terça-feira, 15 de abril de 2014


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O fato de o Japão ter suspendido a caça de baleias na Antártida teve mais repercussão na mídia internacional do que uma decisão igualmente significativa tomada por Tóquio, não para a vida dos cetáceos, mas para o equilíbrio regional: voltar para o mercado mundial de armas, que o país havia abandonado durante quase meio século. Essa decisão certamente despertou preocupações e críticas na China, mas também na Coreia do Sul, que assim como o Japão é aliada dos Estados Unidos.
Como a tensão por diferenças históricas e territoriais com esses dois países não enfraquece, Pequim e Seul veem nessa volta do Japão ao mercado de armas um novo avanço do primeiro-ministro, Shinzo Abe, no caminho para a revisão da Constituição Pacifista de 1947 – que lhe proíbe de entrar em guerra – para que o país possa participar de um sistema de defesa coletiva e socorrer aliados ameaçados, algo que as disposições constitucionais atuais não lhe permitem. Assim, o Japão estaria em condições de exercer um papel maior na ordem regional para, entre outras coisas, contrapor o poderio militar chinês.
Em 1967, em plena Guerra Fria, o Japão estava proibido de exportar armas para os países comunistas e aqueles colocados sob o embargo das Nações Unidas ou envolvidos em conflitos internacionais. Essas restrições foram reforçadas em 1976 e resultaram em uma proibição total de vendas de armas para outros países. Depois de ter sido indiretamente envolvido no esforço de guerra dos Estados Unidos no Vietnã – tendo de certa forma servido como porta-aviões com bases militares americanas em seu território - , o Japão reafirmou seu pacifismo. Embora Tóquio tenha flexibilizado essas disposições a partir de 2004, autorizando as empresas japonesas a participarem da produção de armamentos junto com os Estados Unidos, a proibição das exportações de material militar continuou. O fim dessa proibição faz parte daquilo que Tóquio chama de "pacifismo proativo".
A partir de agora, o Japão pode vender material militar – que é designado por um outro eufemismo nos documentos oficiais, "material de defesa" – para os países que ele bem entender, contanto que eles não representem uma ameaça à paz e à segurança mundiais e que ele se certifique de que essas armas não serão reexportadas para um terceiro país. O Japão, que produz munições, fuzis de assalto, tanques, navios e o hidroavião US-2, pretende vender material militar às Filipinas ou ao Vietnã, que também têm diferenças territoriais com Pequim, reforçando assim os laços com esses países.
Paralelamente, ele pretende desenvolver a produção de material militar em parceria com os Estados Unidos (caça F-35) e países europeus. O governo Abe também pretende revisar o estatuto de sua ajuda ao desenvolvimento para poder fornecer uma assistência militar – que atualmente é unicamente civil – e para "promover os valores universais de liberdade, de democracia e de direitos humanos", declarou o vice-ministro das Relações Exteriores Seiji Kihara.
A volta do Japão ao mercado de armas não tem uma dimensão somente estratégica. Há anos que o patronato reivindica o fim da proibição da exportação de material militar para estimular a produção de armamentos, até hoje fortemente integrada à indústria civil, e para favorecer o desenvolvimento de um verdadeiro complexo militar-industrial. O mercado de armas japonesas é pequeno – US$ 16 bilhões em 2010, ou seja, 0,6% do PIB – e os equipamentos produzidos são pouco competitivos em matéria de preço.
Para além do debate da legitimidade do pacifismo constitucional japonês dentro do atual clima mundial e dos temores, provavelmente excessivos, suscitados por uma "remilitarização" do país, cujas capacidades ofensivas ainda são distantes, surge a questão do contexto no qual vem se operando essa mudança na política de defesa do Japão. Tóquio está tentando reagir a um relativo recuo da presença americana na região e à vontade hegemônica da China reforçando seus laços com a Austrália, a Índia e os países do Sudeste Asiático. Mas esse reposicionamento do Japão, desejado por Washington, acontece tendo como pano de fundo o grande plano de Shinzo Abe de virar a página da guerra.
Sua vontade de afirmar a volta do Japão ao cenário internacional, que é legítima em si, se conjuga com um negacionismo que provoca protestos na China e também na Coreia do Sul, o que para Washington é ainda mais grave. A tensão diz respeito à História – sobre as coreanas obrigadas a se prostituírem para o exército imperial – e ao santuário Yasukuni, onde são homenageados criminosos de guerra entre os mortos pela pátria, o que prejudica a solidez da aliança tripartite entre Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão.
Esse negacionismo suscita entre os aliados americanos e europeus de Tóquio um mal-estar mais profundo do que o governo parece imaginar. A dignidade do Japão no cenário mundial não passa pela negação do mau comportamento – inclusive contra sua própria população – de parte de seu Exército. Abe está demorando para perceber isso.

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