de gás contra cidades
sunitas na Síria; ou o governo de Abdel-Fattah al-Sisi, que executa
chacinas nas ruas do Egito e permite sentenças de morte em massa por
meio de seus tribunais politizados?
O rei Abdullah 2° da Jordânia disse recentemente à rede de televisão CNN
que seus serviços de inteligência viram a milícia radical se formando
quase dois anos atrás na cidade de Raqqa, no norte do país, mas "o
regime sírio estava atacando todos os outros, menos o EI. Eles
precisavam pegar alguém que era pior".
Em outras palavras, com a facção radical cometendo atrocidades, o uso de
bombas de fragmentos e de gás pela Síria contra civis não parecia tão
ruim.
O rei jordaniano deixou de dizer que isso imita a estratégia de alguns
governos árabes, que atacam adversários políticos, seculares e
islâmicos, que poderiam conquistar apoio.
Os ataques terroristas são vistos por alguns governos árabes não como
ameaças, mas como oportunidades de comprar a aquiescência de seus
cidadãos e o silêncio da comunidade internacional sobre seus crimes
contra os direitos humanos.
Esses governos aplicam leis de terrorismo draconianas, que são usadas
para atingir liberais pacíficos, dissidentes islâmicos e defensores dos
direitos humanos. O Egito é o exemplo mais notável dessa abordagem.
Está na hora de os líderes árabes escutarem as vozes morais e racionais
de seus cidadãos. Na véspera da cúpula da Liga Árabe, dois meses atrás,
26 organizações árabes de direitos humanos entregaram uma carta aos reis
e presidentes do grupo político.
Nela, pediram-lhes para "reconsiderar as políticas que levaram a região
árabe a essa conjuntura catastrófica, sem precedentes na era moderna", e
"criar uma estratégia eficaz com base nas lições aprendidas com o
enfoque unilateral em soluções de segurança e militares".
O que torna a situação da região mais terrível é o fracasso do mundo em
condenar essa opressão, voltando um olhar cego para as raízes da
radicalização.
Não se trata mais de uma opção entre combater o terrorismo e respeitar
os direitos humanos. É impossível ganhar a luta contra o terror nesta
região sem abordar a opressão e a falta de oportunidades que o produzem.
Defender os direitos humanos e confrontar o extremismo religioso,
trabalhar para pôr fim à discriminação contra as populações sunitas da
Síria e do Iraque, assim como contra os beduínos do península do Sinai,
são os primeiros passos em uma jornada de milhares de quilômetros.
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