Eles chegaram num fluxo incessante, 10 mil por dia no auge, até 1
milhão de imigrantes dirigindo-se à Europa desde o começo deste ano,
empurrando bebês em carrinhos e pais idosos em cadeiras de rodas, e
levando nas meias as economias da vida inteira. Vieram à procura de uma
nova vida, mas, sob muitos aspectos, eram eles os arautos de uma nova
era.
Há mais refugiados no mundo hoje —60 milhões— do que em qualquer
outro momento registrado historicamente, e eles estão se deslocando em
quantidades inéditas desde a Segunda Guerra Mundial.
Chegam não apenas da Síria, mas também de vários países e regiões,
incluindo Afeganistão, Iraque, Gaza e até Haiti, além de mais ou menos
uma dúzia de países da África Subsaariana e do Norte de África. São
embaixadores extraoficiais de Estados fracassados, guerras
intermináveis, conflitos intratáveis.
O mais impressionante na atual onda migratória, no entanto, é como
ela ainda pode crescer. E se os militantes do Estado Islâmico
continuarem impondo seu domínio brutal sobre o Iraque e a Síria? E se o
Taleban continuar ampliando suas conquistas territoriais no Afeganistão,
levando ainda mais pessoas a fugir?
Um quarto dos afegãos declarou numa pesquisa do Gallup que gostaria
de ir embora do país, e se prevê que mais de 100 mil tentarão fugir para
a Europa neste ano.
Há entre 6 milhões e 8 milhões de refugiados internos na Síria, e
mais de 4 milhões de refugiados sírios nos vizinhos Líbano, Turquia e
Jordânia.
Os pelo menos 5 milhões de coptas do Egito, última grande seita
cristã restante no Oriente Médio, estão profundamente preocupados com o
seu futuro num país tão instável e hostil.
Antigos grupos minoritários como os yazidis do Iraque já perderam
seus lares, assim como muitas pequenas comunidades de cristãos caldeus,
assírios e nestorianos que moravam no norte do país.
Os iemenitas ainda não precisaram abandonar sua terra natal em número
considerável, mas sua situação se agrava diariamente, por causa do
racionamento de alimentos e remédios em decorrência da guerra civil e
dos persistentes bombardeios lançados por aviões sauditas.
O Iêmen não fica muito mais distante da Europa que a Eritreia,
atualmente a maior fonte de refugiados africanos e, com 25 milhões de
habitantes, tão populoso quanto o Afeganistão.
E não é só o Oriente Médio e o Norte da África que os líderes
europeus precisam levar em conta. A pesquisa Gallup, com base em mais de
450 mil entrevistas feitas em 151 países entre 2009 e 2011, constatou
que na Nigéria, que tem o dobro da população da Alemanha, 40% das
pessoas emigrariam para países mais ricos.
E a lição de 2015 é que eles podem. “Estamos falando de milhões de
possíveis refugiados que tentam chegar à Europa, não milhares”, afirmou
Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, em postagem no Twitter.
Muitas dessas pessoas estão fugindo de perseguições, da pobreza, de
conflitos e de guerras étnicas e religiosas, mas esses problemas
geralmente são sintomas de mudanças mais profundas.
No Oriente Médio e África, fronteiras feitas por dinastas otomanos e
colonialistas europeus estão caindo, porque os Estados autocráticos que
impuseram uma paz sombria continuam implodindo.
À medida que as linhas tradicionais de autoridade se rompem, milícias
radicais como o Estado Islâmico e a Boko Haram buscam preencher o
vazio, enquanto seitas e grupos étnicos minoritários sofrem em suas
mãos.
A mudança climática também está agitando as sociedades de todo o
Oriente Médio e África. A Síria passava por uma grave seca quando a
guerra eclodiu, e vastas áreas da África Subsaariana estão se tornando
inabitáveis.
Com o aumento do nível do mar, um único tufão no golfo de Bengala pode deixar milhões de desabrigados em Bangladesh.
A Europa gerou movimentos maciços de refugiados num passado não tão
distante, mas a novidade agora não é apenas a escala das chegadas, e sim
a enorme variedade de lugares que eles estão deixando para trás.
