A cuba da NP-WU10 é moldada à mão em uma fundição de ferro, para propiciar aquecimento delicadamente preciso. A tampa tem revestimento de platina, a fim de capturar o nível perfeito de aminoácidos. Um sensor digital permite selecionar entre 121 microajustes possíveis, até que o cozimento perfeito seja obtido.
Para um país que cultua o arroz, onde os reluzentes grãos da variedade japônica são tanto um alimento quanto uma oferenda religiosa, e onde a produção do arroz é politicamente sacrossanta, a panela elétrica de arroz Zojirushi, vendida por US$ 1,5 mil, serve como altar. Ou ao menos deveria. O problema para a companhia sediada em Osaka, cujos engenheiros, designers e degustadores de arroz vêm desenvolvendo a NP-WU10 há muitos anos, é que o consumo japonês está caindo —e muito.
A crise do arroz japonesa começa pelos estômagos menores e mais idosos do país. À medida que a população envelhece, o apetite cai. As dietas dos japoneses mais jovens favorecem o trigo, e o país está comendo 20% menos arroz do que era o caso duas décadas atrás.
Outras fontes de demanda também estão desaparecendo: o Japão bebe um terço menos de saquê (feito com arroz) do que em 1970, e o consumo de peixe —o acompanhamento tradicional do arroz— se reduziu em 30% de 2005 para cá. Em desespero, o Ministério da Agricultura, Recursos Florestais e Pesca se viu forçado a encontrar maneiras de promover um grão cujo nome em japonês —"gohan"— é sinônimo de "refeição".
Outras fontes de demanda também estão desaparecendo: o Japão bebe um terço menos de saquê (feito com arroz) do que em 1970, e o consumo de peixe —o acompanhamento tradicional do arroz— se reduziu em 30% de 2005 para cá. Em desespero, o Ministério da Agricultura, Recursos Florestais e Pesca se viu forçado a encontrar maneiras de promover um grão cujo nome em japonês —"gohan"— é sinônimo de "refeição".
Depois de atingir um pico de 2.670 calorias ao dia em 2006, o consumo calórico japonês está em queda, atingindo as 2.415 ao dia no ano passado, declarou um porta-voz da divisão do ministério que responde pelo arroz.
"A diferença é que as pessoas já não comem tanto porque a população envelheceu", ele diz. "Creio que o pico de 2.670 calorias foi o limite para o quanto a população japonesa comerá".
O setor observou impotentemente a queda de preço do arroz cultivado no Japão, que pela primeira vez desde 1953 se tornou mais barato que o arroz produzido na Califórnia. O preço pode se recuperar em curto prazo, mas os fundamentos sugerem que estamos no começo de uma tendência longa. Esse ponto de inflexão, dizem importantes especialistas japoneses em arroz, requer revisão geral da maneira pela qual o país pensa sobre o seu alimento básico.
De acordo com alguns observadores, a política e o protecionismo por trás da relação entre o Japão e o arroz —traços que definem a maneira pela qual o Partido Liberal Democrata manteve o poder e pela qual o país vem sendo governado desde a Segunda Guerra Mundial— já estão em fluxo. O público pode ver a nova lei de segurança nacional do primeiro-ministro Shinzo Abe, aprovada na semana passada depois dos maiores protestos que o Japão viu desde os anos 60, como seu mais radical esforço de reforma. Mas as mudanças que ele talvez esteja preparando para a agricultura poderiam ser muito mais profundas, segundo os analistas.
De acordo com alguns observadores, a política e o protecionismo por trás da relação entre o Japão e o arroz —traços que definem a maneira pela qual o Partido Liberal Democrata manteve o poder e pela qual o país vem sendo governado desde a Segunda Guerra Mundial— já estão em fluxo. O público pode ver a nova lei de segurança nacional do primeiro-ministro Shinzo Abe, aprovada na semana passada depois dos maiores protestos que o Japão viu desde os anos 60, como seu mais radical esforço de reforma. Mas as mudanças que ele talvez esteja preparando para a agricultura poderiam ser muito mais profundas, segundo os analistas.
No começo deste ano, o partido de Abe forçou o sindicato de cooperativas rurais JA-Zenchu a abdicar de seu direito de fiscalizar e auditar grupos agrícolas —uma medida cujo objetivo é diluir o poder do sindicato. A ideia, que é vista como uma das reformas que compõem a "terceira flecha" da política econômica de Abe (conhecida como Abenomics), conferiria maior autonomia às cooperativas. O governo também relaxou alguns dos limites sobre a propriedade de fazendas por empresas, e criou maneiras de fundir pequenas propriedades em unidades maiores. Abe talvez busque estender essa política.
