Seu pai queria vê-la casada antes dos 12 anos. Sua mãe era radicalmente contra a ideia -e pagou caro por essa convicção.
O pai de Zainab Bangura abandonou a família, obrigando sua mãe a ganhar a
vida, vendendo o que podia no mercado: lenha, comida e tecido para
costurar vestidos. "Ela decidiu: 'Custe o que custar, a garota vai
estudar.'", recorda Bangura.
A educação transformou seu destino e acabou levando-a a um dos empregos mais angustiantes da ONU.
Como enviada especial do secretário-geral para casos de violência sexual
em conflitos, Bangura documenta a violência cometida contra mulheres.
Depois, ela exorta os homens que comandam essas guerras a fazer alguma
coisa a respeito.
A própria Bangura, 55, já foi refugiada de guerra; histórias de
desespero e sobrevivência não são novidade para ela. No entanto, os
casos que ela ouviu recentemente no Oriente Médio testaram seus limites.
Na Síria, ela recebeu relatos de meninas entregues por seus pais para
serem violentadas e escravizadas por extremistas. No Iraque, mulheres
relataram ter sido compradas e vendidas, como cabeças de gado.
"A religião com que fui criada não pede que se vendam mulheres no mercado", disse Bangura, que é muçulmana.
Ela cresceu em Serra Leoa, onde seu pai era imã. Se não tivesse sido
filha única, diz Bangura, sua mãe não teria tido meios de mandá-la à
escola.
A morte de sua mãe assinalou outra virada em sua vida.
Segundo os costumes locais, cabia a seu pai sepultar sua mãe -não a ela,
porque não era casada. Bangura ficou indignada. Assim, no dia do
funeral, casou-se com o homem com quem já vivia. Juntos, eles sepultaram
sua mãe. Continuam casados, 22 anos mais tarde. "Por causa daquela
experiência, decidi me tornar ativista."
O ativismo a tirou de seu emprego estável em uma companhia de seguros e a
levou às ruas, organizando mulheres para reivindicar seus direitos.
Era o início dos anos 1990, quando a situação em Serra Leoa era de
turbulência. Um golpe militar tinha levado à suspensão da Constituição. O
país estava prestes a mergulhar numa guerra civil que iria chocar o
mundo.
Em junho de 1997, quando os combates tomaram conta do país, Bangura fugiu para a Guiné.
Depois do fim da guerra, em 2002, ela lutou pela condenação de estupradores.
Bangura se recorda de ter levado multidões de mulheres a fazer protestos
na entrada de um tribunal em Freetown, a capital leonesa. As leis foram
mudadas para garantir que sobreviventes pudessem prestar depoimento
reservadamente.
Bangura se tornou a ministra de Relações Exteriores de seu país, até que
o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a chamou para seu cargo atual,
em 2012.
Quando enfrentou questões no Oriente Médio, Bangura percebeu que teria
que discutir uma série de problemas com autoridades governamentais,
incluindo as leis que limitam a possibilidade de refugiados trabalharem
em países como Jordânia e Líbano. Essas leis mergulham as famílias na
pobreza e, para Bangura, deixam as mulheres vulneráveis à violência
doméstica em casa ou ao assédio, se elas ousam trabalhar.
Em Damasco, a capital síria, Bangura pôde fazer uma rara visita a um
centro de detenção mantido pelo governo -uma "masmorra", em sua
descrição, em que estavam presas algumas mulheres.
Mais tarde, ela se encontrou com refugiadas na Jordânia que haviam sido detidas na Síria.
"Puseram correntes nas minhas pernas por 17 dias", contou uma mulher. O
marido dela foi executado, e seu filho, de apenas 15 anos, foi obrigado a
assistir. "Hoje meu filho não faz outra coisa senão ficar sentado
sozinho, com a mente vagando."
Bangura a abraçou forte. Ela escolheu as palavras com cuidado, receosa
de fazer uma promessa que o mundo não consiga cumprir. "Os crimes
cometidos por quem quer que seja não ficarão impunes", disse Bangura.
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