"Bem-vindos a Mlita. Desta terra, foram lançadas operações importantíssimas contra a invasão israelense".
Quem cumprimenta o público, desde um telão de cinema, é nada menos que
Hassan Nasrallah, líder do Hezbollah, entidade política armada acusada
de diversos atos terroristas, mas que, para muita gente no Oriente
Médio, é um heroico movimento de defesa do território libanês.
Nasrallah é uma das primeiras imagens que as pessoas veem ao entrar no
Marco Turístico da Resistência, aberto em uma área do Líbano conhecida
como Mlita – e de onde, entre a década de 1980 e o ano 2000, o Hezbollah
lançou uma sangrenta campanha para expulsar as forças armadas de Israel
do sul do país árabe.
Além de um cinema, o local abriga hoje um museu meio indoor, meio a céu
aberto que conta a versão do Hezbollah para seus combates contra Israel.
E a exibição inclui elogios a homens-bomba, fotos de soldados
israelenses chorando a morte de seus companheiros e a exposição de
centenas de equipamentos militares israelenses (incluindo os poderosos
tanques de guerra Merkava) destruídos nas batalhas – tudo monitorado por
membros da organização em uniforme militar (mas aparentemente
desarmados).
Em
árabe, Hezbollah que dizer "Partido de Deus", e uma interpretação
belicosa do islã está impregnada em cada canto do Marco da Resistência.
No local, situado em uma área montanhosa do sul do Líbano, os
visitantes entram em uma rede de túneis que os combatentes do Hezbollah
construíram para se proteger dos bombardeios israelenses. Lá dentro e no
entorno, fotos de soldados libaneses que morreram nos conflitos dividem
espaço com avisos dizendo: "nossa vitória é divina. Apenas os mártires
podem contar a nossa história nos céus".
Um dos "mártires" exemplares para a ideologia do Hezbollah é Ahmad
Qassir, que, no começo dos anos 1980, lutava contra a ocupação
israelense no sul do Líbano e que, em Mlita, tem uma placa em sua
homenagem que diz o seguinte: "o inimigo israelense impôs ao Líbano uma
escolha: derrota e submissão. Em novembro de 1982, um combatente chamado
Ahmad Qassir se explodiu na base militar israelense da cidade libanesa
de Tiro, anunciando o nascimento de uma escolha diferente: resistência".
Dezenas de israelenses morreram no ataque.
O contraponto é um enorme buraco chamado de "O Abismo", que reúne
espólios de guerra: mísseis israelenses que não explodiram, os destroços
de um helicóptero CH-53 Sea Stallion e centenas de capacetes
representando soldados israelenses mortos são exibidos como troféus pelo
Hezbollah. Na frente de um tanque Merkava destruído, uma placa ironiza:
"Merkava: o orgulho da indústria militar do inimigo!".
Israel invadiu o Líbano em 1982 com o objetivo de destruir a presença
da Organização para Libertação da Palestina (OLP) no país. Naquele
momento, a OLP constituía um verdadeiro poder armado paralelo em
território libanês e era vista como uma ameaça pelo governo israelense.
A invasão de 1982 conseguiu expulsar milhares de combatentes palestinos
de solo libanês, mas gerou outro inimigo: grupos libaneses
(principalmente xiitas) que se levantaram contra a prolongada presença
israelense em seu país, que se estenderia até 2000 sob a justificativa
de que Israel precisava ter uma "zona de segurança" entre sua fronteira e
o sul do Líbano. Apoiado pelo Irã, o Hezbollah se transformaria na mais
poderosa dessas entidades insurgentes, chamando os israelenses
constantemente para a briga a partir de lugares como Mlita.
Também se espalham
pela área as armas usadas pelo Hezbollah em suas campanhas: são
lançadores de granada, rifles AK-47 e baterias antiaéreas que surgem
camuflados dentro da mata ou como objetos de paisagismo, colocados no
meio de jardins recheados de coloridas flores. Crianças de uma escola
local cruzam a área e tentam tocar os canos dos armamentos.
Para Mohammed Hussein, um dos administradores do museu do Hezbollah,
a presença de Israel no Líbano era injustificável e deveria ser
combatida.
"Israel estava invadindo nosso país", afirma ele.
"Os conflitos que ocorreram nessa área tinham o objetivo de restaurar a
soberania do território libanês. E foi o que conseguimos. Israel deixou
quase que totalmente o Líbano em 2000".
Hussein fala no passado,
mas uma atmosfera de guerra segue presente nos vilarejos que cercam
Mlita. Em diversas ruazinhas da região, habitada principalmente por uma
população muçulmana xiita (a mesma vertente do islã seguida pelo
Hezbollah), aparecem outdoors com os rostos de "mártires" de diversas
épocas: há desde imagens do líder religioso xiita Musa as-Sadr (que
desapareceu na Líbia em 1978 e é reverenciado pelo Hezbollah) até fotos
de combatentes que morreram no último grande conflito armado entre
Israel e o "Partido de Deus", em 2006, sempre lançando um olhar frio
para os pedestres.
"São mártires demais", diz, mostrando involuntariamente uma
expressão de desgosto, um taxista chamado Haider, que trabalha na
região. Xiita, ele desconversa na hora de dar sua opinião sobre o
Hezbollah. "Só posso dizer que conheço muitos mártires". Com 47 anos,
ele parece mais cansado do que empolgado com o triunfalismo do "Partido
de Deus".
Um dos outdoors que cruzam a janela do carro de
Haider mostra a foto de Abu Issa, um comandante do Hezbollah morto na
Síria em janeiro deste ano. Apesar de abatido por um ataque israelense,
tudo indica que Issa estava na Síria para lutar em outra guerra: a que
opõe o regime de Bashar al-Assad a diversos grupos armados (o Estado
Islâmico entre eles).
O Hezbollah combate atualmente ao lado de
al-Assad, seu antigo aliado, e mostra que, no Oriente Médio, a guerra
está longe de ser apenas uma peça de museu.
Nenhum comentário:
Postar um comentário