Enquanto
tentam a duras penas se posicionar em meio ao caos que domina boa parte
do Oriente Médio, os Estados Unidos começam agora a se envolver num
outro conflito.
O governo Obama está apoiando a campanha militar saudita contra os
rebeldes iemenitas da milícia xiita houthi, patrocinados pelo Irã,
apesar dos riscos associados a uma escalada no conflito regional com a
República Islâmica.
No Iraque e na Síria, porém, os Estados Unidos estão do mesmo lado que o
governo de Teerã na luta contra a facção Estado Islâmico -embora os
dois países se acotovelem para assumir uma posição de liderança na
operação-, realizando ataques aéreos em áreas dominadas pelos
terroristas, como Tikrit.
As negociações nucleares do governo Obama com o Irã estão alarmando a Arábia Saudita e Israel.
Em resposta, os sauditas, o Egito, a Jordânia e a maioria das monarquias
do golfo Pérsico decidiram criar uma força militar conjunta para
combater tanto a influência iraniana quanto o extremismo islâmico, um
gesto que muitos analistas atribuem à desconfiança causada pelo diálogo
entre Washington e Teerã.
Os Estados Unidos se veem na situação de tentar sustentar uma colcha de
retalhos cada vez maior de campos de batalha e alianças turbulentas, o
que Tamara Cofman Wittes, pesquisadora do Instituto Brookings, em
Washington, e ex-funcionária do Departamento de Estado, descreve como um
quebra-cabeça.
"Esse quebra-cabeça reflete a falta de uma política coerente por parte
do governo ou simplesmente a complexidade das disputas de poder na
região? Bem, ambas as coisas provavelmente são verdadeiras", disse ela.
Em países árabes como Egito, Síria, Iraque, Iêmen e Líbia, regimes
autoritários e ineficazes perderam credibilidade, após resistirem por
meio século, porque deixaram de atender às necessidades dos seus
cidadãos. Mas nenhum novo modelo surgiu.
Em vez disso, atores locais e potências regionais estão travando
escaramuças em toda a região, competindo para moldar uma nova ordem.
"Estamos tentando vencer o EI -e há complicações", disse um alto
funcionário do governo Obama, sob anonimato. "Temos um parceiro que está
desmoronando no Iêmen, e estamos tentando apoiá-lo. E estamos tentando
chegar a um acordo nuclear com o Irã. Isso tudo é parte de alguma grande
estratégia? Infelizmente, o mundo é que vai decidir."
A campanha militar liderada pela Arábia Saudita contra os houthis
motivou temores de que estaria em gestação uma guerra "terceirizada"
entre as grandes potências do Oriente Médio.
Porém, não está claro como, ou se, o Irã vai reagir diretamente a uma
campanha liderada por uma coalizão de nações sunitas contra a milícia
xiita houthi. Alguns especialistas em Oriente Médio advertem que os
rebeldes houthis não são propriamente títeres de Teerã, e que o Irã
durante anos praticamente ignorou as lutas do grupo no Iêmen.
"Os sauditas e os sunitas transformaram isso numa questão sectária",
disse Stephen Seche, ex-embaixador americano no Iêmen. "Essa campanha
militar é o mundo sunita dizendo ao Irã: saia do nosso quintal."
Autoridades sauditas afirmam que o Irã orquestrou o avanço militar da
milícia houthi para poder assim estender sua influência a outra capital
do Oriente Médio e desestabilizar fronteira sul da Arábia Saudita. Adel
al Jubeir, embaixador saudita em Washington, disse a jornalistas que não
há provas de que agentes da Guarda Revolucionária iraniana e
combatentes do Hezbollah tivessem se incorporado aos houthis.
Leslie Campbell, diretor regional dos programas do Oriente Médio e do
Norte da África do Instituto Democrático Nacional, ONG que promove
causas democráticas, disse que é difícil ignorar a ideia de que a
ofensiva saudita no Iêmen seria em parte uma mensagem aos EUA num
momento em que Washington negocia com o Irã e encontra, até certo ponto,
uma causa em comum com as milícias xiitas pró-iranianas no Iraque.
A mensagem, segundo ele, é que "se vocês querem ficar amigos do Irã, vão em frente -isto é o que vocês vão arranjar".
"Os desafios para a nossa segurança nacional são graves, e conseguimos
diagnosticar as razões por trás disso", afirmou o presidente do Egito,
Abdel Fattah al-Sisi, sem especificar quais seriam tais razões.
O governo Obama até recentemente citava o Iêmen como um modelo
bem-sucedido no contraterrorismo, mas o governo pró-americano de Sanaa
ruiu.
No Iêmen, na Síria, no Iraque e em outros países, o governo Obama fala
como se estivesse patrocinando ordeiras transições rumo à solidificação
das instituições, mas suas ações na verdade estão ajudando a desmantelar
os Estados centrais, disse o pesquisador Peter Harling, da ONG
International Crisis Group, que tem sede em Bruxelas e Washington.
Em todos esses casos, atores locais, como o Estado Islâmico ou a milícia
houthi, buscaram ocupar um vazio de poder, mas sem terem credibilidade
nem recursos para unificar e governar.
Já Washington, segundo Harling, em todos esses casos insistiu na ficção
de que o ator local favorecido pelos EUA tinha chances reais de
reconstruir um Estado de forma ordeira -fossem eles os rebeldes
moderados na Síria, o gabinete dominado pelos xiitas em Bagdá ou o
governo do presidente Abdo Rabbo Mansur Hadi no Iêmen.
Alguns especialistas consideram que é impossível para Washington manter
atualmente uma política abrangente no Oriente Médio. "Eu estaria mais
preocupada se tivéssemos alguma política excessivamente rígida", disse
Barbara Bodine, também ex-embaixadora dos EUA no Iêmen.
"É confuso. É contraditório. Assim é a política externa."
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