terça-feira, 31 de março de 2015
Milhares de pessoas compartilharam a imagem de uma criança síria com as
mãos para cima, como se estivesse se entregando, ao confundir a câmera
fotográfica com o cano de uma arma.
Mas quem fez este flagrante?
A imagem começou a viralizar no Twitter na terça-feira da semana passada, quando foi postada por Nadia Abu Shaban, uma fotógrafa baseada em Gaza.
A mensagem original foi retuitada mais de 11 mil vezes. "Estou chorando", "muito triste" e "a humanidade fracassou" foram alguns dos comentários.
Na sexta-feira, a imagem foi compartilhada no Reddit, onde recebeu mais de 5.000 votos positivos e 1.600 comentários.
Não demorou para que surgissem acusações de que a foto era falsa. Muitos no Twitter questionaram quem seria o autor da foto e por que a imagem havia sido postada sem crédito.
Nadia confirmou que não tinha tirado a foto, mas não sabia explicar quem havia feito a imagem.
No Imgur, um site de compartilhamento de imagens, um usuário pesquisou a origem da fotografia - um clipping de um jornal - e disse que ela era real, mas tirada "por volta de 2012". A mensagem também nomeou o fotógrafo: o turco Osman Sagirli.
A BBC conversou com Sagirl, que agora trabalha na Tanzânia, e desvendou o mistério.
A criança é uma menina, Hudea, de 4 anos. A imagem foi tirada no campo de refugiados de Atmeh na Síria, em dezembro do ano passado. Hudea viajou ao campo - a cerca de 10 km da fronteira turca - com a mãe e dois irmãos, a 150 km da cidade deles, Hama.
"Eu usei uma lente de telefoto e ela pensou que fosse uma arma", disse Sagirli.
"Depois que eu tirei, eu olhei [para a foto] e percebi que ela [a criança] estava assustada, porque ela mordeu os lábios e levantou as mãos. Normalmente, crianças correm, escondem os rostos ou sorriem quando veem uma câmera", disse.
Ele diz que fotos de crianças dos campos de refugiados são especialmente reveladoras.
"Você sabe que há pessoas que foram desalojadas nos campos. Faz mais sentido ver o que elas sofreram através das crianças e não dos adultos. São as crianças que refletem os sentimentos com a inocência que têm."
A imagem foi publicada inicialmente no jornal "Türkiye" em janeiro e foi amplamente compartilhada pelas redes sociais em turco, mas só na semana passada se tornou viral em mídias na língua inglesa.
Mas quem fez este flagrante?
A imagem começou a viralizar no Twitter na terça-feira da semana passada, quando foi postada por Nadia Abu Shaban, uma fotógrafa baseada em Gaza.
A mensagem original foi retuitada mais de 11 mil vezes. "Estou chorando", "muito triste" e "a humanidade fracassou" foram alguns dos comentários.
Na sexta-feira, a imagem foi compartilhada no Reddit, onde recebeu mais de 5.000 votos positivos e 1.600 comentários.
Não demorou para que surgissem acusações de que a foto era falsa. Muitos no Twitter questionaram quem seria o autor da foto e por que a imagem havia sido postada sem crédito.
Nadia confirmou que não tinha tirado a foto, mas não sabia explicar quem havia feito a imagem.
No Imgur, um site de compartilhamento de imagens, um usuário pesquisou a origem da fotografia - um clipping de um jornal - e disse que ela era real, mas tirada "por volta de 2012". A mensagem também nomeou o fotógrafo: o turco Osman Sagirli.
A BBC conversou com Sagirl, que agora trabalha na Tanzânia, e desvendou o mistério.
A criança é uma menina, Hudea, de 4 anos. A imagem foi tirada no campo de refugiados de Atmeh na Síria, em dezembro do ano passado. Hudea viajou ao campo - a cerca de 10 km da fronteira turca - com a mãe e dois irmãos, a 150 km da cidade deles, Hama.
"Eu usei uma lente de telefoto e ela pensou que fosse uma arma", disse Sagirli.
"Depois que eu tirei, eu olhei [para a foto] e percebi que ela [a criança] estava assustada, porque ela mordeu os lábios e levantou as mãos. Normalmente, crianças correm, escondem os rostos ou sorriem quando veem uma câmera", disse.
Ele diz que fotos de crianças dos campos de refugiados são especialmente reveladoras.
"Você sabe que há pessoas que foram desalojadas nos campos. Faz mais sentido ver o que elas sofreram através das crianças e não dos adultos. São as crianças que refletem os sentimentos com a inocência que têm."
A imagem foi publicada inicialmente no jornal "Türkiye" em janeiro e foi amplamente compartilhada pelas redes sociais em turco, mas só na semana passada se tornou viral em mídias na língua inglesa.
domingo, 29 de março de 2015
Um fotógrafo capturou nesta sexta-feira (27), na Síria, a imagem de uma
criança que se rendeu em frente sua câmera. Segundo informações do site
Huffington Post, a pequena levantou os braços ao confundir a câmera com
um rifle.
O fotógrafo que registrou a imagem queria retratar a realidade das
crianças sírias, e não imaginou que a menina iria pensar que ele estava
apontando uma arma para ela.
A fotografia mostra um exemplo de crianças que são marcadas desde muito
jovens pela violência da sangrenta guerra civil que assola a região.
A imagem é a prova de que crianças de cinco anos já entendem como
funcionam as armas e sabem como reagir para pedir socorro ou paz diante
de um rifle.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que cerca de
14 milhões de crianças são afetadas pelos conflitos na síria.
Fluente em inglês e alemão, com formação na Europa e um emprego de
prestígio em uma multinacional, Xiang Mei, 28, tinha tudo para acreditar
no "sonho chinês" --a meta de sucesso repetida à exaustão como um dos
slogans do Partido Comunista.
Mas, quando ficou grávida, ela e o marido decidiram dar à filha a chance
de realizar o sonho americano. Faltando três meses para o parto, ela
viajou para os EUA, onde deu à luz assistida por um médico de sua
escolha fluente em mandarim. Ao embarcar em seus braços para Pequim, a
filha tinha o passaporte americano.
A executiva faz parte de um fenômeno em alta na elite chinesa, disposta a
pagar até US$ 50 mil (R$ 159 mil) para garantir um parto tranquilo e a
nacionalidade americana para seus bebês. Os motivos variam, mas o
principal é o desejo, geralmente inconfesso, de garantir porto seguro
para os filhos no futuro.
Xiang Mei é nome fictício. Para ela e a maioria dos que aderem ao
fenômeno, o sigilo é a regra, já que a prática é malvista pelo governo e
a dupla nacionalidade é proibida na China. O passaporte americano fica
escondido.
A executiva explica que a primeira motivação de ter a filha em Los
Angeles foi escapar do ar poluído de Pequim. "Sei que a poluição é muito
perigosa para grávidas, e não quis correr riscos", explica com voz
suave, mas decidida.
Com um pouco mais de conversa, porém, ela admite que as sedutoras vantagens da nacionalidade americana pesaram na decisão.
Para começar, há mais liberdade para circular pelo mundo. O passaporte
americano permite entrar em 172 países sem visto, contra apenas 44 no
caso do chinês.
A impressão é de que, acima de tudo, está a incerteza sobre a vida na
China. As preocupações vão da degradação ambiental ao risco de uma
convulsão social, caso a economia entre em colapso. Também há os que
viajam para ter o segundo bebê e escapar da política do filho único.
"Nos próximos dez anos fico aqui, tenho bom emprego garantido pela cota
para chineses em multinacionais. Mas em longo prazo não tenho segurança
na China", diz ela.
Pela lei dos EUA, bebês nascidos em solo americano, mesmo com pais
estrangeiros, são automaticamente cidadãos do país. Conhecidos como
"bebês âncora", eles têm direito a serviços de educação, saúde e outros
benefícios sociais e, como todos os cidadãos, podem apadrinhar a entrada
nos EUA de membros da família.
A legislação deu origem à indústria conhecida como "turismo de
maternidade", que atrai pais de todo o mundo. E, como ocorre no turismo
mundial como um todo, também nesse setor a maioria dos clientes é
chinesa.
O crescimento do fenômeno é claro. Segundo dados oficiais divulgados
pela revista "Globe", em 2006 apenas 600 mulheres chinesas viajaram aos
EUA para dar à luz. Em 2014, o número chegou a 30 mil, e a previsão é de
que poderá atingir 60 mil neste ano.
Para os interessados, não é difícil achar agências especializadas em
cuidar de toda a logística. A maioria usa as redes sociais para anunciar
seus serviços. Uma delas é a Mei Bao ("bebê bonito" em mandarim), que
oferece três tipos de plano: Econômico, Conforto e Luxo, com preços que
vão de US$ 10 mil (R$ 31,8 mil) a US$ 50 mil (R$ 159 mil), dependendo do
nível das acomodações.
Além da tramitação do passaporte para o bebê, os pacotes incluem
bilhetes aéreos, hospedagem e refeições por três meses em casas
administradas por chineses. Os preços não englobam despesas médicas do
parto, que em média ficam entre US$ 2.000 (R$ 6.300) e US$ 4.000 (R$
12.700).
Em sua página no Wechat, a mais popular rede social chinesa, a Mei Bao
usa de uma franqueza espantosa ao enumerar as vantagens de realizar o
parto nos EUA.
Depois de citar o nível médico superior e a liberdade de viajar, a
agência lembra que o bebê terá o direito de estudar em escolas e
universidades dos EUA como qualquer americano, em vez de se submeter "à
lavagem cerebral e à obsessão por exames" do sistema educacional chinês.
"Não queremos que nossas crianças experimentem a mesma tortura mental e
esperamos que elas possam saber o que é a verdade", diz a agência, num
tom de subversão incomum para os padrões reprimidos do ambiente social
chinês.
O volume de chineses no turismo de maternidade cresceu tanto que as
autoridades americanas começaram a apertar o cerco. Em 2013, pelo menos
18 estabelecimentos foram fechados em Los Angeles, cidade considerada o
centro dessa indústria. No início deste mês, o FBI fez novas batidas em
retiros para gestantes mantidos por agências chinesas.
Embora não seja ilegal viajar especialmente para ter o filho ou a filha
em território americano, as autoridades detectaram uma série de
irregularidades no negócio, da evasão de impostos à falsificação de
documentos para a obtenção do visto de turista para as mães.