Muitos imigrantes e refugiados são de países onde o Ocidente tentou
intervir e fracassou —Iraque e Afeganistão, em particular. Existem hoje
cerca de 2 milhões de refugiados iraquianos, muitos deles se dirigindo
para a Europa.
Entre eles estão pessoas como o jovem médico curdo Muhammad Basher,
que pegou todas as suas economias e as gastou quase inteiramente antes
mesmo de chegar à fronteira da Croácia —foram US$ 1.200 só por um
assento num bote na travessia marítima da Turquia até a Grécia. “Melhor
morrer rapidamente lá do que lentamente no Iraque”, disse ele.
A Líbia é outro caso de intervenção desastrada, por parte de
franceses e britânicos, com o apoio americano. Poucos líbios se
dispuseram a engrossar o êxodo, mas o caos no seu país facilitou a
passagem de outros migrantes africanos em direção à Europa.
Apesar de a maioria das pessoas ser da Síria, do Iraque e do
Afeganistão, os que recentemente cruzaram aldeias como esta, na Sérvia,
poderiam ter chegado de praticamente qualquer lugar.
Duas mulheres e uma menina haitianas passaram por aqui no começo de
outubro, segundo representantes do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Refugiados (Acnur). Elas haviam viajado de avião da ilha
caribenha para a Turquia, onde empreenderam a jornada pelos Bálcãs
promovida pelos traficantes.
Outros vêm de lugares como a Eritreia, onde os homens jovens estão
fugindo de uma brutal ditadura que lhes oferece a perspectiva de uma
vida inteira de serviço militar não remunerado.
Alguns estão fugindo da guerra civil na República Democrática do
Congo ou da pobreza em países como Gâmbia e Senegal. Muitos,
especialmente na África Subsaariana, são motivados por problemas como a
desertificação. Outros estão à procura de oportunidades econômicas.
Apesar de as autoridades dizerem que o problema ainda é
administrável, a crise migratória inspirou uma reação dos partidos
nacionalistas de direita da Europa.
“Precisamos manter os números em perspectiva”, disse Alexander Betts,
diretor do Centro de Estudos de Refugiados da Universidade de Oxford.
“Se o Líbano pode receber 1 milhão de sírios, apesar de ter o tamanho de
Maryland, uma região do tamanho da Europa deve ser capaz de abrigar
milhões.”
Mesmo nos quatro países da União Europeia que inicialmente se
opuseram à modesta cota de 120 mil refugiados a serem assentados na
região —Polônia, Eslováquia, República Tcheca e Hungria—, ergueram-se
vozes em favor dos estrangeiros.
Embora o sistema de cotas ainda não tenha entrado totalmente em
vigor, uma recente carta aberta assinada por ex-presidentes,
ex-primeiros-ministros e outros europeus proeminentes, muitos deles
cidadãos desses países refratários, pedia aos seus governos que
abandonem sua hostilidade aos imigrantes e recordem o seu próprio
passado recente.
Mas esse pode ser um argumento difícil de defender numa Europa
preocupada com o recrutamento de terroristas entre populações muçulmanas
descontentes, derivadas de migrações anteriores e bem menores.
“Em toda a Europa, a xenofobia e o racismo estão desenfreados, e
partidos nacionalistas e até de extrema direita estão ganhando terreno”,
escreveu recentemente Joschka Fischer, ex-ministro de Relações
Exteriores alemão, num artigo publicado pelo serviço de notícias on-line
Project Syndicate.
“Ao mesmo tempo, este é só o início da crise, porque as condições que levam as pessoas a fugirem só irão piorar.”
Sonja Licht, do Centro Internacional para a Transição Democrática,
concordou. “Não acho que essa onda possa parar. Talvez possa se tornar
menos intensa. Precisamos nos preparar. O Norte global deve estar
preparado para os deslocamentos do Sul. Este não é um problema só para a
Europa, mas para o mundo inteiro.”
Policiais eslovenos escoltam migrantes até acampamento de triagem
perto de Dobova; guerra, seca e outros fatores expulsam milhões de
pessoas
Há atualmente 60 milhões de refugiados dentro e fora de seus países, maior número já registrado na história
Migrantes passam diante de uma capela a caminho de um acampamento de triagem nos arredores de Dobova, na Eslovênia, em outubro
O que diferencia a atual migração das anteriores é a enorme diversificação nos locais de origem dos estrangeiros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário