sábado, 10 de outubro de 2015


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Os membros do grupo Salve a Vaca entraram em ação assim que ouviram o boato de que os restos do abate de uma vaca tinham sido achados perto de um transformador elétrico desta cidadezinha.
Eles rapidamente espalharam o alarme via mensagens de texto e telefonemas, além de pedirem a um sacerdote hindu que avisasse os moradores pelo alto-falante do seu templo.
Não havia nem sinal de que uma vaca, símbolo sagrado para os hindus, teria sido abatida, mas cerca de mil homens se reuniram em frente à casa do suspeito, Mohammed Ikhlaq, um dos poucos muçulmanos da cidade a 50 quilômetros a leste de Nova Déli.
A mulher de Ikhlaq, chamada Ikraman, disse que ouviu alguém gritar: “Matem-nos”. Ela, o marido e seu filho Danish, 20, se protegeram por trás de uma espessa porta de madeira, mas a multidão a arrombou.
A turba agrediu Ikhlaq com a máquina de costura de Ikraman e esmagou com um tijolo a cabeça do filho deles, segundo a mulher. Em seguida, eles arrastaram Ikhlaq para a rua que passa ao lado do transformador.
Ikhlaq morreu horas depois do ataque e seu filho ficou em estado grave. Apesar disso, em entrevistas, membros do grupo Salve a Vaca manifestaram pouco remorso pelo ocorrido. Em vez disso, culparam Ikhlaq por incitar a fúria da multidão ao abater e consumir a carne de uma vaca, uma acusação rejeitada pela família Ikhlaq e pela polícia, que indiciou dez homens por homicídio.
“Não era nossa intenção matá-lo”, disse Kumar Vichitra Tomar, dirigente do Salve a Vaca que não está entre os indiciados.
Integrantes do grupo disseram que se sentiram motivados a dar o alarme, em 28 de setembro, por causa da sua devoção religiosa. “Estamos mais apegados à vaca do que aos nossos próprios filhos”, disse Inder Nagar.
Muitos líderes do Salve a Vaca por aqui também são influentes mobilizadores locais do partido nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP), do primeiro-ministro Narendra Modi, que atualmente está empenhado em tirar o Partido Socialista do poder em Uttar Pradesh, um vasto Estado do norte da Índia com mais de 200 milhões de habitantes, sendo 20 mil nesta localidade. Eles e muitos outros líderes do BJP culparam o partido que governa Uttar Pradesh pelo ataque em Bisada.
“Se o governo tivesse feito o seu trabalho de proteger bem as nossas vacas, esses homens não teriam sido obrigados a tomar a lei em suas mãos”, disse o presidente estadual do BJP, Lakshmikant Bajpayee, por telefone.
O consumo de carne bovina é tema de uma antiga polêmica na Índia, mas esse debate se intensificou no último ano. Alguns atribuem isso a Modi, que durante sua campanha condenou violentamente “o assassinato generalizado das nossas vacas”.
Os líderes locais do Salve a Vaca e do BJP condenaram o indiciamento dos suspeitos por assassinato. Na opinião deles, a morte de Ikhlaq foi o resultado não intencional de uma situação caótica e altamente tensa que a própria vítima criou. “Ele escorregou, bateu a cabeça na rua e morreu”, disse Tomar. “Essas coisas acontecem. É uma multidão”, acrescentou.
Mahesh Sharma, ministro da Cultura de Modi e representante desta região no Parlamento, disse ao jornal “The Indian Express” que a morte de Ikhlaq “deve ser considerada um acidente”.
Pratap Bhanu Mehta, presidente da instituição indiana Centro de Pesquisas Políticas, acusou Modi de incentivar tacitamente a intolerância e a violência das turbas hindus, ao não se pronunciar contra esses incidentes. “A culpa por isso precisa recair exclusivamente sobre Modi”, escreveu no “The Indian Express”. “Quem espalha esse veneno tem o estímulo dele.”
O abate de vacas é proibido há muito tempo em Uttar Pradesh, mas diversos funcionários do BJP afirmam que esses animais estão sendo mortos em quantidades cada vez maiores. Eles acusam os muçulmanos de roubarem as vacas e de levá-las a matadouros secretos. A polícia, segundo eles, não faz nada, porque o partido do governo estadual está desesperado pelos votos dos muçulmanos.
Dias depois do assassinato, a família Ikhlaq ainda estava em choque.
“Se suspeitaram que ele tinha matado uma vaca, por que não prestaram queixa na polícia contra nós?”, perguntou a filha de Ikhlaq, Shaista, 18. “Quem deu a eles o direito de matar o meu pai?”

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