O presidente do Iêmen, Abdo Rabbo Mansur Hadi, culpou diretamente os
iranianos pelo conflito em seu país, chamando a milícia xiita houthi
--que o obrigou a fugir-- de "fantoches do Irã" e exigindo que os
ataques aéreos sauditas continuem até a rendição dos insurgentes.
Hadi participou neste sábado (28) de uma cúpula de países árabes em
Sharm-el-Sheikh (Egito), iniciada três dias depois de a Arábia Saudita,
vizinha do Iêmen e aliada dos EUA, começar a bombardear as posições dos
rebeldes na capital Sanaa e em outras regiões iemenitas.
"Eu digo aos fantoches do Irã, aos seus brinquedos e àqueles que os
apoiam: vocês destruíram o Iêmen com sua adolescência política,
fabricando uma crise local e regional", discursou o presidente iemenita,
que voltou à Arábia Saudita, onde está abrigado, após participar da
cúpula.
O governo iraniano, que nega ajudar diretamente os insurgentes, não comentou as declarações.
Alguns líderes árabes presentes ao encontro acusaram o país persa de
ingerência em outras nações do Oriente Médio, sem citá-lo pelo nome.
O presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, endossou resolução proposta
por chanceleres na quinta-feira (26) para a criação de uma força
militar conjunta e disse que o mundo árabe está sofrendo ameaças sem
precedentes.
Também presente à reunião, o rei Salman, da Arábia Saudita, declarou que
os ataques aéreos aos milicianos houthis não cessarão até que a
segurança e a estabilidade sejam restauradas no Iêmen.
Um dos líderes houthis, Ali al-Emad, rebateu o presidente do Iêmen
chamando-o de "fantoche dos sauditas". Segundo Emad, nada do que foi
dito na cúpula surpreende.
Hadi fugiu do seu país na semana passada, depois que os rebeldes e
forças leais ao ex-ditador Ali Abdullah Saleh, deposto durante a
Primavera Árabe, se aproximaram da cidade de Áden, para onde o governo
fora transferido.
Também neste sábado, o grupo extremista Hamas, que controla a faixa de
Gaza, emitiu um comunicado apoiando Hadi contra os insurgentes. A nota
foi recebida com surpresa.
As forças sauditas prosseguiram neste sábado com ataques aéreos a Sanaa, Áden e outras áreas do Iêmen.
sábado, 28 de março de 2015
Uma empresa chinesa comparou a Apple aos nazistas ao lançar uma campanha promocional do lançamento de um celular. O site de vídeos Leshi TV (LeTV) vai estrear no mercado de
smartphones no dia 2 de abril. Para chamar a atenção, o fundador da
companhia, Jia Yueting, postou na rede social chinesa Weibo a imagem de
um desenho do ditador Adolf Hitler com uma roupa na qual o logo da Apple
aparece no lugar da suática nazista. O cartaz traz ainda um texto em chinês que, segundo o site The Verge,
compara o sistema iOS com o Android usando palavras como liberdade e
crowdsourcing contra arrogância e tirania. “Sob o regime de dominação
arrogante do iOS, que os desenvolvedores pelo mundo amam, apesar de
odiar, estamos sempre cuidadosamente perguntando: esse tipo de inovação é
normal?”, diz um texto de Jia Yueting que acompanha a publicação.
Najat Vallaud-Belkacem falava sobre a crise de identidade de jovens
muçulmanos franceses. "Quando esses jovens se sentem frustrados com a
escola, procuram uma identidade em outro lugar e promovem sua identidade
religiosa", disse a imigrante marroquina de 36 anos, a primeira
ministra da Educação mulher da França. "Não é de surpreender que eles
sejam impermeáveis aos valores republicanos."
Vallaud-Belkacem é considerada uma das estrelas em ascensão do Partido Socialista, que governa a França.
Atualmente, as escolas do país promovem um programa para ajudar a sanar
as divisões religiosas e raciais do país, especialmente no rastro do
atentado ao jornal satírico "Charlie Hebdo".
"A escola sempre foi um grande ator em minha jornada pessoal", disse
Vallaud-Belkacem. "Permitiu que eu me abrisse para o mundo, e também me
deu mobilidade social. Permitiu-me enriquecer, ler, aprender e
compreender."
Vallaud-Belkacem recebeu a tarefa de construir pontes para os milhões de
jovens muçulmanos que vivem marginalizados na França. Em janeiro ela
anunciou um plano de 250 milhões de euros para treinar educadores a
discutir o racismo e a transmitir em sala de aula os valores franceses
do convívio, ou "vivre ensemble".
"Não é apenas a família que deve transmitir valores, mas também a escola", disse ela.
Vallaud-Belkacem disse que poderia ter crescido revoltada e descontente,
pois também foi criada na pobreza, no lado excluído da sociedade
francesa.
Ela passou sua infância em Beni Shiker, aldeia no Marrocos, onde falava berbere e cuidava de cabras na fazenda de seus avós.
Seu pai trabalhava na construção civil na França. Quando Najat tinha
quatro anos, ela, sua irmã mais velha e sua mãe foram encontrá-lo. Seus
outros cinco irmãos nasceram na França.
A menina cresceu em um bairro pobre de Abbeville, norte da França, e depois em Amiens.
Em sua família, os homens trabalhavam e as mulheres cuidavam das
crianças. Seu pai era rígido e ela não podia namorar. Os livros
tornaram-se sua escapatória, e a falta de atividades de lazer lhe
forneceu uma oportunidade para se sair bem na escola.
Ela estudou direito e depois no Instituto de Estudos Políticos de Paris
-um campo de treinamento para a elite política francesa-, onde conheceu
seu marido, Boris Vallaud, que hoje é vice-chefe de Gabinete no Palácio
do Eliseu.
As eleições de 2002 foram um ponto de virada. Ela se uniu ao Partido
Socialista e rapidamente subiu na carreira política. Quando François
Hollande disputava a Presidência em 2012, indicou Vallaud-Belkacem como
sua porta-voz.
Depois da vitória de Hollande, ele a nomeou ministra dos Direitos das
Mulheres e principal porta-voz do governo. No ano passado,
Vallaud-Belkacem foi indicada ministra da Juventude e dos Esportes e
chegou a ministra da Educação em agosto.
Os muçulmanos da França a criticaram por apoiar o secularismo francês em
detrimento do islamismo. Ela nega e diz que afrouxou as restrições
sobre as mães muçulmanas que usam lenços na cabeça durante atividades
escolares, como excursões em campo.
Parte da imprensa conservadora também a criticou, chamando-a de
"aiatolá", descreveu sua nomeação como uma "provocação" e previu que ela
islamizaria as escolas francesas. Sua reação foi garantir a aprovação
de leis que refletem o liberalismo secular do Partido Socialista e
medidas para promover a igualdade de gêneros.
"Os debates políticos intermináveis estigmatizaram as famílias muçulmanas", disse ela.
"As escolas precisam ensinar às pessoas que todo mundo faz parte de uma comunidade e que somos todos livres e iguais."
A burocracia chinesa é há muito tempo um labirinto confuso de
"departamentos relevantes", carimbos vermelhos oficiais e funcionários
públicos indiferentes.
Por exemplo, para conseguir uma placa para seu carro novo, um morador da
capital, Pequim, tem que passar por uma loteria em que as chances de
vitória não chegam a 1%.
Depois de casadas, as mulheres muitas vezes conseguem alvarás para dar à
luz, mas o documento geralmente tem validade de apenas dois anos.
Mulheres solteiras não têm direito à autorização.
Para começar em um emprego novo ou se cadastrar para receber benefícios
públicos, é preciso acumular uma pequena montanha de documentos.
À medida que suas fileiras crescem, a classe média chinesa -cosmopolita,
conectada e ambiciosa- é cada vez mais avessa a tolerar esses
obstáculos, vestígios da burocracia da época de Mao, ainda instalada.
Para muitos chineses urbanos e de alto nível de instrução, a burocracia,
mais ainda que a censura e a propaganda política, é um lembrete
irritante do domínio do Partido Comunista sobre suas vidas.
"O governo não está aqui para facilitar nossas vidas", comentou a
produtora de mídia Daisy Li, que tentou nove vezes obter um passaporte
para sua filha, cujo pai é escocês.
"Ele criou essas regras todas para que seja mais fácil controlar o povo", disse.
Analistas dizem que essas frustrações alimentam a insatisfação pública,
num momento em que o Partido se esforça para melhorar sua imagem,
combatendo a corrupção e prometendo reduzir as restrições às pequenas
empresas.
O slogan criado pelo presidente Xi Jinping para reduzir a burocracia no governo é "resolva imediatamente".
A liderança chinesa está percebendo que manter a classe média satisfeita
é crucial para a sobrevivência do Partido Comunista a longo prazo.
Não são descabidos os receios em relação à turbulência social que pode ser criada pela elite urbana do país.
Ciente da exasperação crescente da população, o governo vem gradualmente aliviando algumas das restrições.
Contudo, como as modificações recentes na política nacional do filho único, tudo vem acompanhado de pilhas de papelada.
Segundo uma piada contada com frequência, a aprovação para um segundo
filho leva tanto tempo para sair que os casais fazem bem em dar entrada
no pedido antes de conceber, senão o bebê pode chegar antes do
documento.
O especialista em política chinesa Minxin Pei, do Claremont McKenna
College, na Califórnia, descreve a burocracia chinesa como um mecanismo
de controle, de eficácia comprovada, que atua como "uma camada imóvel
que isola o líder superior das pressões populares."
"O sistema é projetado para permitir que os burocratas não façam nada e não sejam onerados por isso", disse.
A teia estarrecedora de regulamentos enfurece muitos chineses. Um dos
maiores alvos de seu repúdio é o "hukou", ou cadastro familiar.
Trata-se de um sistema sufocante, algo que se assemelha a um passaporte
interno, que vincula o acesso a serviços como o ensino público, a
assistência médica subsidiada e as pensões ao local de nascimento dos
pais de cada cidadão chinês, mesmo que ele nunca tenha vivido nesse
lugar.
Criado na década de 1950 com a finalidade de limitar a migração de
camponeses para as grandes cidades, o sistema do hukou tornou-se alvo de
repúdio generalizado nos últimos anos.
Centenas de milhões de migrantes se radicaram nas metrópoles chinesas, e
críticos dizem que o hukou os converte em cidadãos de segunda classe e
os sujeita à discriminação em matéria de escolas, habitação e emprego.
