Há 22 anos, Li Xue vive como um fantasma, banida da vida normal pela
política do filho único da China. E mesmo agora que o Partido Comunista
declarou o fim dessa política, disse ela, parece não haver um final
rápido para o limbo em que vivem muitas crianças e adultos nascidos
“fora do plano”, como ela.
“Li Xue é uma cidadã chinesa”, disse sua mãe, Bai Xiuling. “Mas ninguém reconhece sua existência. Só a família.”
Segunda filha de uma família do sul de Pequim, o nascimento de Li
contrariou as regras que obrigam a maioria dos casais urbanos a ter
apenas um filho.
Ela cresceu como uma pária em seu próprio país, sem documentos de
identidade, sem direitos aos serviços públicos. Ela nunca foi à escola e
tem dificuldade para encontrar trabalho.
“Há tantas coisas que eu preciso superar, em comparação com as
pessoas normais”, disse Li em uma pausa de seu trabalho como garçonete.
“Eu não deveria ser responsabilizada por isso.”
A história de Li Xue ilustra como as regras de planejamento familiar
na China tiveram repercussões muito mais complexas e duradouras que
simplesmente limitar o número de filhos.
Sem permissão de residência e carteira de identidade, chineses como
Li não têm acesso à educação, a tratamentos de saúde, bons empregos e
licença de casamento.
Li disse que ela sentiu apenas uma curiosidade muda quando o imprensa
anunciou recentemente que o Partido Comunista permitiria que todos os
casais tenham dois filhos. Segundo ela, já alimentou muitas falsas
esperanças.
“Tenho 22 anos e já passei por muita coisa”, afirmou a jovem. “O
governo falou em mudanças de legislação e políticas, mas eu sinto que
simplesmente temos de esperar para ver.”
Milhões de chineses vivem sem a “permissão de residência”, o “hukou”,
que serve como uma espécie de passaporte, permitindo que as pessoas
naveguem pela burocracia estatal do país.
Este ano, um pesquisador do governo, Wan Haiyuan, calculou que pelo
menos 6,5 milhões de chineses não têm situação oficial porque nasceram
fora das regras de planejamento familiar.
Oficialmente, essas crianças podem ter autorizações de residência,
mas na prática as autoridades as negam, como uma maneira de punir as
famílias, ou estas evitam solicitar a permissão por medo de serem
multadas.
Os governos locais sofreram intensa pressão para cumprir as metas
populacionais, encorajando os administradores a recorrer a abortos
forçados, demolição de casas e outras medidas coercitivas para castigar
as famílias.
Li disse que seus pais não violaram intencionalmente as regras de
planejamento familiar, e se recusaram a pagar as multas consequentes.
Sua mãe e seu pai tinham deficiências que deveriam ter lhes permitido
um segundo filho, disse ela. Sua mãe até pensou em abortar, mas os
médicos disseram que ela estava muito doente na época e a operação seria
um risco, disse Li.
Li Xue cresceu à sombra de sua irmã, Li Bin, oito anos mais velha e
nascida com aprovação oficial. A primogênita foi à escola; Li Xue não
pôde.
Ela disse que aprendeu com sua irmã e lendo livros por conta própria.
Sua irmã podia ir ao médico quando ficava doente. Li não podia, porque
as clínicas e hospitais de Pequim exigem papéis de identificação, que
ela não tinha.
E enquanto sua irmã encontrou trabalho em uma fábrica Li Xue tinha dificuldade porque os empregadores exigiam documentos.
Li Xue disse que teve de enfrentar uma série de terríveis frustrações
e becos sem saída. Conseguiu o emprego de garçonete por meio de uma
amiga, com um empregador que aceitou a falta de documentos.
Ela vive com sua mãe e a irmã em uma casa com poucos móveis; seu pai
morreu no ano passado. Li Xue disse que resiste até a pensar em ter um
namorado, porque o casamento parece impossível, pelo menos por agora.
Segundo ela, se um dia conseguir a permissão de residência e outros
documentos e puder ir à universidade, quer estudar direito e atuar pelo
fim da punição às crianças que nascem sem autorização.
“Tenho estudado a lei para que poder me defender e às pessoas na mesma situação que eu”, explicou.
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