O controle do JA sobre a distribuição das safras agrícolas japonesas lhe propicia domínio sobre a agricultura. Romper esse domínio continua a ser uma prioridade para o primeiro-ministro.
A despeito de seu status duradouro como símbolo único da autossuficiência alimentar do Japão, e como a força que resgatou o país da fome no pós-guerra, o setor de arroz hoje tem menos defensores do que no passado. A demografia desse setor econômico, no qual a idade média dos agricultores é de 70 anos, trabalha em seu desfavor. Cerca de 64% dos agricultores japoneses trabalham cultivando uma safra que responde por apenas 21% da produção agrícola do país em termos de valor, diz o Instituto Canon de Estudos Mundiais.
Os consumidores japoneses podem ter dinheiro suficiente para rejeitar arroz importado que chega ao país com preço 20% ou 30% mais baixo que o do produto nacional. Mas fontes que no passado trabalharam para o Ministério da Agricultura dizem que até mesmo eles começaram a perceber o absurdo de um sistema que canaliza bilhões de dólares em subsídios a um sistema que reduz a área plantada e inflaciona os preços.
Os lobbies da carne bovina e do trigo, dizem fontes conhecedoras do pensamento do governo, agora exercem mais influência sobre os altos escalões da administração. Enfim se tornou aceitável questionar como exatamente o setor de arroz, que opera de modo tão desordenado, mantém a nação sob seu controle. "Agora estamos começando a ver com muita clareza que, sem suas proteções, o setor nacional de produção de arroz na verdade não funciona", disse Masayoshi Honma, da Universidade de Tóquio.
Para alguns, especialmente o JA, que controla 50% do setor de arroz japonês, com movimento de dois trilhões de ienes anuais, a queda dos preços e da demanda é simplesmente desastrosa. O JA deve boa parte de sua riqueza às comissões de entre 2% e 3% que recebe sobre cada transação com arroz, e boa parte de seu poder político aos 4,6 milhões de domicílios agrícolas que abarca como membros.
O problema, admitiu uma integrante do JA em Kanagawa que disse que seu sobrenome era Hayashi, representa um desafio irresistível ao poder histórico e à riqueza do setor japonês de arroz. "O arroz é o coração do Japão, mesmo que o estejamos comendo menos. Mas esse sentimento, sozinho, pode já não ser suficiente. Os agricultores estão envelhecendo, os preços estão caindo e as batalhas se tornarão mais e mais difíceis de lutar. Você aconselharia seus filhos a se tornarem fazendeiros de arroz, nessa situação?"
Para outros, Abe acima de todos, a queda no preço do arroz ajuda a expor as manipulações que o lobby do setor pratica há muito tempo. E pode oferecer uma chance para que o Japão aborde as negociações de comércio internacional, especialmente as conversações em curso sobre uma Parceria Transpacífico (TPP), com menos bagagem do que no passado, dizem diplomatas. Se o arroz da Califórnia continuar mais caro que o arroz japonês, como parece provável caso persista a seca californiana, os produtores de arroz japoneses se preocuparão menos com a concorrência dos importados.
Para outros, Abe acima de todos, a queda no preço do arroz ajuda a expor as manipulações que o lobby do setor pratica há muito tempo. E pode oferecer uma chance para que o Japão aborde as negociações de comércio internacional, especialmente as conversações em curso sobre uma Parceria Transpacífico (TPP), com menos bagagem do que no passado, dizem diplomatas. Se o arroz da Califórnia continuar mais caro que o arroz japonês, como parece provável caso persista a seca californiana, os produtores de arroz japoneses se preocuparão menos com a concorrência dos importados.
A estrutura subjacente da economia do arroz está em perigo. Os preços do arroz japonês mostram tendência constante de queda desde 2003. Como apontam o professor Honma e outros, se o mercado de arroz japonês tivesse sido autorizado a responder à oferta e procura, os preços nacionais do arroz teriam caído mais cedo e mais rápido do que aconteceu.
A atual diferença de preço entre o arroz japonês e o da Califórnia, definida pelo preço médio de uma saca de 60 quilos, não deve passar de algumas centenas de ienes. Mas é uma diferença significativa, disse Kazuhiko Yamashita, ex-funcionário do Ministério da Agricultura e diretor de pesquisa do Instituto Canon de Estudos Mundiais.
Isso mostra, ele diz, que a despeito dos prolongados esforços do JA para manter os preços altos, manter fazendas ineficientes à tona e garantir que seu quadro de membros continue grande, o preço do arroz está se tornando imune a medidas de sustentação, porque os fundamentos já não o bancam.