Daisy Li mudou-se para Pequim com seus pais em 1981, mas seu hukou está
registrado numa cidade distante. Isso significa que, sem a autorização,
seu filho não terá direito de estudar nas escolas públicas da capital.
Entre os 14 documentos exigidos para a concessão da autorização, Li
precisa apresentar seu certificado de hukou, comprovante de residência,
diploma, contrato de trabalho, registro de casamento, o documento de
identidade de seu marido, o hukou dele, um comprovante de que ela tem
apenas um filho e um documento da empresa registrando o desempenho dela
no trabalho e o pagamento de seus impostos.
"Que dor de cabeça", disse Li. "A burocracia é boa para o governo, mas não para nós, chineses."
Cantos e danças receberam um triunfante Binyamin Netanyahu em Eli, então
um novo assentamento com 959 moradores, pouco depois de ele se tornar
primeiro-ministro de Israel pela primeira vez, em 1996.
"Estaremos aqui permanentemente, para sempre", declarou o premiê na
vizinha Ariel no mesmo dia, prometendo renovar a construção de
comunidades judaicas no território que os palestinos planejavam e
planejam para seu futuro Estado.
Disputando o apoio dos colonos antes da recente eleição em Israel,
Netanyahu voltou em fevereiro a Eli, hoje uma cidade com mais de 4.000
habitantes que se estende por seis colinas entre aldeias e fazendas
palestinas.
Sua presença foi uma declaração. Há dezenas de assentamentos isolados
cuja expansão e fortalecimento ameaçam as perspectivas de uma solução de
dois Estados para o conflito entre israelenses e palestinos, e Eli é um
deles.
O crescimento constante de assentamentos em toda a Cisjordânia ocupada e
Jerusalém oriental, que a maioria dos líderes ocidentais considera
violações do direito internacional, complica ao mesmo tempo a criação de
uma Palestina viável e o desafio de um dia desterrar os israelenses,
que hoje estão criando a segunda e a terceira gerações em áreas
disputadas.
Ao longo da estrada de Eli a Ariel, em uma tarde recente, um palestino
conduzia vacas e adolescentes voltavam da escola para casa. No
assentamento, um centro comunitário de 28 mil m2 e US$ 3,8 milhões
estava em construção. Uma placa dizia: "Eli, um ótimo lugar para
crescer".
Enquanto Netanyahu buscava seu quarto mandato, ele declarou que não
permitiria o estabelecimento de um Estado palestino. Isto pareceu ser
uma tentativa de capturar votos da direita. Depois da vitória, Netanyahu
tentou desmentir sua declaração. "Eu quero uma solução pacífica e
sustentável de dois Estados, mas para isso as circunstâncias têm de
mudar", disse em uma entrevista.
O histórico de Netanyahu sobre assentamentos é um elemento central em
seu relacionamento conturbado com Washington e está no centro das
crescentes críticas europeias a Israel.
Uma análise de dados de planejamento, construção, população e gastos nas
últimas duas décadas mostra que Netanyahu foi um construtor agressivo
em seu primeiro mandato como primeiro-ministro, nos anos 1990, quando a
população de colonos na Cisjordânia aumentou cerca de três vezes mais
que o ritmo total de Israel.
Desde que voltou ao poder, em 2009, ele obteve um registro semelhante ao
de líderes menos conservadores, com os assentamentos inchando duas
vezes mais depressa que Israel como um todo. Netanyahu deu vários passos
que tornam especialmente problemático desenhar um mapa com dois
Estados, e declarou: "Não pretendo desmanchar qualquer assentamento".
Com as negociações estagnadas entre os palestinos e os israelenses, o
número de colonos na Cisjordânia hoje supera 350 mil -incluindo cerca de
80 mil que vivem em assentamentos isolados como Eli e Ofra. Além disso,
outros 300 mil israelenses vivem em partes de Jerusalém que Israel
capturou da Jordânia na guerra de 1967 e que anexou ao seu território,
em um gesto que a maioria do mundo considera ilegal.
"Todos os outros primeiros-ministros que construíram assentamentos
conseguiram aplacar Washington ao participar de algum esforço
significativo para negociar e concluir um acordo de paz com os
palestinos", disse Aaron David Miller, que assessorou seis secretários
de Estado americanos sobre o Oriente Médio. "Netanyahu nada fez nesse
sentido."
Eleito pela primeira vez em 1996 com a promessa de reverter um
congelamento de quatro anos na expansão dos assentamentos em quase todas
as áreas, Netanyahu endossou o conceito de dois Estados ao recuperar o
cargo máximo de Israel em 2009, dizendo em seu famoso discurso na
Universidade Bar Ilan: "Não pretendemos construir novos assentamentos ou
desapropriar mais terras para os assentamentos existentes".
Agora Netanyahu explica suas iniciativas de construção como uma
acomodação inevitável ao crescimento natural e diz que só adicionou
"algumas casas nas comunidades existentes". Ele refuta qualquer sugestão
de que os assentamentos são o núcleo do conflito, notando que árabes e
judeus disputavam essa terra muito antes que eles existissem.
Mas o americano que chefiou a última rodada de negociações fracassadas
entre israelenses e palestinos, Martin S. Indyk, disse que a "atividade
de assentamentos galopante" teve "um impacto drasticamente prejudicial".
Um relatório do grupo antiassentamentos Paz Agora mostrou que o governo
emitiu licitações para a construção de 4.485 unidades em 2014. Dois
terços da construção nos últimos dois anos, como mostra o relatório,
estavam no lado palestino de uma linha traçada pela Iniciativa de
Genebra, grupo de trabalho internacional que produziu um modelo de
acordo em 2003.
A maior parte do crescimento foi em três blocos de assentamentos perto
de Jerusalém e Tel Aviv definidos para trocas de terras com os
palestinos em um futuro acordo de paz. Mas apesar de os líderes
palestinos terem aceitado o conceito de trocas, nunca entraram em acordo
sobre a marcação desses blocos -nem os EUA.
O maior assentamento e de mais rápido crescimento é Modiin Illit, um
enclave ultraortodoxo pouco além da linha de 1967 que se espera de modo
geral que continue em Israel. Hoje ele tem mais de 60 mil habitantes.
Netanyahu declarou diversas vezes que não criou qualquer novo
assentamento, mas isso é uma questão de semântica. Não longe de Eli fica
um pequeno lugar chamado Leshem, que começou há dois anos com 104
famílias. O governo diz que Leshem é um novo bairro do assentamento de
Alei Zahav, que existe há várias décadas na mesma estrada. Há um surto
de construção ainda maior alguns quilômetros a leste, em Bruchin, um dos
três postos avançados legalizados retroativamente em 2012 por
iniciativa do governo.
Um lugar onde há amplo consenso de que os assentamentos continuarão é o
bloco de Etzion, que se estende ao sul de Jerusalém pela Rodovia 60.
Havia comunidades judaicas por lá antes do estabelecimento de Israel em
1948. Mas nessa área também as iniciativas de Netanyahu aprofundaram o
dilema para os emissários da paz. Efrat, com quase 10 mil moradores, é
para os israelenses a capital do bloco de Etzion. Os palestinos, porém,
não a aceitam como parte do bloco, porque fica no lado leste da Rodovia
60 -seu lado no mapa da Iniciativa de Genebra. Mas, nos últimos quatro
anos, foram publicadas licitações para mais 1.100 novas unidades em
Efrat, e a terra preparada estenderia o assentamento ainda mais para
leste.
"O que você está fazendo é na verdade afetar a delimitação dos blocos,
mas de modo unilateral", disse Gilead Sher, que lidera o grupo Futuro
Azul e Branco, que pressiona pelo esvaziamento de alguns assentamentos e
o reforço de outros. Sobre Netanyahu, ele acrescentou: "Ele fala sobre a
solução de dois Estados, mas faz tudo o que está a seu alcance para
deslegitimar essa solução".
São poucos os colonos que veem Netanyahu como um salvador. Dani Dayan,
líder do conselho de colonos, disse que Netanyahu vê os assentamentos
como "uma ferramenta política", não como uma questão de princípios.
No início de seu primeiro mandato, Netanyahu assinou o acordo de Hebron,
retirando israelenses de 80% da cidade bíblica. Mais ou menos na mesma
época, porém, ele aprovou Har Homa, um novo bairro no sul de Jerusalém
que os palestinos -com os EUA e a Europa- contestaram por bloquear o
acesso entre Belém e Jerusalém oriental, que eles reivindicam como sua
futura capital. Har Homa tem mais de 25 mil moradores hoje.
"O que está impedindo uma solução do conflito é a recusa a reconhecer
Israel como o Estado do povo judeu, certamente não a construção em
Gilo", disse Netanyahu em 2013, referindo-se a um bairro de Jerusalém
perto de Har Homa.
Foi o anúncio de 700 novos apartamentos em Gilo em 2014 que fez John
Kerry, o secretário de Estado americano, desistir de sua iniciativa de
paz.
Netanyahu disse, alguns meses depois: "Os franceses constroem em Paris,
os ingleses constroem em Londres e os israelenses constroem em
Jerusalém".
Uma egípcia que viveu fingindo ser homem durante 40 anos para sustentar a
família recebeu um prêmio do presidente Abdel Fattah al-Sisi depois de
ser escolhida "melhor mãe do país".
A história de Sisa Gaber Abu Douh, 65 anos, teve repercussão global nos últimos dias.
Ela se viu viúva aos 21, quando estava grávida da filha, e não tinha nenhuma fonte de renda.
Sisa vem de uma camada menos favorecida da sociedade egípcia, que não aprova que as mulheres trabalhem. E, há 40 anos, a situação era ainda pior.
Ela também enfrentou forte pressão da família, que queria que ela se casasse novamente."O tempo todo meus irmãos me traziam novos 'noivos'", disse ela ao jornal britânico "The Guardian". Mas Sisa recusou os candidatos e resolveu se disfarçar de homem para conseguir emprego.
Ela raspou a cabeça, passou a usar um turbante e roupas largas para disfarçar suas formas. Vestida de homem, ela encarou trabalhos pesados, carregando tijolos e sacos de cimento.
"Preferi fazer trabalho pesado, como levantar tijolos e sacos de cimento e engraxar sapatos, do que pedir esmolas nas ruas, para ganhar um sustento para mim e para minha filha e os filhos dela", disse ela à rede de TV Al-Arabiya.
"Então, para me proteger dos homens, de seus olhares e (evitar) ser um alvo deles por causa das tradições, decidi ser um homem... e vesti as roupas deles e trabalhei com eles em outros vilarejos, onde ninguém me conhecia", afirmou.
