Os adolescentes palestinos que entravam na loja de presentes e música
True Love faziam todos o mesmo pedido: canções nacionalistas —e das
novas.
O proprietário prontamente lhes mostrava os CDs que acabara de
arranjar no balcão, como “Jerusalém Está Sangrando”, que traz a faixa
“It’an, It’an” [Apunhale, apunhale] —com seu poderoso ritmo pulsante.
“Quando escuto essas músicas, fervo por dentro”, disse o jovem Khader
Abu Leil, 15, explicando que a batida forte do “backbeat” o ajuda a se
preparar para as manifestações quase diárias em que atira pedras contra
soldados israelenses.
Inspirados por uma onda recente de ataques de palestinos contra
judeus de Israel e choques mortais com as forças de segurança
israelenses, músicos da Cisjordânia e de outros lugares produziram
dezenas de canções militaristas, muitas vezes violentas.
Publicadas e compartilhadas no iTunes e no Facebook, elas formam uma
espécie de trilha sonora da intifada, ilustrada por vídeos que incluem
imagens terríveis de fatos recentes.
“Apunhale o sionista e diga que Deus é grande”, declara uma faixa,
referindo-se à série de ataques a faca cometidos desde 1º de outubro.
“Que as facas apunhalem seu inimigo”, diz outra.
Uma terceira é chamada “Continuem a Intifada” e vem com uma
advertência no YouTube —o vídeo mostra a mulher palestina que puxou uma
faca em uma estação de ônibus de Afula cercada por soldados israelenses
apontando armas.
“Resista e carregue suas armas”, diz a canção. “Diga sim e seja um mártir.”
Adnan Balaweneh, o compositor por trás de “Continuem a Intifada” e de
outras quatro canções recentes, disse que, quando ele viu “os soldados
atirarem contra a garota em Afula”, pela televisão, imediatamente sentiu
“que precisava compor algo para armar o povo palestino”.
Os palestinos têm uma tradição de música de protesto que vem de suas rebeliões contra os britânicos nos anos 1930.
Durante a guerra em 2014 entre Israel e militantes da faixa de Gaza,
comemorações rítmicas dos ataques de foguetes contra Tel Aviv jorraram
dos rádios de carros em todo o território litorâneo.
Vários especialistas dizem que a escala e o estilo das novas músicas
palestinas são incomuns, alimentados —como a própria rebelião— pelas
redes sociais. Alguns elogiaram as canções como uma forma criativa e
construtiva de resistência a Israel, enquanto outros disseram que são
musicalmente fracas e só dão mais força às denúncias de incitamento
feitas pelo inimigo.
“Para mim, atirar pedras na primeira intifada foi uma forma de
expressão”, disse Ramzi Aburedwan, que ficou famoso ao ser fotografado
quando menino atirando uma pedra em 1988 e hoje dirige escolas de música
em campos de refugiados palestinos. “A ferramenta foi a pedra na
primeira intifada, e hoje é a música.”
“Som e palavras refletem a situação”, acrescentou Aburedwan. “Não
posso fazer uma canção falando sobre a natureza, a beleza e coisas
pacíficas, quando vejo todos os dias mais de dez vídeos em que jovens
são executados.”
Mas Basel Zayed, compositor, artista e musicoterapeuta de Jerusalém
Oriental, criticou a instrumentação das novas canções, por “usarem o
mesmo trecho de um ritmo e apenas repeti-lo”, e suas letras como “não
muito expressivas, as palavras principais são provavelmente ‘matar’ ou
‘fazer’ ou ‘bombardear’ ou ‘explodir’”.
“Foi feito como uma reação, e é uma pena, pois passa uma imagem muito
negativa de como os palestinos podem se expressar”, acrescentou. “Eu
não acho que fazer uma canção tão depressa serve à nossa mensagem da
melhor maneira. É bom deixar as coisas se firmarem. Quando você está
dentro do trauma, não sabe realmente o que está lhe acontecendo.”
Novas canções surgem diariamente on-line todos os dias, muitas de
artistas pouco conhecidos e com baixo valor de produção —o vídeo no
YouTube de “Intifada of Knives” (Intifada das facas) é uma colagem crua
que mostra o Domo da Rocha com fogo por baixo e um homem com um
“kaffiyeh” (lenço xadrez) cobrindo seu rosto, segurando um estilingue.
No final, uma adaga se tinge de sangue. Várias palavras simplesmente
pronunciadas se sobrepõem à percussão árabe.
Balaweneh, 37, pai de três filhos, trabalha diariamente compondo para
uma banda de música no estilo militar da Autoridade Palestina.
Ele também atirou pedras na primeira intifada. Na segunda, que
começou em 2000, disse que participou “com meus poemas e minhas
canções”. Hoje, faz casamentos e eventos políticos com seu trio, A
Tempestade, baseado na cidade de Nablus, na Cisjordânia.
“Nossas canções não dizem para as pessoas praticarem ataques, elas se
concentram em lhes dizer que defendam seus direitos, seu país, sua
terra”, explicou Balaweneh. “Hoje, por causa da situação atual, nossas
canções precisam conter muita ação, para fazer o sangue fluir e ferver.”
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