Um indicador importante da ferocidade do protecionismo japonês ao arroz, diz Yamashita, são as altas tarifas sobre o arroz importado. Duas décadas atrás, o Japão relutantemente aceitou uma quota anual de importação de 770 mil toneladas de arroz. Essa"abertura" do mercado, porém, aconteceu em geral da boca para fora. O arroz chegava dos Estados Unidos e China, mas pouco dele era colocado no mercado. Com o custo total desse exercício agora se aproximando dos US$ 3 bilhões, de 1995 para cá, boa parte do arroz importado se degradou a ponto de só poder ser usado para ração animal. O restante foi despachado ao exterior como assistência alimentar.
O verdadeiro propósito de tudo isso, diz Yamashita, foi aumentar a influência do JA. Os preços foram protegidos para garantir que milhões de pequenos produtores de arroz —todos eles membros do JA e geradores de comissões para o sindicato, e dotados de votos capazes de decidir eleições— não se vissem forçados a parar de produzir.
Dos anos 70 para cá, o Japão na prática vêm pagando agricultores para que não plantem arroz, o chamado programa de "reserva de terras" que consumiu subsídios cada vez mais pesados para encorajar a retirada de proporção cada vez maior dos 2,5 milhões de hectares de arrozais do Japão de produção. Em 1971, 541 mil hectares estavam em desuso. Hoje, mais de um milhão de hectares não são plantados.
"Mesmo com esse nível de arrozais tirados de produção, o JA vem constatando que o total retirado de produção ainda não basta para sustentar o preço desejado, porque a demanda declina constantemente. Além disso, os fazendeiros de arroz estão chegando ao limite no que tange a tirar terras de produção; por motivos emocionais, eles desejam continuar plantando arroz, e são velhos demais para aprender as técnicas muito diferentes de plantio do trigo ou cevada", diz Yamashita.
"Mesmo com esse nível de arrozais tirados de produção, o JA vem constatando que o total retirado de produção ainda não basta para sustentar o preço desejado, porque a demanda declina constantemente. Além disso, os fazendeiros de arroz estão chegando ao limite no que tange a tirar terras de produção; por motivos emocionais, eles desejam continuar plantando arroz, e são velhos demais para aprender as técnicas muito diferentes de plantio do trigo ou cevada", diz Yamashita.
O que JA deseja, fundamentalmente, é que os agricultores plantem menos? "Sim. Há distorções terríveis aqui. É uma loucura, mas essa é a base sobre a qual trabalham. Eles não se preocupam em nada com o cultivo do arroz", diz Yamashita.
Existem outras formas de sustentação de preço em vigor. O Ministério da Agricultura e o JA favorecem um sistema que incentiva os agricultores a produzir arroz para ração animal e não para consumo humano. As vacas e porcos do Japão podem estar consumindo as rações mais caras do mundo mas, em teoria, essa produção impede que os preços do arroz caiam ainda mais.
A ironia, nisso, diz Yamashita, é que o governo japonês vem falando entusiasticamente sobre promover o arroz japonês como produto de exportação —opção que seria consideravelmente mais fácil se fosse permitida uma queda dos preços até que se tornassem competitivos com os do arroz californiano.
Também existe debate sobre o número de membros legítimos do JA —o sindicato alardeia 4,6 milhões de membros, de 3,94 milhões de domicílios rurais. Yamashita, o professor Honma e outros dizem que muitos desses membros são aposentados, e que muitos podem estar declarando participação no sindicato ilegalmente a fim de garantir isenções de impostos e transações lucrativas nas vendas de terras agrícolas.
"A diferença entre o número real de domicílios agrícolas e o número de membros do JA é uma verdadeira maravilha", diz o professor Honma. "Mas os membros do JA são sua fonte de poder político. As distorções que foram criadas são definitivamente destrutivas".
O poder do JA começará a se reduzir à medida que a queda dos preços continue, ele diz, mas o grupo montou protestos contra a TPP. No começo do ano, o JA mobilizou 10 milhões de pessoas para que assinassem uma petição argumentando que o Japão não deveria sacrificar os interesses dos agricultores de arroz durante as negociações da TPP.
Mas analistas dizem que foi uma demonstração de poder por parte de um gigante que está cambaleando. No passado, diz Koichi Nakano, professor de política na Universidade Sophia, em Tóquio, a influência política do JA era parte de um acordo triplo entre ele, o Partido Liberal Democrata, governante, e o lobby empresarial Keidanren. Com a aposentadoria de número cada vez maior de agricultores e a perda de influência do voto rural, o pacto começa a se desfazer.