"Quando uma mulher desiste da feminilidade é difícil. Mas eu faria qualquer coisa pela minha filha. Era a única forma de ganhar dinheiro. O que mais eu poderia fazer? Não sei ler nem escrever, minha família não me mandou para a escola, então esse era único jeito", disse Sisa ao "The Guardian".
No entanto, algumas pessoas perceberam que Sisa era uma mulher.
"Nunca escondi. Não estava tentando manter um segredo", disse ela.
Depois de receber o prêmio do presidente, Sisa afirmou que vai continuar se vestindo como homem.
"Decidi morrer nessas roupas. Eu me acostumei. É a minha vida inteira e não posso mudar agora."
A história de Sisa Gaber Abu Douh, 65 anos, teve repercussão global nos últimos dias.
Ela se viu viúva aos 21, quando estava grávida da filha, e não tinha nenhuma fonte de renda.
Sisa vem de uma camada menos favorecida da sociedade egípcia, que não aprova que as mulheres trabalhem. E, há 40 anos, a situação era ainda pior.
Ela também enfrentou forte pressão da família, que queria que ela se casasse novamente."O tempo todo meus irmãos me traziam novos 'noivos'", disse ela ao jornal britânico "The Guardian". Mas Sisa recusou os candidatos e resolveu se disfarçar de homem para conseguir emprego.
Ela raspou a cabeça, passou a usar um turbante e roupas largas para disfarçar suas formas. Vestida de homem, ela encarou trabalhos pesados, carregando tijolos e sacos de cimento.
"Preferi fazer trabalho pesado, como levantar tijolos e sacos de cimento e engraxar sapatos, do que pedir esmolas nas ruas, para ganhar um sustento para mim e para minha filha e os filhos dela", disse ela à rede de TV Al-Arabiya.
"Então, para me proteger dos homens, de seus olhares e (evitar) ser um alvo deles por causa das tradições, decidi ser um homem... e vesti as roupas deles e trabalhei com eles em outros vilarejos, onde ninguém me conhecia", afirmou.
"Quando uma mulher desiste da feminilidade é difícil. Mas eu faria qualquer coisa pela minha filha. Era a única forma de ganhar dinheiro. O que mais eu poderia fazer? Não sei ler nem escrever, minha família não me mandou para a escola, então esse era único jeito", disse Sisa ao "The Guardian".
No entanto, algumas pessoas perceberam que Sisa era uma mulher.
"Nunca escondi. Não estava tentando manter um segredo", disse ela.
Depois de receber o prêmio do presidente, Sisa afirmou que vai continuar se vestindo como homem.
"Decidi morrer nessas roupas. Eu me acostumei. É a minha vida inteira e não posso mudar agora."
quinta-feira, 26 de março de 2015
quarta-feira, 25 de março de 2015
segunda-feira, 23 de março de 2015
Folha de São Paulo
23 de março de 2015
Minha história - Samar Badawi, 34
A ativista que desafiou a poderosa monarquia árabe ao lutar por poder
dirigir e votar --algo vetado a mulheres-- agora busca libertar seu
marido e o irmão, blogueiro condenado a mil chibatadas
ROBSON RODRIGUESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
RESUMO A saudita Samar Badawi, 34, sofreu abusos do próprio pai,
foi obrigada a casar com um homem que não amava e ainda foi presa
acusada de tentar destruir a cultura árabe e sujar a imagem do país.
Hoje, ela luta para tirar da prisão o irmão, o blogueiro Raif Badawi,
31, condenado a dez anos e mil chibatadas, e o marido, o advogado e
ativista de direitos humanos Waleed Abulkhair, 36, sentenciado a 15
anos.
-
Apesar de todos os estereótipos que o Ocidente criou acerca da cultura
árabe, a realidade é que horrores ainda acontecem em pleno século 21.
Comigo não foi diferente. Quando eu tinha 13 anos, minha mãe morreu e
passei a viver só com meu pai.
Foram 15 anos sendo estuprada por ele, e ainda fui obrigada a ficar seis
anos casada com um homem que não amava, escolhido pelo meu patriarca em
um matrimônio marcado pela truculência.
Quando já não aguentava mais, decidi fugir para um abrigo e denunciei a
violência que sofria. Acabei sendo presa por sete meses por
desobediência.
Nesse período de reclusão, conheci mulheres em situações piores que a minha.
Elas estavam detidas havia anos. Já haviam cumprido a pena, mas não
podiam ser libertadas porque não havia nenhum homem que se
responsabilizasse por elas, pois na Arábia Saudita é costume que o homem
tenha a guarda da mulher.
Parte desse terror só chegou ao fim quando meu pedido de divórcio foi aceito, uma condição muito difícil de conseguir.
Um tio se tornou meu novo guardião masculino. Em 2011, cometi um ato
considerado ultrajante, ofensivo e que poderia me levar à prisão: outras
mulheres e eu entramos em carros.
Sim, na Arábia Saudita, dirigir é um ato exclusivamente masculino.
No mesmo ano, eu denunciei o Ministério do Interior por proibir mulheres
de dirigir, ato judicial sem precedentes na história do meu país.
Estou lutando por coisas que, para as mulheres brasileiras, são mínimas.
A mulher na Arábia Saudita não pode ir ao mercado, ao médico, viajar,
decidir com quem se casar ou estudar sem a permissão de um homem, de um
tutor, seja ele o pai, o marido, ou até mesmo algum filho adulto.
Existem meninas proibidas de ir à escola e condenadas ao analfabetismo;
mulheres impedidas de trabalhar e de andar sozinhas, viúvas que, sem
poder ganhar o sustento, dependem de esmolas e de casamentos arranjados
para sobreviver.
Hoje sou uma das poucas mulheres da Arábia Saudita que sabem dirigir.
Faço parte de um pequeno grupo que se separou do primeiro marido e
conseguiu casar novamente, desta vez com o homem que eu escolhi, e
também a primeira mulher a garantir o direito ao voto no meu país.
PERSEGUIÇÃO
As leis do meu país exaltam a segregação de gêneros em espaços públicos e a repressão.
As regras são regidas pela doutrina do wahabismo, uma interpretação
ortodoxa e ultraconservadora do Islã, que tem forte influência no clã
Al-Saud, que governa o país.
A Arábia Saudita é país islâmico, e o Islã é uma religião de valores
adoráveis que prega o amor e a paz, mas o governo usa o wahabismo como
quer.
O Alcorão é a fonte da Constituição oficial e do direito civil, o que
torna o país uma monarquia absolutista teocrática, a única do mundo a
transformar um texto religioso em político e em um instrumento do
fanatismo dogmático.
Contrariar qualquer dessas regras pode significar punições severas.
Isso aconteceu com meu irmão, Raif Badawi, criador do blog Free Saudi Liberals.
Ele foi acusado de crime cibernético e condenado a passar dez anos na
prisão, pagar uma indenização de valor equivalente a US$ 266 mil (cerca
de R$ 850 mil) e receber mil chibatadas.
Essa é uma forma de punição cruel e desumana, proibida pela Lei Internacional de Direitos Humanos.
Estou muito preocupada com o futuro dele. O primeiro açoitamento público
aconteceu e ele recebeu 50 chibatadas. E continuará sendo açoitado até
completar o número total.
O governo adiou uma nova rodada porque o médico que o examinou disse que ele não aguentaria um novo açoitamento.
Meu marido, o advogado Waleed Abu Al-Khair, passa por uma situação
parecida. Antes de ser preso, ele trabalhava em defesa dos direitos
humanos, representando meu irmão e também outras vítimas de violações.
O governo o sentenciou a 15 anos de prisão por postar uma mensagem no
Twitter em que falava de seu trabalho e de como é difícil a vida na
Arábia Saudita.
A rigidez do governo chega a tal ponto que a Justiça nos acusa de sujar a imagem do país, como se fôssemos terroristas.
MAIS RIGIDEZ
Com a morte do antigo rei Abdullah bin abdul Aziz [em 23 de janeiro], o
meio irmão dele, Salman, assumiu o trono e promete ser ainda mais
rígido. Temo ser presa a qualquer momento.
Isso só não aconteceu ainda por pressão internacional e ajuda do diretor
da Organização Europeia para os Direitos Humanos na Arábia, Ali
Adubisi, mas estou proibida de sair do país por causa do discurso que
fiz no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça [em setembro
do ano passado, quando denunciou a falta de liberdade de expressão em
seu país].
Ao todo, 26 pessoas foram mortas pela polícia em protestos pacíficos, e o
número de detenções arbitrárias e julgamentos injustos contra ativistas
só aumenta.
O governo sentenciou nove manifestantes à morte pela lei antiterrorismo,
como Sheikh Nimr Baqir AlNimr, Ali Mohammed AlNimer, Daoud Hussein
AlMerhoo, entre outros.
Os dois últimos eram menores de idade quando foram presos e estão no corredor da morte apenas aguardando a execução.
O caminho para uma solução na Arábia Saudita ainda é longo, mas a
Primavera Árabe causou uma grande sensibilização na comunidade.
Não vou parar de exigir a libertação imediata de todos os presos
políticos, o fim de todas as formas de tortura, a reforma das leis que
restringem os direitos das mulheres sauditas e a abolição da tutela
masculina.
sábado, 21 de março de 2015
Em termos de polêmicas religiosas, esta é relativamente pequena. Mas a
pergunta não pode deixar de ser feita: é ético comer um chocolate com o
formato de uma figura divina?
A questão surgiu na pequena confeitaria Bond Street Chocolate, em
Manhattan, que vende imagens de chocolate de Jesus, Moisés, Buda e
Ganesh, o deus hindu com cabeça de elefante.
No mês passado, a organização Sociedade Universal de Hinduísmo anunciou:
"Hindus indignados pedem o fim da venda de figuras comestíveis de
chocolate na forma do Senhor Ganesh".
Lynda Stern, proprietária da loja, ficou perplexa. Há mais de cinco anos
ela vende a figura de Ganesh, salpicada de grãos dourados, e de outras
figuras religiosas, além de bombons de maracujá e ervilhas secas
temperadas com raiz-forte japonesa, tudo isso sem provocar controvérsia.
No release da Sociedade Universal de Hinduísmo, o presidente da
entidade, Rajan Zed, escreveu que Ganesh, o deus que derruba obstáculos,
"é profundamente reverenciado no hinduísmo e deve ser adorado em
templos e santuários domésticos, não ser comido."
