Todos os dias infalivelmente, antes das 8h, jovens asiáticas e
latino-americanas se aglomeram em quase todas as esquinas do bairro de
Flushing, no distrito nova-iorquino do Queens.
Como que orquestradas, surradas vans Ford Econoline aparecem numa
procissão ruidosa e encostam junto para o embarque das mulheres.
É o começo de mais um dia para legiões de manicures que serão
distribuídas por salões de três Estados. Eles só voltarão para cá à
noite, após cumprirem jornadas de 10 a 12 horas.
Numa manhã de maio de 2014, Ren Jing, 20, chinesa recém-chegada aos EUA,
estreava nessa massa de manicures, agarrada a sua marmita e a uma bolsa
com instrumentos, que elas carregam de emprego em emprego.
Levava US$ 100 enfiados no bolso, para outro gasto: a taxa que a dona do
salão cobra de cada nova funcionária. Em troca, Ren poderia ficar
trabalhando no salão sem receber salário, subsistindo à custa de magras
gorjetas, até que sua patroa a considerasse suficientemente apta para
merecer um salário.
A dona do salão levaria quase três meses para começar a pagá-la. Trinta
dólares por dia. Fazer as unhas no salão se tornou nos últimos anos um
hábito de beleza básico para mulheres de todas as classes sociais. Há
atualmente mais de 17 mil salões de manicure nos EUA. Mas a exploração
da mão de obra desse setor é praticamente ignorada.
O "New York Times", após entrevistar 150 funcionárias e proprietários de
salões de beleza, concluiu que a maior parte dessa mão de obra ganha
menos que o salário mínimo, ou não ganha nada. Jornais em línguas
asiáticas anunciam vagas que pagam US$ 10 por dia.
As manicures têm as gorjetas retidas por pequenas faltas, são
monitoradas por vídeo e agredidas. Os produtos com que trabalham as
expõem a problemas de saúde como abortos e câncer.
Os empregadores são raramente punidos por violações de leis trabalhistas
ou de outros tipos. Abusos citados em ações judiciais incluíam cobrar
das manicures pela água que elas bebiam e chutá-las e xingá-las quando
estavam sentadas no banquinho de pedicure.
Entre mais de cem trabalhadoras ouvidas pelo "Times", apenas cerca de um
quarto disse receber o salário mínimo por hora de trabalho em vigor no
Estado de Nova York. Todas, exceto três, sofreram retenções salariais
que poderiam ser consideradas ilegais, como ao não receberem horas
extras.
Em resposta à investigação do "Times", o governador Andrew Cuomo criou
uma força-tarefa composta por vários órgãos públicos para examinar esse
setor, instituir novas regras para proteger as manicures contra os
efeitos dos produtos químicos perigosos e iniciar uma campanha em seis
línguas para conscientizá-las dos seus direitos.
Muitas delas passam os dias de mãos dadas com mulheres ricas em
Manhattan e Greenwich (Connecticut). Longe das suas bancadas de
trabalho, se recompõem em pensões lotadas de beliches ou em fétidos
apartamentos partilhados por até uma dúzia de estranhas.
Ren trabalhou na Bee Nails, em Hicksville (Nova York), onde as poltronas
de couro para fazer o pé são equipadas com iPads instalados em braços
articulados, de modo que as clientes possam virar a tela sem borrar as
unhas.
Elas raramente falavam mais que algumas palavras com Ren, que, como a
maioria das manicures, usava nome falso no broche no peito, escolhido
por uma supervisora. Ela era "Sherry".
À noite, voltava para dormir no abarrotado apartamento de um dormitório
em Flushing, com uma prima, o pai dela e três estranhos. Assim como Ren,
quase todas as manicures entrevistadas pelo "Times" tinham inglês
limitado; muitas estavam ilegalmente no país. Essa combinação as deixa
vulneráveis.
Os salões de manicures são regidos por um sistema de castas
étnico-racial. Os proprietários coreanos dominam o setor, e as
trabalhadoras coreanas ganham o dobro das outras. As chinesas ocupam o
escalão seguinte; as latino-americanas ficam na parte inferior.
A equatoriana Ana Luisa Camas, 32, disse que, num salão de Connecticut
pertencente a um coreano, ela e outras manicures latino-americanas
precisavam passar seus turnos de 12 horas sentadas em silêncio, enquanto
as coreanas eram livres para conversar.
