À primeira vista, os metais que conferem poder destrutivo às bombas
atômicas poderiam parecer intercambiáveis. Afinal, urânio e plutônio
são, ambos, mais valiosos do que o ouro, e os dois foram usados nas
bombas que devastaram cidades japonesas na Segunda Guerra Mundial
-urânio no caso de Hiroshima, plutônio em Nagasaki.
Mas há uma diferença crucial: segundo especialistas, das cerca de 15 mil
ogivas nucleares existentes no planeta, mais de 95% são à base de
plutônio, que é muito mais poderoso que o urânio e mais fácil e mais
barato produzir.
Por isso, alguns consideram exagerada e incompreensível a ênfase dada ao
urânio nas críticas feitas ao acordo nuclear com o Irã -que determina
que o país abriria mão de produzir plutônio.
"Foi um avanço imenso", disse Siegfried Hecker, professor da
Universidade Stanford e ex-diretor do laboratório bélico de Los Alamos,
no Novo México. "Mas ninguém parece se importar."
Quase dois anos de negociações com o Irã resultaram em um acordo
histórico, que limita a produção iraniana de urânio e plutônio em troca
do fim das sanções petrolíferas e financeiras internacionais.
Em 10 de setembro, a bancada democrata no Senado dos Estados Unidos
bloqueou uma tentativa republicana de rejeitar o acordo, garantindo sua
entrada em vigor sem a necessidade de confronto com a Casa Branca por
causa de um eventual veto.
Há três décadas, o Irã começou a estudar secretamente o uso do plutônio.
No ano passado, o país possivelmente estava a poucos meses de inaugurar
uma fábrica desse metal quando repentinamente aceitou uma substancial
alteração de seu projeto. Isso basicamente impediu a futura instalação
de produzir volumes suficientes de plutônio para o desenvolvimento de
bombas.
A promessa de Teerã marcou uma importante guinada, segundo especialistas
nucleares. "É um verdadeiro sucesso", disse Frank von Hippel, físico
que assessorou o governo Clinton e atualmente leciona na Universidade de
Princeton, em Nova Jersey. "Fiquei surpreso por eles estarem dispostos a
abrir mão."
Richard Garwin, um dos principais desenvolvedores da primeira bomba de
hidrogênio do mundo, disse que essa alteração de projeto foi "um grande
feito". Ele outros cientistas assinaram no mês passado uma carta
endereçada ao presidente Barack Obama elogiando o acordo com o Irã, que
eles descreveram como inovador e rigoroso.
Purificar o urânio para o uso em bombas é um processo
extraordinariamente difícil, ao passo que o plutônio é um subproduto
atômico, o que facilita sua fabricação. Além disso, é necessária uma
quantidade muito menor de plutônio para produzir uma explosão
equivalente.
"Ele tem o dobro do efeito", disse Ray Kidder, que foi desenvolvedor de
armas no laboratório bélico Livermore, na Califórnia, até se aposentar.
"Se todo o resto for igual, [o plutônio] faz uma arma mais poderosa."
O segredo está no fosso colossal entre matéria e energia, que Einstein
definiu décadas atrás na sua famosa equação E = mc2, em que a energia é
igual à massa multiplicada pela velocidade da luz ao quadrado, uma cifra
incrivelmente alta.
Em 9 de agosto de 1945, quando os Estados Unidos despejaram uma bomba de
plutônio sobre Nagasaki, um grama de matéria se transformou em energia.
Cerca de 75 mil pessoas morreram.
O plutônio é produzido quando alguns nêutrons são absorvidos por átomos
de urânio em um reator. Esse metal libera mais energia do que o urânio
em parte porque seus átomos emitem mais nêutrons quando divididos,
acelerando reações em cadeia. O alto fator de multiplicação significa
também que as ogivas de plutônio podem ser menores e mais leves. Segundo
especialistas, a Índia, a Coreia do Norte, Israel e o Paquistão têm
usado reatores para fazer plutônio para armas nucleares.
Uma pequena massa desse metal prateado, geralmente menor que uma bola de
beisebol, funciona como um fósforo superquente que acende o combustível
termonuclear. A ogiva resultante é até mil vezes mais poderosa do que
uma bomba atômica.
As inclinações de Teerã com relação ao plutônio foram reveladas no final
de 2002, no começo do impasse entre o Irã e o Ocidente. As atenções se
voltaram para um vasto complexo nuclear semiconstruído nos arredores da
cidade de Arak. O local, muito isolado, estava rodeado por quilômetros
de arame farpado.
Teerã alegou que Arak produziria radioisótopos para fins humanitários,
como o tratamento do câncer. Mas, à medida que as obras evoluíam, vales e
cumes montanhosos da região ficaram lotados de baterias antiaéreas.
Por que a mudança de rumo em Arak foi tão rapidamente ignorada?
Especialistas nucleares dizem que a ameaça militar de um complexo de
plutônio inacabado pode ser vista como algo abstrato em comparação ao
sucesso do Irã na purificação de urânio.
As estimativas mais pessimistas dizem que o Irã poderia ter urânio para uma bomba em apenas dois ou três meses.
De toda forma, o acordo envolvendo o plutônio basicamente sepultou
aquela antiga iniciativa iraniana. "Não há mais nada para discutir",
disse Von Hippel.
Por que o Irã abriu mão do plutônio? Hecker, o ex-diretor de Los Alamos,
disse que Teerã provavelmente decidiu abandonar sua tentativa de montar
um arsenal. No entanto, ele argumentou que o empenho do país em salvar
grande parte do seu complexo de urânio durante a negociação sugere que o
país está se precavendo.
"Acho que, neste momento, o Irã realmente não quer desenvolver armas nucleares", afirmou. "Mas ainda quer ter essa opção."
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