Mas Stern, cuja figura de Ganesh com quase oito centímetros de altura é vendida por US$ 15, não pretende desistir.
"Todos os ícones espirituais recebem o mesmo tratamento em minha loja", disse. "São tratados com honra e respeito."
A questão de se as estátuas de chocolate ofendem os devotos, ou não, divide opiniões.
"Nós, hindus, consideramos o Universo eterno e deus todo-poderoso como
um só", disse Uma Mysorekar, presidente da Sociedade do Templo Hindu da
América do Norte, em Nova York. "Portanto, não diríamos que o deus está
apenas naquele pedacinho de chocolate. Seria mais correto dizer que,
quando o chocolate é comido, o deus retorna a nós -ele está em nosso
interior."
A Coleção Divina da loja também inclui uma figura de dez centímetros da
Virgem de Guadalupe. O reverendo Santiago Rubio, pastor da Igreja de
Nossa Senhora de Guadalupe, em Nova York, não gostou de ser informado
disso. "Consideramos estátuas e imagens objetos sagrados que nos ajudam a
entrar em contato com o divino ou o sobrenatural", disse. "Convertê-los
em mercadorias, em chocolates, não é a melhor opção."
Mas um porta-voz da arquidiocese católica de Nova York, Joseph Zwilling,
recordou um jantar promovido por uma organização católica em que os
convidados ganharam figuras da Virgem Maria feitas de chocolate branco.
"Acho que não há nada de inerentemente sacrílego nisso", disse Zwilling,
aludindo ao Jesus de chocolate vendido por Lynda Stern. "O que importa é
a intenção da pessoa."
O lama budista tibetano Hun Lye disse que, segundo um texto budista
antigo, "Guia ao Modo de Vida do Bodhisattva", "aqueles que se incomodam
quando Buda está sendo insultado não deveriam se considerar discípulos
de Buda". "É o texto favorito do dalai-lama", falou. "Mas você
provavelmente não verá o dalai-lama comendo esse chocolate."
Helicópteros do governo lançaram uma chuva de bombas sobre vilarejos
em toda a Síria no início de março, exterminando civis e demolindo
casas. Centenas de combatentes morreram em batalhas que não mudaram as
linhas de frente de lugar. Ativistas disseminaram nas redes sociais
vídeos mostrando sírios famintos e exaustos devido à guerra.
"Não podemos nos mexer. Não podemos andar", disse um idoso exaurido em
um vídeo filmado perto da capital, Damasco. "Esta situação não vai
funcionar."
Mas uma das indicações mais marcantes das consequências dos quatro anos
de conflito no país veio do Espaço, com novas imagens de satélites
mostrando que a destruição maciça e o deslocamento populacional apagaram
mais de quatro quintos das luzes do país.
A revelação veio de uma análise feita por Xi Li, da Universidade Wuhan (China) e da Universidade de Maryland.
O conflito sírio começou quatro anos atrás com protestos pedindo
reformas políticas. As manifestações foram inspiradas pelos levantes da
Primavera Árabe ocorridos em outros países do Oriente Médio. De lá para
cá o conflito se transformou: o ditador Bashar Al-Assad lançou mão de
soldados e capangas para sufocar os protestos; a oposição pariu grupos
rebeldes armados; potências estrangeiras enviaram assistência militar, e
a violência resultante disseminou o caos por grandes trechos do
território sírio, permitindo que grupos extremistas estabelecessem bases
e aumentassem seu poder.
A Síria ingressa em seu quinto ano de conflito com poucos sinais de que a
guerra vá terminar em breve. Esforços internacionais para reunir as
partes para negociações de paz estagnaram, e o enviado das Nações
Unidas, Staffan de Mistura, conseguiu poucos avanços mesmo para a
modesta meta de obter um cessar-fogo de curto prazo em apenas uma das
muitas cidades que se converteram em campos de batalha.
Em vez disso, as atenções internacionais se deslocaram para a ação
militar contra extremistas da facção Estado Islâmico, que controla
partes da Síria e do Iraque.
Organizações humanitárias dizem que a ascensão do Estado Islâmico não
apenas impôs miséria e violência às comunidades dominadas pela facção,
mas também desviou a atenção internacional de uma crise humanitária
crescente que vem se fazendo sentir cada vez mais longe das fronteiras
da Síria. No ano passado, por exemplo, o número de migrantes ilegais que
atravessam o Mediterrâneo em direção à Europa alcançou níveis recordes.
Muitas das pessoas que tentaram fazer a travessia, frequentemente
letal, eram sírias.
Cerca de metade da população síria de antes da guerra já abandonou o
país, segundo a ONU, e quase 4 milhões de pessoas se tornaram refugiadas
no exterior, impondo ônus pesados a países vizinhos como a Turquia, a
Jordânia e o Líbano.
Um estudo do Centro Sírio de Pesquisas Políticas concluiu que a educação
no país se encontra em "estado de colapso", que 6% dos sírios foram
mortos ou feridos e que a expectativa de vida caiu 20 anos desde 2010.
"Os números são estarrecedores", disse Valerie Amos, coordenadora de
assistência emergencial da ONU que está próxima de deixar o cargo. "São
tão estarrecedores que praticamente deixaram de fazer sentido para as
pessoas."
A vida se tornou difícil mesmo em áreas que não são diretamente
ameaçadas pela violência. Moradores de Damasco, sob controle firme de
forças governamentais e milícias ligadas ao governo, já se acostumaram
às filas longas, aos preços em alta constante e à escassez de gasolina,
de óleo para aquecimento e até mesmo de pão. Muitos dizem que a guerra
feriu a ordem social, conferindo a homens armados uma vantagem sobre
todo o resto da população.
As esperanças de que a situação pudesse melhorar cresceram por pouco
tempo um ano atrás, quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou sua
primeira resolução sobre a Síria, pedindo acesso livre à assistência
humanitária. Outra resolução autorizou envios de ajuda humanitária por
fronteiras não controladas pelo governo sírio.
Recentemente, porém, uma coalizão de 21 organizações humanitárias
divulgou um relatório dizendo que as resoluções não chegaram a fazer
muita diferença.
"Há mais morte, mais deslocamentos, um aumento das restrições impostas
por países vizinhos, e a situação dos refugiados e dos deslocados
internos na Síria se tornou ainda mais desesperadora", disse Daniel
Gorevan, responsável pela política para a Síria da Oxfam, um das
entidades que participou do relatório.
A maioria dos refugiados sírios no Líbano diz que ainda espera voltar
para casa algum dia, mas alguns acham que isso não vai acontecer.
"Eu já desisti da esperança de voltar algum dia", comentou Farid Qassim, 29. "A guerra na Síria nunca vai acabar".
Os líderes do Partido Comunista Chinês temem que o dalai-lama não
tenha uma vida após a morte. As autoridades estão tão preocupadas que
elas já advertiram o líder religioso várias vezes de que ele deve
reencarnar, e sob suas condições.
As tensões sobre o que acontecerá quando o 14° dalai-lama, que está com
79 anos, morrer, e particularmente sobre quem decide quem o sucederá
como líder mais destacado do budismo tibetano, intensificaram-se na
reunião anual dos legisladores chineses em Pequim, recentemente.
As autoridades defenderam o argumento de que o governo comunista é o
guardião da sucessão do dalai-lama, decidida após um intricado processo
no qual os lamas (monges graduados) visitam um lago sagrado e
interpretam sonhos.
Funcionários do PC se irritaram com os rumores de que o dalai-lama
poderia encerrar sua linhagem espiritual e não reencarnar. Isso
atrapalharia os planos do governo chinês de elaborar uma sucessão que
produziria um 15° dalai-lama que aceita a presença da China e suas
políticas no Tibete.
Zhu Weiqun, autoridade do Partido Comunista que há muito tempo lida com
questões tibetanas, disse a repórteres em Pequim que o dalai-lama não
tem poder de decisão sobre sua reencarnação.
Isso caberia em última instância ao governo chinês, disse ele, segundo
uma transcrição de seus comentários no site do "Diário do Povo", o
principal jornal do partido.
"O poder de tomar decisões sobre a reencarnação do dalai-lama, e sobre o
fim ou a sobrevivência dessa linhagem, está com o governo central da
China", disse Zhu.
Zhu acusou o dalai-lama de desrespeitar tradições sagradas. "Em termos
religiosos, é uma traição à sucessão dos dalai-lamas no budismo
tibetano", disse ele.
O ex-governador da região autônoma do Tibete, Padma Choling, disse que o
dalai-lama havia profanado a fé budista tibetana ao sugerir que ele
poderia não reencarnar.
A ideia das autoridades do Partido Comunista, que defendem os preceitos
da reencarnação e atiram acusações de heresia contra o líder tibetano,
poderia fazer Karl Marx revirar em sua tumba. O partido está
comprometido com o ateísmo em suas fileiras, embora aceite a crença
religiosa no público.
Lobsang Sangay, o primeiro-ministro do governo tibetano no exílio,
disse: "É como se Fidel Castro dissesse: 'Vou escolher o próximo papa e
todos os católicos terão de aceitar'. É ridículo".
Mas a disputa tem implicações profundas para Pequim e seu poder nas
áreas tibetanas, onde os protestos puseram em foco um descontentamento
fervilhante. Líderes do partido prefeririam se inserir discretamente em
um processo de sucessão que encerra o pleno peso da tradição tibetana,
ao instalar um novo dalai-lama por decreto.
Por isso, se o atual líder tibetano usar seu poder para anular o
processo histórico de seleção, a China enfrentará a perspectiva de um
constante descontentamento após sua morte.
Seria basicamente o último ato de desafio do dalai-lama, que fará 80 anos em julho e vive em exílio desde 1959.
terça-feira, 17 de março de 2015
segunda-feira, 16 de março de 2015
sábado, 14 de março de 2015
Faheema estava de pé no pátio do casarão, trêmula, à espera do
reencontro com sua família. Respirou fundo e correu para dentro, com a
abaia preta esvoaçando ao seu redor, e então caiu no chão, aos pés do
tio. As recriminações foram imediatas.
"Como você pôde fazer isso?", disse o tio. "Você sempre foi tão doce com todos. Como pôde ter feito isso?"
O que Faheema, 21, fez foi fugir da sua casa, no leste do Afeganistão,
com o homem que amava. Ela deixou para trás sua numerosa família e o
rapaz ao qual havia sido prometida. As palavras do seu tio, apesar de
ternas, acarretavam um perigo: Faheema precisaria voltar para casa.