A tibetana Lhamo Dolma, 39, recordou um emprego no qual tinha de comer
em pé na cozinha, enquanto suas colegas coreanas comiam nas suas
bancadas.
Há geralmente três degraus hierárquicos. As manicures do "Big Job"
("emprego grande") são veteranas, especializadas em esculpir unhas de
acrílico. É o trabalho mais rentável, mas muitas o evitam devido ao
risco de aborto, câncer e outras doenças.
Diversas pesquisas corroboram esses temores, mostrando uma associação
entre os produtos químicos usados em cosméticos e problemas de saúde
graves.
Estudos apontaram que esteticistas são mais propensos a morrerem por
doença de Hodgkin, a parirem bebês com baixo peso e a desenvolverem
mieloma múltiplo, uma forma de câncer.
Casos de abortos e de crianças que nasceram "especiais" são tão comuns
que as manicures mais velhas alertam mulheres em idade fértil a não
entrarem no ramo.
Um degrau abaixo das manicures do "Big Job" estão as "Medium Job"
("empregos médios"), que fazem o trabalho comum de manicures. "Little
Job" ("emprego pequeno") é a categoria das iniciantes, que lavam as
toalhas usadas e varrem pedaços de unha. Fazem o trabalho que as outras
não querem, como o de pedicure.
As manicures mais experientes ganham US$ 50 a US$ 70 por dia, podendo
chegar a US$ 80, mas, por conta das jornadas longas, a remuneração ainda
fica abaixo do salário mínimo por hora.
A cultura de subserviência dos salões de beleza vai muito além de
paparicar as clientes. As gorjetas e os salários são parcialmente
confiscados ou nem chegam a ser pagos, ou ainda sofrem deduções a título
de punição por faltas como derramar tubos de esmalte.
Qing Lin, 47, manicure há dez anos, conta que uma vez um pingo de removedor de esmalte manchou a sandália Prada da cliente.
A mulher exigiu que o salão pagasse pelo estrago, e os US$ 270 foram
descontados de seu salário. Ela perdeu o emprego. "Eu valho menos que um
sapato", disse ela.
Os donos tendem a justificar suas práticas trabalhistas argumentando que
a concorrência derrubou o preço: fazer a unha custa US$ 10,50 em Nova
York.
Em um salão, uma placa às clientes diz: "Se há menos gorjetas fica
difícil contratarmos boas funcionárias, ou precisamos pagar salários
maiores para contratá-las, o que pode também provocar um aumento no
preço".
Ren, que já deixou seus dois primeiros empregos, hoje ganha US$ 65 por
dia em um terceiro salão e mora num apartamento com seus pais, que
vieram da China para ficar com ela. Seu pai é cozinheiro em um
restaurante, e a mãe virou manicure e ganha US$ 30 por dia.
Alguns proprietários admitiram que os salários são baixos, mas alegam que ajudam as imigrantes ao lhes dar trabalho.
Lian Sheng-sun, primeira empregadora de Ren, disse: "Os salões têm
maneiras diferentes de conduzir seus negócios. Nós conduzimos o nosso à
nossa maneira, de modo a permitir que nosso negócio continue
sobrevivendo".
Mas o contraste entre a vida dos proprietários e das trabalhadoras é
notável. Sophia Hong, que foi dona do salão Madison Nails em Scarsdale
(Nova York), tem uma coleção de arte que inclui uma obra de Park
Soo-keun, artista coreano que teve uma tela vendida por quase US$ 2
milhões em 2012.
A obra está exposta na sua casa em Bayside, no Queens, um dos vários
imóveis que ela possui. Em 2010, ela foi processada por uma funcionária
que a acusou de não pagar horas extras. O processo foi encerrado com um
acordo.
Quando os proprietários são condenados por apropriação dos salários, os
salões são rapidamente vendidos, às vezes para parentes. Os
proprietários somem com seus ativos, segundo promotores.
A equatoriana Lili se lembra da vez em que inspetores estaduais
visitaram o salão onde ela trabalhava. Sua chefe gritou para que todas
as funcionárias em situação ilegal saíssem correndo por trás.
"Aí saímos, entramos no carro e demos uma volta pelo bairro. Depois de
20 ou 30 minutos voltamos. Colocamos nossos uniformes de novo e voltamos
ao trabalho."
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