Wang Suli, 39, vive há seis anos longe da única filha, que hoje tem 17
anos e estuda na cidade de origem da família, na Mongólia Interior
(Norte do país). Elas se falam por telefone todo dia, mas se encontram
duas vezes por ano.
Wang, que é empregada doméstica, mudou-se com o marido e a filha para
Pequim em 2005, em busca de trabalho e renda maior. Mas com o alto custo
da escola na capital, a menina voltou à cidade natal para viver com a
avó.
Hoje, a filha de Wang integra um exército de quase 70 milhões de
crianças --uma em cada quatro pessoas no país de até 17 anos-- deixadas
para trás por causa da urbanização das últimas décadas e do rígido
controle migratório instituído na China.
O número praticamente triplicou na década passada.
A maior parte, ou 61 milhões, está na área rural. Para estas, a
estimativa que uma federação de mulheres fez em 2013 é que 53% estejam
longe do pai e da mãe, e a maior parte, viva com os avós.
Em junho, o país ficou chocado com a morte de quatro irmãos que viviam
sozinhos em uma vila da província de Guizhou, no Sul, depois que a mãe
mudou de cidade para trabalhar e o pai deixou a casa. Segundo a agência
Xinhua, as crianças, de 5 a 13 anos, ingeriram pesticida.
A mãe das crianças, analfabeta, partiu em busca de emprego numa
província mais rica e temia sofrer violência doméstica caso voltasse. O
pai mandava dinheiro para o filho mais velho.
Apesar de outros países da região, como Filipinas e Tailândia, também
terem elevados percentuais de crianças afastadas dos pais, o caso da
China é único pelo vínculo com o controle que o governo tem da migração
interna, explica Ron Pouwels, chefe do setor de proteção à criança do
Unicef China (braço da Organização das Nações Unidas para a infância).
Os chineses estão vinculados ao local de origem da família. Caso migrem
para outra cidade e não consigam transferir seu registro de residência
--algo difícil quando a mudança é para as principais cidades--,
benefícios como saúde e educação podem se tornar muito caros.
Pouwels lembra que, além do registro, a vida na cidade é cara e, às
vezes, em condições desfavoráveis. "É preciso ver onde os pais são
empregados. Se é na construção civil, podem viver na obra."
Segundo o Unicef, o aumento de "crianças deixadas para trás" foi mais
intenso na China de 2000 a 2005 e perdeu fôlego de 2005 a 2010, último
dado disponível. De 22,9 milhões em 2000, passou para 69,7 milhões em
2010.
Tentando resolver tais problemas, a China anunciou em 2014 uma reforma
no sistema de registro de residências, o "hukou", que pode favorecer a
migração para algumas cidades grandes --mas não abarca Pequim e Xangai.
Pouwels também cita a tentativa em curso de garantir educação a custos baixos para as crianças que migram.
Essas medidas, porém, só amenizariam o problema no longo prazo. Para já,
avalia o representante do Unicef, é preciso fortalecer a estrutura
local de amparo, seja ajuda financeira ou psicológica.
Chien-Chung Huang, diretor do Centro de Pesquisas Huamin (Universidade
Rutgers, EUA), concorda. "O 'hukou' é a principal barreira para essas
crianças e os pais que migram. É improvável, no entanto, que o sistema
mude no futuro próximo, devido ao controle populacional nas grandes
cidades", afirma.
"No meio tempo, o governo pode ampliar os recursos para educação,
permitir que as crianças que migram frequentem a escola e melhorar o
apoio do serviço social."
Após a tragédia em Guizhou, o premiê, Li Keqiang, pediu a apuração de
responsabilidades e exortou as autoridades a trabalharem juntas para
apoiar os migrantes.
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