Para uma moça do interior, voltar para casa depois de fugir com um homem
equivale a atravessar uma rua movimentada com os olhos vendados -é
grande a probabilidade de que ela seja morta.
Faheema (que, como muitos afegãos, usa só um nome) teve sorte, pois foi
acolhida em um abrigo para mulheres, um dos cerca de 20 que, na última
década, protegeram milhares de afegãs ameaçadas de morte por seus
familiares.
Esses abrigos, financiados principalmente por doadores ocidentais, são
um dos mais bem-sucedidos -e provocativos- legados da presença ocidental
no Afeganistão, por difundir a ideia de que as mulheres são capazes de
fazer suas próprias escolhas. Com isso, colocam em xeque o controle dos
homens sobre a ordem social. Eis uma ideia revolucionária por aqui -e
ainda mais transgressora que a democracia ocidental.
Com a proliferação dos abrigos, cresce também a oposição de homens que
veem esses locais como ataques ocidentais à cultura afegã. "Aqui, se
alguém [uma mulher] tenta deixar a família, está rompendo a ordem
familiar. Isso é contra as leis islâmicas e é considerado uma desgraça",
afirmou o imã Habibullah Hasham, da mesquita Nabi, na zona oeste de
Cabul.
A oposição também parte de dentro do governo. Os legisladores quase
proibiram os abrigos em 2011. Em 2013, estiveram próximos de revogar uma
lei que proíbe a violência contra as mulheres. Acabaram recuando por
causa da pressão da União Europeia e dos Estados Unidos.
Agora, com a redução da presença ocidental no Afeganistão, o choque
ideológico a respeito do lugar da mulher coloca em risco muitas das
conquistas femininas obtidas após a invasão americana de 2001. Muitos
afegãos rejeitam as duras restrições às mulheres impostas pelo Taleban,
as quais contribuíram para galvanizar o apoio internacional à guerra,
mas a noção de que as mulheres devem se submeter aos homens continua
amplamente vigente no Afeganistão.
"A maioria das pessoas ainda tem pontos de vista conservadores e
tradicionais sobre as mulheres", disse Manizha Naderi, diretora da ONG
Mulheres pelas Mulheres Afegãs, que opera abrigos ou outros programas em
13 províncias.
Muitas mulheres ganharam a liberdade graças aos abrigos, mas outras
permanecem num limbo, a salvo das suas famílias durante algum tempo, mas
impossibilitadas de sair, pois não são aceitas nem por suas famílias
nem pela sociedade. Naderi estima que cerca de 15% das mulheres em seus
abrigos não podem sair -nunca.
Acima de tudo, Faheema queria evitar o mesmo destino que coube a Amina,
jovem de 18 anos que fugiu em 2013 de sua família, na província de
Baghlan, depois de ser informada de que teria de se casar com um homem
mais velho.
Amina chegou à capital provincial e foi apanhada pelo serviço de
inteligência afegão. Diferentemente do que acontece com outras
fugitivas, vistas como mulheres corrompidas e propensas a serem
molestadas por policiais, ela não sofreu abusos. Foi levada à sede
provincial do Ministério da Mulher.
As autoridades de lá a enviaram para o único abrigo da província. Mas,
depois de uma ou duas noites, a família dela apareceu. Os parentes se
comprometeram a não fazer mal a Amina se ela voltasse para casa com
eles, uma promessa que foi repetida em vídeo após uma reunião com a
chefe provincial do ministério, Khadija Yaqeen.
Mas Amina não chegou à sua casa. Nove homens abordaram o veículo, não
muito longe do lugar onde ela morava, a retiraram do carro e atiraram
nela, segundo o relato da família. A polícia e ativistas dos direitos
femininos duvidaram da história. Por que homens armados retirariam uma
única moça do carro e atirariam nela? Por que a família não estava
exigindo vingança?
A resposta apontava para algo muito mais sinistro do que um ataque
fortuito. "Essa é a percepção: uma vez que ela deixa a família, está nas
mãos de outros, e eles podem fazer o que quiserem com ela -abusar
sexualmente dela-, porque ela deixou o círculo familiar", disse o imã
Hasham, em Cabul. Pelos costumes tribais, o chamado assassinato de honra
é a única maneira de erradicar a vergonha.
O chefe de polícia da província de Baghlan acha que o irmão de Amina
está envolvido no assassinato, mas disse que houve relatos conflitantes.
O Ministério da Mulher não se empenhou para que suspeitos fossem
presos.
Yaqeen disse que Amina pediu para ir embora com sua família. "Ninguém
tinha batido nela", afirmou, "então eu não tinha justificativa para
mantê-la".
A funcionária admitiu ter recebido um telefonema de um membro do
conselho provincial, mas disse que este se limitou a pedir que ela
conversasse com a família da moça, que havia viajado à capital da
província para levá-la de volta. Os membros dos conselhos provinciais
afegãos costumam ser deferentes aos desejos das famílias poderosas, que
num caso como esse se mostram ávidas por limpar sua honra.
Yaqeen disse que Amina tomou a decisão sozinha. "Fizemos tudo de acordo
com as regras e regulamentos", insistiu ela. "Esse é um problema da
sociedade."
Faheema tinha certeza de que sua família não iria poupá-la se ela
deixasse o abrigo e voltasse para casa. "Tive um problema com o meu
pai", contou. "Ele me prometeu ao filho do meu tio, e eu não estava
feliz de me casar com ele, então me casei com outro homem."
Seu pai lhe avisou que havia comprado uma arma. "Se eu encontrar vocês, eu mato os dois", disse ele, antes de Faheema fugir.
Faheema entende que está sendo ameaçada por sua própria família. Isso é muitas vezes o primeiro passo para conseguir se salvar.
Diferentemente do que acontece no Ministério da Mulher em Baghlan, onde
Amina teve apenas um encontro com sua família antes de ser devolvida, o
Mulheres pelas Mulheres Afegãs exige várias sessões com a moça, sua
família e um mediador antes de ela ser autorizada a voltar para casa. Se
a equipe não estiver convencida de que a jovem estará segura, a mantêm
no abrigo enquanto julgarem necessário.
A terceira sessão de Faheema com sua família envolveu sua mãe, uma irmã
mais nova, um irmão mais novo e o irmão do noivo desprezado, que já
havia estado num encontro anterior. Houve gritaria e situações de quase
violência física. "Minha filha quer ir com a gente", disse a mãe. "O pai
dela está no hospital agora."
A mãe se voltou para Faheema e disse: "Vamos divorciar você desse
sujeito", referindo-se ao homem com quem Faheema fugiu. O irmão do noivo
e a mãe dela disseram que a apoiariam se ela quisesse se casar com
outra pessoa.
Nuria Kohistan, a mediadora, comentou em voz baixa: "Estão dizendo essas
coisas, mas assim que conseguirem a custódia dela vão matá-la".
Quando ficou evidente que o abrigo não liberaria Faheema, a mãe dela
tentou oferecer um suborno. Então ela se voltou para a filha, quase
cuspindo ao falar. "Você conhece o seu pai, conhece o caráter do seu
pai", disse. Agarrando Faheema, a puxou da cadeira. "Ele vai me matar.
Você pode ir até o meu túmulo amanhã."
Faheema puxou o braço das mãos da mãe e correu para o porão. A mãe foi
impedida de entrar, e Faheema se trancou lá dentro e chorou
copiosamente.
As mulheres no abrigo de longa permanência se aninham umas às outras no
escuro, e com suas vozes tentam espantar os pesadelos. Os tormentos que
elas suportaram nas mãos das suas famílias estão inscritos em seus
corpos.
Cicatrizes de faca atravessam rostos e pescoços. Agressões com correntes
marcam as costas. Algumas mancam por causa de ossos quebrados e nunca
devidamente consertados. Várias faces estão corroídas pelo ácido, uma
das armas favoritas por aqui.
Há 26 mulheres no abrigo de longa permanência mantido pela Mulheres
pelas Mulheres Afegãs em Cabul. Se a família de Faheema prosseguisse com
suas ameaças, o abrigo se tornaria o lar dela.
Aqui, a maioria das mulheres sente um alívio profundo. Nenhuma delas é
agredida. Há comida suficiente. As tarefas são divididas e, acima de
tudo, existem opções -algumas decidem frequentar a escola. Uma tem um
emprego como faxineira, outra costura enquanto cuida da filha de seis
anos.
É extremamente raro que uma mulher viva sozinha aqui no Afeganistão, por
isso a equipe se esforça em ajudar as mulheres a recriar suas famílias
quando elas são rejeitadas pelas originais. "Às vezes conseguimos
encontrar maridos", disse Naderi. "Já casamos umas 10 ou 11, mas é
difícil."
Ativistas dos direitos femininos enxergam algumas mudanças. "Atualmente
as mulheres estão encontrando uma voz", disse Soraya Sobrang, da
Comissão Independente Afegã de Direitos Humanos. "E elas também querem
ter direitos e poder de decisão."
A batalha entre as tradições e a consciência ainda nova e frágil acerca
dos direitos femininos continua. Um comitê governamental investigou os
abrigos depois que um programa de televisão os acusou de obrigar
mulheres agredidas a se prostituir. A comissão constatou que a maioria
dos abrigos era bem administrada.
O resultado significa que o governo não irá fechar as casas de proteção,
mas que há pouco apoio da opinião pública para que se gaste dinheiro
com elas.
Naderi conta com financiamento do governo americano para cobrir quase
90% do seu orçamento. O restante vem de doadores, principalmente
estrangeiros.
As mulheres dentro da casa de passagem compreendem os riscos que as
aguardariam do lado de fora. "Não posso ir sozinha a lugar nenhum",
disse Mariam, 22, que escapou de um marido abusivo filiado ao Taleban.
"Todo mundo gosta de ter liberdade, mas eu não posso ter a minha."
Faheema afinal pôde deixar o abrigo, com a ajuda de um advogado
contratado pela Mulheres pelas Mulheres Afegãs. Um tribunal reconheceu o
casamento dela com seu marido, Ajmal, e o procurador-geral determinou
que os dois deveriam morar em Cabul.
Mas não se trata exatamente de um final feliz.
Embora estejam apaixonados, vivem aterrorizados pela ideia de serem
encurralados por um parente de Faheema que poderia surrá-los ou
matá-los. O casal vive na pobreza porque Ajmal precisou fechar a loja
que possuía na sua cidade natal, Ghazni, e não pode mais voltar para lá
devido ao receio de ser morto.