"O JA e o lobby agrícola na verdade se enfraqueceram como resultado direto da força política de Abe e da queda do Partido Democrático do Japão [de oposição]", diz o professor Nakano. "Para ter poder político, você precisa contar com uma ameaça crível de que transferirá seus votos a outro partido, mas eles não têm como agir assim com relação a Abe".
O efeito, ele acrescenta, é que Abe pode estar em posição mais forte que a de qualquer de seus predecessores para forçar novas reformas na agricultura ou, mais imediatamente, assinar o acordo da TPP sem uma reação adversa destrutiva nas urnas rurais.
Se o pináculo do consumo de arroz é a nova panela elétrica da Zojirushi, o segredo de boa parte da produção de arroz japonês é outro feito intrincado de engenharia: a Yanmar RG8, uma máquina automática de plantio de arroz. Pode-se afirmar que foi ela, em companhia de diversas predecessoras e produtos rivais, que mais fez para transformar o plantio de arroz no Japão, reduzir a distância entre cidade e campo e ajudar a manter o vasto quadro de membros do sindicato de cooperativas rurais JA-Zenchu.
A sustentação duradoura do governo aos preços fez muito para manter à tona os ineficientes plantadores de arroz do país. Mas isso, sozinho, não teria sido suficiente, dizem analistas. Operada por um único agricultor, a máquina da Yanmar consegue plantar em 15 minutos uma área que, de outra forma, custaria um dia inteiro de trabalho exaustivo por um trabalhador.
Na prática, ela criou o agricultor de fim de semana. Os agricultores japoneses foram libertados dos campos em escala cada vez maior desde que as primeiras máquinas de plantio automático foram introduzidas, nos anos 60. Isso permitiu que eles realizassem outros trabalhos, mais lucrativos, o que significa que a porção média da agricultura na renda de um agricultor japonês típico responde por apenas 15% do total, diz Kazuhiro Yamashita, do Instituto Canon de Estudos Mundiais. A porção não agrícola de suas pensões é de cerca de 60%. A comparativa facilidade com que uma plantadora automática de arroz pode ser operada por um fazendeiro idoso ou por seus descendentes que trocaram o campo pela cidade permite que o plantio seja realizado em dois dias de trabalho intenso. Dezenas de milhares de domicílios puderam continuar a cultivar arroz quando, de outra forma, teriam simplesmente parado. Para o JA, a mecanização permitiu que mais japoneses continuem a ser registrados como fazendeiros ativos, o que reforça seus quadros e sua influência política.
Se o pináculo do consumo de arroz é a nova panela elétrica da Zojirushi, o segredo de boa parte da produção de arroz japonês é outro feito intrincado de engenharia: a Yanmar RG8, uma máquina automática de plantio de arroz. Pode-se afirmar que foi ela, em companhia de diversas predecessoras e produtos rivais, que mais fez para transformar o plantio de arroz no Japão, reduzir a distância entre cidade e campo e ajudar a manter o vasto quadro de membros do sindicato de cooperativas rurais JA-Zenchu.
A sustentação duradoura do governo aos preços fez muito para manter à tona os ineficientes plantadores de arroz do país. Mas isso, sozinho, não teria sido suficiente, dizem analistas. Operada por um único agricultor, a máquina da Yanmar consegue plantar em 15 minutos uma área que, de outra forma, custaria um dia inteiro de trabalho exaustivo por um trabalhador.
Na prática, ela criou o agricultor de fim de semana. Os agricultores japoneses foram libertados dos campos em escala cada vez maior desde que as primeiras máquinas de plantio automático foram introduzidas, nos anos 60. Isso permitiu que eles realizassem outros trabalhos, mais lucrativos, o que significa que a porção média da agricultura na renda de um agricultor japonês típico responde por apenas 15% do total, diz Kazuhiro Yamashita, do Instituto Canon de Estudos Mundiais. A porção não agrícola de suas pensões é de cerca de 60%. A comparativa facilidade com que uma plantadora automática de arroz pode ser operada por um fazendeiro idoso ou por seus descendentes que trocaram o campo pela cidade permite que o plantio seja realizado em dois dias de trabalho intenso. Dezenas de milhares de domicílios puderam continuar a cultivar arroz quando, de outra forma, teriam simplesmente parado. Para o JA, a mecanização permitiu que mais japoneses continuem a ser registrados como fazendeiros ativos, o que reforça seus quadros e sua influência política.
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