As ambições são de causar espanto, as mais grandiosas na América
Latina desde que milhares de trabalhadores morreram construindo
ferrovias nas inóspitas selvas do Brasil há mais de um século.
A China tentou construir um “canal seco” na forma de uma linha férrea
através da Colômbia, ligando o Caribe ao Pacífico. Investidores
chineses anunciaram outro grande projeto em Honduras: dois portos e uma
ferrovia de 600 quilômetros de um mar ao outro. Então, em junho, Pequim
anunciou mais uma megaferrovia —quase dez vezes maior— que cruzará o
Brasil e o Peru, estendendo-se de uma costa à outra da América do Sul.
No entanto, em toda a região, os chineses enfrentam a dura realidade
da política latino-americana, a resistência de grupos ambientalistas e
uma crescente desconfiança. As atuais preocupações sobre o crescimento
econômico chinês levantam ainda mais dúvidas.
A enorme ferrovia interoceânica cruzando o Brasil e o Peru “será um
teste crucial da China como potência global e do potencial de maior
aceitação na América do Sul dos interesses chineses por nossos
recursos”, disse José Eustáquio Diniz Alves, pesquisador brasileiro.
“Estamos experimentando o lado negativo de nossa dependência
excessiva da China, agora que a opaca economia chinesa está em
declínio”, acrescentou.
“Imagine o que acontecerá se essa ferrovia avançar, trazendo
devastação ambiental e ainda mais influência da China em nossos
negócios.”
Há mais de cem anos, os americanos entraram na América do Sul com planos ambiciosos de construir ferrovias.
Milhares de trabalhadores morreram na Amazônia nas obras do que veio a
ser chamado de Ferrovia do Diabo, abandonada depois que os preços da
borracha despencaram.
Hoje é a China que sofre uma série de reveses em projetos de
ferrovias em toda a região, numa época em que a demanda por
matérias-primas latino-americanas, como soja, minério de ferro, cobre e
petróleo, desacelerou.
Em 2014, o México cancelou uma proposta chinesa de construir um
sistema de trens de alta velocidade, depois de acusações de que o
governo mexicano tinha favorecido empreiteiras participantes do
consórcio.
Em Honduras, dois anos se passaram desde que investidores chineses
anunciaram a ferrovia ligando o Caribe ao Pacífico. No entanto, Miguel
Servellón, do órgão estatal que promove o projeto, disse que “ainda
falta muito para ele acontecer”, enumerando obstáculos como um difícil
processo de aprovação ambiental.
O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, disse há quatro anos
que a Colômbia e a China tinham um plano, que estava “bastante
avançado”, de construir uma ferrovia ligando o Pacífico ao Caribe. No
entanto, o clima mudou consideravelmente desde então.
“É um assunto que foi mencionado em 2011 e posteriormente teve
relevância mínima”, disse Daniela Sánchez, diretora da Câmara de
Comércio Colômbia-China.
Na Venezuela, empresas chinesas realmente deram início a uma ferrovia
de alta velocidade de 460 quilômetros. No entanto, o projeto foi
prejudicado durante anos por interrupções no trabalho e falta de
dinheiro pelo lado da Venezuela. As autoridades chinesas dizem que mais
da metade da ferrovia foi construída, mas a mídia venezuelana relatou em
junho que os acampamentos de trabalhadores no trajeto foram
abandonados.
Um projeto ainda maior sugerido por um magnata chinês das
telecomunicações, um canal de 270 quilômetros cortando a Nicarágua, foi
recebido com ceticismo sobre sua exequibilidade e com protestos de
agricultores na área afetada.
A China está empenhada no projeto da ferrovia de US$ 10 bilhões que
atravessará Brasil e Peru, já que o comércio entre a China e a América
Latina aumentou de US$ 12 bilhões em 2000 para US$ 285 bilhões em 2014,
segundo o FMI (Fundo Monetário Internacional).
Lucas do Rio Verde, de 70 mil habitantes, poderá ficar quase na metade da rota proposta, de 5.300 quilômetros.
“Não duvido que a China tenha dinheiro e conhecimento para fazer isso
acontecer”, disse Ricardo Tomczyk, presidente de um grupo setorial que
representa plantadores de soja. Mas “sabemos que a burocracia do Brasil é
mais formidável do que construir uma ferrovia atravessando os picos dos
Andes”.
Outros projetos de infraestrutura chineses progrediram na América Latina.
Na Argentina, onde empresas chinesas estão modernizando uma rede de
transporte de carga dilapidada, as importações de material ferroviário e
trens da China atingiram cerca de US$ 700 milhões em 2014, contra US$
50 milhões em 2011. No Equador, bancos estatais chineses já aplicaram
cerca de US$ 11 bilhões na construção de uma barragem, rodovias, pontes e
hospitais.
Kevin Gallagher, professor da Universidade de Boston que estuda as
incursões da China na América Latina, disse que a ferrovia Brasil-Peru
está entre os maiores projetos de infraestrutura na América Latina no
último século.
“A China terá de acelerar na curva de aprendizado para que isso
aconteça”, disse. “Se os chineses não conseguirem fazê-la, ninguém
consegue.”
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