"Vivemos com medo e nos escondendo", disse ele. Três vezes por dia,
quando ele sai para comprar pão, se flagra olhando nervosamente ao redor
para ver se algum parente de Faheema está de tocaia.
Ele se preocupa com sua mãe, viúva, e suas duas irmãs, que ainda moram
em Ghazni. Quando tinha uma pequena loja de cosméticos na cidade,
contribuía para o sustento da família. Mas, agora, o sustento da família
depende totalmente dos parcos rendimentos da mãe dele como costureira.
Mas nada disso enfraqueceu a determinação do casal.
Faheema tentou selar a paz entre as duas famílias, e eles telefoneram
para o enfurecido pai dela, no qual imploraram que ele se reunisse com
os anciões do clã de Ajmal. Mas seu pai se recusou, dizendo que a única
coisa que poderia satisfazê-lo seria se esse outro clã lhe entregasse
uma filha que se casasse com seu filho ou com seu sobrinho, em troca de
Ajmal ter ficado com Faheema.
Apesar das dificuldades, Faheema espera que suas irmãs e primas tenham a
coragem de exigir que suas famílias as consultem antes de prometê-las
em casamento. "Minha mensagem ao meu pai é que ele deveria perguntar aos
seus filhos antes de tomar qualquer decisão sobre a vida deles",
afirmou Faheema.
O público do auditório Vahdat, em Teerã, ficou de pé e bateu palmas
com entusiasmo para Bob Belden, 58, saxofonista líder da banda
Animation.
"We love you, Bob!", gritou um espectador quando ele terminou a terceira música da noite.
Esse respeitado compositor, jazzista e produtor ganhador do Grammy então disse: "É uma honra absoluta estar aqui, no Irã".
A recente apresentação foi a primeira de um músico americano no Irã
desde a revolução de 1979. Funcionários do Ministério da Cultura e da
Orientação Islâmica estavam sentados na primeira fila do teatro de 1.200
lugares, balançando a cabeça ao ouvir temas de Miles Davis, Herbie
Hancock e do próprio Belden.
O show em Teerã encerrou uma curta e agitada turnê por um país que
oficialmente considera os Estados Unidos como seu inimigo, mas onde as
pessoas se desdobram para agradar estrangeiros, especialmente quando são
americanos.
"Um iraniano chega até mim e me pergunta de onde eu sou. Eu digo
'América'. Ele diz: 'Eu te amo!'", contou Belden. "Digo a ele que eu sou
um músico de jazz. Ele diz: 'Eu amo jazz!'."
Belden e sua banda foram escolhidos para encerrar o festival musical
Fajr, um evento anual. A inclusão se deu por iniciativa de funcionários
culturais do governo do presidente Hasan Rowhani, que busca melhorar as
relações com o Ocidente.
"Estamos muito felizes por eles estarem aqui", disse Farzin Piroozpay,
funcionário do Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica. "O Irã
quer mostrar que aqui não há problemas para estrangeiros e que acolhemos
bem a cultura e as artes."
Antigamente, radicais iranianos refratários a qualquer aproximação com
os Estados Unidos protestariam contra essa diplomacia cultural, mas
atualmente há uma postura mais branda por aqui, pelo menos com relação
aos americanos que desejam visitar o país.
Mehdi Faridzadeh, ex-embaixador cultural do Irã, hoje radicado nos EUA, e
a ONG americana Search for Common Ground [busca por um terreno comum]
ajudaram a organizar a viagem do grupo de Belden.
Durante sua viagem de quatro dias em fevereiro, o músico foi levado a eventos em todo o país.
Ele e seu trompetista, o texano Pete Clagget, 35, estiveram no ginásio
Azadi para a abertura da Copa do Mundo de luta greco-romana, um esporte
popular no Irã e nos Estados Unidos.
Belden e Clagget se juntaram a músicos iranianos para uma apresentação na cerimônia oficial de abertura.
"É mais fácil arrumar um show aqui do que nos EUA", concordaram os músicos.
Quando chegaram, Belden, Clagget e sua comitiva formada por autoridades
iranianas, jornalistas e alguns músicos italianos foram barrados por um
desnorteado segurança antes de serem encaminhados ao seu camarim.
Belden e Clagget se reuniram aos outros músicos na quadra do ginásio. Na
hora da execução de "Ey Iran", hino extraoficial do país, Belden
acompanhou no sax, e Clagget, no trompete. Um telão atrás deles mostrava
imagens da guerra Irã-Iraque.
"Agradecemos à banda iraniano-americana por sua música", disse um
locutor, em inglês fluente. Em seguida, os músicos foram levados de
volta ao auditório Vahdat.
"Próxima parada: Vietnã do Norte", brincou Belden.
Durante o show, que estava sendo gravado para um álbum ao vivo, o
saxofonista agradeceu aos iranianos por sua hospitalidade. "Vocês
realizaram o nosso sonho", disse ele à plateia.
"Visitar o Irã está sendo uma tremenda experiência."
As atrações turísticas imperdíveis da China formam um circuito
grandioso: a Grande Muralha, a Cidade Proibida, a Praça Tiananmen e,
para os que suportarem esperar em longas filas, o Mausoléu de Mao
Tsetung.
Mas há uma nova escala no percurso turístico: o restaurante de fast-food
que se tornou um destino obrigatório para os fãs do presidente Xi
Jinping. Foi aqui que, no ano passado, Xi encantou o país quando visitou
a Casa Qingfeng de Guiozas, pagou pela comida e carregou sua bandeja
até uma mesa.
"Estamos seguindo os passos de nosso grande líder", disse Bai Henglin,
29, motorista, enquanto tirava uma selfie com a refeição Combo
Presidencial, de US$ 3,50 (guiozas e uma tigela de cozido de fígado de
porco). "Os visitantes que vierem a Pequim e não passarem aqui vão se
arrepender."
Há outros barômetros da adulação dedicada a Xi desde que ele assumiu o poder, em 2012.
Seu sorriso enfeita pratos ornamentais, e um livro com seus pensamentos
sobre governança, traduzido para oito línguas, teve supostamente 17
milhões de exemplares vendidos ou dados de presente. Canções e poemas
celebram o "Papai Xi" como um marido virtuoso, amigo dos agricultores e
inimigo dos corruptos.
Desde que Mao dominou o país com sua mistura magistral de populismo,
fervor e medo, um líder chinês não conquistava tamanha admiração do
público. Deng Xiaoping repudiou a mania da era Mao, e desde então a
adulação pública aos líderes políticos foi tabu. Parte do apelo de Xi
deriva de sua guerra à corrupção e seus slogans positivos como o "Sonho
Chinês", a proposta de um país poderoso e rejuvenescido. Mas a adoração
também foi intensificada por retratos de Xi como alguém que segura seu
próprio guarda-chuva, chuta bolas de futebol e sabe disparar um rifle.
Um dos tributos mais populares a Xi é uma canção: Ele ousa enfrentar qualquer tigre, por maior que seja.
Ele não tem medo do céu ou da terra.
Nós sonhamos em conhecê-lo.
Um teatro daqui apresentou recentemente um musical inspirado na vida e
nas políticas de Xi, e, no mês passado, candidatos ao curso de arte na
Universidade de Tecnologia de Pequim foram solicitados a desenhar um
retrato de Xi como parte de seu exame de admissão. O jornal "Beijing
Evening News" sugeriu que os candidatos ficaram maravilhados. "Eu não
sabia que teria tanta sorte com essa parte do exame", disse um dos
jovens.
Em entrevistas, muitos cidadãos comuns disseram aprovar a liderança
carismática, especialmente depois das maneiras secas do antecessor de
Xi, Hu Jintao, cujo principal slogan, "Uma visão científica do
desenvolvimento", não tinha apelo emocional.
O público chinês aprovou o combate de Xi à corrupção. E suas
advertências de que a China reforçaria suas reivindicações territoriais
por meio da diplomacia musculosa e de militares reforçados também se
revelaram populares. "Você tem a sensação de que o presidente Xi se
importa com o homem comum", disse Yang Tianrong, 75, soldado aposentado
da província de Hebei. "Ele nos dá esperança de que o governo pode
solucionar nossos problemas."
Apesar de desconfiados, muitos liberais disseram duvidar de que Xi
reviveria os excessos da era Mao. Mas Bao Tong, autoridade do Partido
Comunista que foi expurgado e preso depois dos protestos pró-democracia
de 1989, disse que Xi corre o risco de alienar seus defensores dentro do
partido ao se projetar como o único capaz de salvar a China. Construir a
figura de Xi como um semideus político para sufocar o debate e a
dissidência "não vai unificar as pessoas", disse ele.
Xiao Qiang, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que monitora a
mídia chinesa, concordou. Surtos de propaganda recentes provocaram o
ridículo na web, disse ele, especialmente os comentários de Xi em que
ele denunciou a "estranha" arquitetura contemporânea e exortou artistas e
escritores a servirem às massas, em vez de a seus próprios impulsos
criativos. "Isso fez Xi parecer um idiota", disse Xiao.
Alguns analistas dizem que a história da família Xi deveria ter lhe
servido de lição sobre os riscos da obediência cega. Seu pai, Xi
Zhongxun, um herói revolucionário, foi removido do poder em 1962 depois
que Mao o acusou de tentar subverter o partido. Ele foi detido e
processado por radicais maoístas durante a Revolução Cultural em 1966.
Mas analistas dizem que Xi e outras figuras políticas de sua geração
ainda idealizam certos elementos do regime de Mao, especialmente seu
apelo ao orgulho nacional e a imagem que ele cultivou de homem forte,
incorruptível e disposto ao próprio sacrifício.
quinta-feira, 12 de março de 2015
As ruínas de Nimrud, outrora capital do Império Assírio, sobreviveram à
pilhagem de seus inimigos durante o século 7º a.C e, enterradas pelo
descaso, resistiram à passagem dos séculos. Até a chegada das
britadeiras dos militantes do Estado Islâmico.
Essa organização terrorista tem levado a cabo, nas últimas semanas, uma
violenta campanha de destruição do patrimônio histórico da região, onde
impérios se empilharam uns sobre os outros e deixaram vestígios
fundamentais à compreensão da Antiguidade.
Além de Nimrud, sofreram locais como Mossul, Hatra e Khorsabad.
A justificativa da facção fundamentalista, que controla áreas na Síria e
no Iraque, é de que tais artefatos, anteriores à chegada da religião
islâmica à região, são alvo de idolatria. Os objetos seriam condenados
por essa interpretação rígida do islã.
