Meio século depois do massacre de centenas de milhares de supostos
comunistas e simpatizantes, a Indonésia demonstra pouco interesse em
prestar contas sobre essa terrível história.
Uma investigação da Comissão Nacional de Direitos Humanos que pediu o
julgamento de líderes militares foi rejeitada. Os esforços para criar
uma comissão da verdade e reconciliação falharam. Os livros escolares
ignoram ou perdoam as chacinas. Um documentário de 2012 sobre o assunto
("O Ato de Matar"), indicado ao Oscar, não foi exibido nos cinemas do
país.
Há uma exceção notável, porém: a cidade de Palu, a capital da ilha de
Sulawesi, com cerca de 300 mil habitantes. Três anos atrás, o prefeito
daqui fez algo surpreendente: pediu desculpas pelas chacinas durante um
evento, tornando-se uma das poucas autoridades indonésias a fazer isso
e, segundo historiadores, a primeira de modo oficial.
"Como ser humano, como prefeito, preciso me desculpar", disse o prefeito
Rusdy Mastura em um vídeo gravado depois. "Por que é difícil pedir
desculpas? Por que é difícil admitir que talvez tenham existido erros
entre as medidas que tomamos? Agora temos que perdoar uns aos outros."
Mastura tinha sido convidado para uma reunião de ex-prisioneiros da ditadura indonésia e parentes das vítimas dos massacres.
Como filho de ativistas anticomunistas, seu apoio era pouco provável.
Ele pertencia ao partido Golkar, pró-governo, e foi membro da Juventude
Pancasila, organização nacionalista paramilitar, ambos os quais há muito
tempo consideram as mortes justificadas.
O assunto ainda é tabu no país. Muitas reuniões como aquela já haviam
sido canceladas por ameaças de violência. Apesar disso, Mastura
compareceu e contou uma história notável.
Cinquenta anos atrás, quando ainda estava no ensino médio, ele foi posto
para trabalhar no movimento anticomunista. Sua atribuição era vigiar
prisioneiros e evitar fugas. Segundo Mastura, ao menos quatro dos presos
que conheceu em Palu foram mortos. Ao longo dos anos, relatou, ele
também viu muitos dos outros prisioneiros e suas famílias suportarem o
trabalho forçado e a constante discriminação.
Uma das organizadoras do evento, Nurlaela A.K. Lamasituju, sentiu uma
abertura ao ouvir o relato do prefeito. "Há algo que o senhor queira
dizer às famílias das vítimas?", perguntou.
Mastura hesitou um pouco e, então, pediu desculpas.
Alguns dos participantes do evento lembram como o prefeito ficou
emocionado. O próprio Mastura disse que teve uma iluminação naquela
hora.
As vítimas e seus parentes, explicou ele em entrevista, "não sabiam de
nada". "Essas pessoas vivem em condições que as deixam sem futuro por
causa de diferenças políticas. Isso me comoveu. Foi então que me
desculpei".
Os ativistas locais aproveitaram a oportunidade, e Mastura logo assumiu
sua nova posição com gosto. "Nenhum outro líder local fez algo
parecido", disse Galuh Wandita, diretor dos programas para a Indonésia e
região da Asia Justice and Rights. "É um gesto contra a maré de
impunidade."
No ano passado, Mastura instituiu um regulamento que reconhece
oficialmente as vítimas de abusos aos direitos humanos de Palu. Foi
criado um sistema que dá prioridade a essas pessoas em serviços da
prefeitura, como financiamentos para a reforma de casas dilapidadas.
Até agora, o programa já identificou 485 vítimas locais dos atos anticomunistas de 1965-66.
Hoje, instituições como a Comissão Nacional de Direitos Humanos veem
Palu como um modelo a ser seguido nacionalmente. "Tentamos mostrar que o
prefeito pode ser um exemplo para todos os outros prefeitos da
Indonésia", disse Nur Kholis, o presidente da comissão.
A organização fez parceria com a cidade na esperança de transformar a
comemoração do aniversário da declaração de Mastura, neste mês, em um
evento para promover outras reconciliações pela Indonésia.
Palu não foi a cidade em que ocorreram as piores chacinas. Somente
algumas execuções foram confirmadas. Ainda assim, centenas de pessoas
foram torturadas e presas ali, ou submetidas a trabalhos forçados,
construindo grande parte da infraestrutura que ainda hoje serve à
cidade, disse Kholis.
No entanto, a iniciativa de Mastura enfrenta problemas. Há poucas
garantias de que o dinheiro para seu projeto continue quando ele deixar o
cargo de prefeito, no final deste ano. Muitos que receberam promessas
de ajuda da cidade também disseram que o auxílio demora a chegar.
Para Estepien Manarisip, que foi presa com seu marido, as mudanças em
Palu são gratificantes, mas lentas. Ela perdeu o emprego de professora, e
seu marido, um membro do Partido Comunista, ficou preso por mais de dez
anos. Para sustentar seus filhos, ela vendeu bolos de porta em porta.
Embora seja grata pelo pedido de desculpas, disse, os auxílios
financeiros prometidos ainda não chegaram. Com quase 80 anos, ela disse
que ainda vai esperar um pouco."Não posso fazer nada além de me ajoelhar
e rezar."
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