"Pense em elementos essenciais à trajetória da humanidade", diz à Folha
Marcelo Rede, professor de história antiga na USP. "A domesticação de
animais, o aparecimento da agricultura, os primeiros textos. Destruir
isso é condenar parte do passado ao esquecimento."
Rede faz parte de um laboratório francês que atua na região. Em 2014, a
França não permitiu a viagem de uma equipe de arqueólogos ao Iraque,
após a escalada da violência. "Tive muito medo, e fiquei bem contente
por amigos que conheço há quase 20 anos não terem arriscado a vida ali",
diz.
Para o professor da USP, o Estado Islâmico usa a destruição do
patrimônio como "propaganda de guerra". "Os locais destruídos estão no
imaginário de muitos, muitas vezes porque são citados na Bíblia ou por
autores clássicos, como Heródoto", diz.
O norte do Iraque é especificamente rico nesses resquícios
arqueológicos. "A má coincidência é que essa região, que foi o coração
da Assíria, está sob domínio do Estado Islâmico."
As autoridades ainda investigam a dimensão do dano. "Estátuas foram
esmigalhadas a marretadas. Para esse tipo de dilapidação, dificilmente
haverá possibilidade de restauração", diz Rede.
terça-feira, 10 de março de 2015
Nos subúrbios de Pyongyang, 270 rapazes, em torno dos 20
anos, todos filhos homens da elite norte-coreana, preparam seu futuro.
Sua vida está regulamentada estritamente desde que se levantam até que
se deitam. Organizados em pelotões, e com um supervisor por grupo,
precisam de autorização para deixar o local, vigiado por guardas
femininas. Não se trata de nenhum quartel. Mas sim da única universidade
privada na comunista Coreia do Norte. Além de lecionar todas as aulas
em inglês, a Pyongyang University of Science and Technology (Pust) tem
outra peculiaridade: é gerida e custeada por cristãos-evangélicos.
— Em essência, os cristãos-evangélicos do mundo estão
educando os futuros líderes da Coreia do Norte — conta a jornalista e
escritora americana de origem sul-coreana Suki Kim.
Ela sabe do que fala. Infiltrou-se como professora na Pust
durante dois trimestres em 2011 — o período coincidiu com a morte do
“Querido Líder, Kim Jong-il” — e conta sua experiência no livro “Sem ti
no hay nosotros” (“Sem você não há nós”, em tradução livre), da editora
Blackie Books, disponível em espanhol a partir de 11 de março.
Esta enigmática universidade começou a funcionar em 2009.
Oficialmente, descreve-se como um projeto conjunto. Mas construí-la,
conta Suki Kim, custou US$ 35 milhões e sua manutenção diária “requer
muitíssimo dinheiro”.
— Pelo que sei, a Coreia do Norte não põe nenhum centavo —
explica Suki, acrescentando que são doadores internacionais,
principalmente de igrejas sul-coreanas e americanas, que cobrem os
gastos. — Ao regime da Coreia do Norte dá no mesmo que seja cristão,
muçulmano ou ateu. Tudo é a mesma coisa, porque não acreditam em seu
Grande Líder. Dessa forma, se esta organização de estrangeiros quer
empregar este montão de dinheiro, por que vão dizer que não?
Seu fundador e presidente é James Kim, um cristão-evangélico
de origem coreana e nacionalidade americana que já dirigia outro centro
similar em Yanbian, na China, e que desde os anos 1990 cortejava o
regime de Pyongyang. No princípio da década passada, recebeu o visto
pessoal de Kim Jong-il
— Este grupo está aqui com sua permissão, (no regime) sabem
exatamente quem são estes cristãos-evangélicos — assegura a autora em
conversa telefônica desde Seul.
Semelhanças com um quartel
A
única condição aparente é que não façam proselitismo. Se bem que “isso é
o que há na superfície, não sabemos se pactuaram outros acordos”,
matiza Suki Kim. Ainda que os responsáveis da Pust vão de mãos dadas com
o regime, “sentem-se justificados”, pois, para eles, para eles,
trata-se de “um projeto de longo prazo, com o que levam a missão de
Deus” à Coreia do Norte, o regime totalitário mais restrito do mundo. Os
professores nem sequer cobram: ou bem trabalham de graça, ou tem que
buscar um patrocínio, geralmente o de suas igrejas.
Quando a jornalista Suki Kim começou a trabalhar no centro,
era o trimestre da primavera. A primeira coisa que chamou a atenção foi a
“hipervigilância” no campus. A universidade está construída em formato
semicircular, de modo que qualquer área é visível desde qualquer outra e
todo mundo pode vigiar todo mundo.
— Já havia estado várias vezes na Coreia do Norte desde 2002. Sabia que tudo estava controlado, mas isso era como um quartel.
Os professores e os estudantes convivem no campus, em blocos
de dormitórios adjacentes e vigiados por um grupo de jovens guardas
femininas.
— No começo, parece que eram homens, militares homens, mas
se decidiu trocá-los por mulheres para dar uma imagem menos
intimidatória. Nos disseram que era para nos proteger, mas não do que
nos protegiam. Ou melhor, sua missão era impedir-nos de sair.
Cada movimento estava vigiado pelos “acompanhantes” oficiais
que o governo impõe aos estrangeiros e que inclusive compartilham
blocos de dormitórios com os professores. Os docentes só estão
autorizados a abandonar o recinto uma vez por semana, para comprar
provisões em Pyongyang ou para excursões milimetricamente organizadas, e
sempre escoltados por seus “acompanhantes”. Para os estudantes, o
regime parecia inclusive mais claustrofóbico. Não podiam sair da
universidade sob nenhuma circunstância. Quando chegou Suki, muitos
estavam meses inteiros sem ver suas famílias. Nem sequer eles, os filhos
da elite do regime, estão livres da vigilância, e devem se desenvolver
em uma atmosfera de desconfiança e medo.
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Diariamente, os estudantes chegam ao refeitório em formação militar, cantando em uníssono hinos ao partido e aos líderes, perfeitamente uniformizados com roupa, gravata e pastas idênticas. Cada grupo forma um pelotão e conta com um supervisor encarregado de vigiar o desenvolvimento das classes. Por turno rotativo, meia dúzia de alunos passa cada noite no edifício dedicado ao estudo dos ensinamentos de Kim Il-sung e Kim Jong-il. Também em patrulhas se repartem tarefas como a limpeza do monumento dedicado ao Grande Líder ou o cuidado do jardim e a poda — a mão — do gramado.
Diariamente, os estudantes chegam ao refeitório em formação militar, cantando em uníssono hinos ao partido e aos líderes, perfeitamente uniformizados com roupa, gravata e pastas idênticas. Cada grupo forma um pelotão e conta com um supervisor encarregado de vigiar o desenvolvimento das classes. Por turno rotativo, meia dúzia de alunos passa cada noite no edifício dedicado ao estudo dos ensinamentos de Kim Il-sung e Kim Jong-il. Também em patrulhas se repartem tarefas como a limpeza do monumento dedicado ao Grande Líder ou o cuidado do jardim e a poda — a mão — do gramado.
As atividades diárias estão estritamente organizadas. Cada
lição, cada livro de texto, deve receber a aprovação das “contrapartes”,
o corpo docente norte-coreano encarregado da supervisão. Nos primeiros
tempos da universidade, só se davam aulas de inglês. Apesar do nome do
centro, não havia professores de ciência, nem de informática, que
chegaram nos anos posteriores.
Os docentes podem interagir com os alunos não somente
durante a aula, senão também nas horas dedicadas ao esporte ou durante
as refeições. A carne escasseia nos almoços, que se limitam a arroz com
verduras em conserva. Num país onde 84% da população sofre uma dieta
insuficiente, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU, comer três
vezes ao dia já representa um privilégio.
Diferentes níveis de mentiras
Os
temas das conversas não são muito mais variados do que os pratos do
campus. Limitam-se, sobretudo no início, a esporte, aos estudos ou, um
pouco mais adiante, a namoradas reais ou aquelas dos sonhos.
— Estávamos vigiados 24 horas por dia, sete dias por semana;
se os garotos davam a mais remota mostra de curiosidade sobre o mundo
exterior, isso se silenciava imediatamente — explica Suki Kim. — Cada
vez que tinha a sensação de que havíamos avançado um pouco em nossa
relação pessoal, eles voltavam a se meter imediatamente em sua concha.
Naqueles dias de 2011, ademais, vivia-se um momento
“especialmente vulnerável” para os estudantes. O resto dos
universitários norte-coreanos haviam sido enviados para trabalhar em
obras de construção. Oficialmente, porque se comemorava o centenário do
nascimento do fundador da dinastia, Kim Il-sung, e havia que lhe
oferecer uma “nação poderosa e próspera”. Extraoficialmente, porque no
Oriente Médio se desenvolvia a primavera árabe e, provavelmente, o
regime temia um possível contágio. Os alunos da Pust foram os únicos em
todo o país que não foram convocados para este trabalho, uma mostra a
mais de seus privilégios especiais. Mas a desconfiança e a vigilância
diárias geravam um tecido de mentiras. Mentiras por parte do regime:
para demostrar a existência da liberdade de culto, os professores foram
convidados para um serviço religioso cristão em Pyongyang. Logo ficou
claro a eles que o coro de elegantes damas que entoava hinos era um
grupo de cantoras profissionais, e os paroquianos, meros comparsas que
desapareceram rapidamente após o último amém.
A periodista também ocultava a verdade. Ainda que tenha
apresentado sua solicitação com seu nome autêntico e James Kim sabia que
era escritora, Suki nunca revelou que sua intenção era escrever um
livro sobre o centro, algo que poderia lhe acarretar consequências
graves.
— Tratar de cobrir a Coreia do Norte, o país mais corrupto
do mundo, é como cobrir a máfia ou a indústria farmacêutica, não há mais
opções do que se infiltrar para tentar obter algo da verdade desse
local. Fingi ser professora, mas ensinei de verdade e não me comportei
de modo enganoso com meus alunos. Meu comportamento com eles e meu
carinho eram genuínos.
E os alunos falavam também constantes mentiras:
— Havia diferentes níveis. As mentiras que seus supervisores
os ordenavam que contassem. As que soltavam por puro hábito. As que os
haviam ensinado e acreditavam ser verdade.
Boa parte da cultura geral dos estudantes estava baseada em
falsidades: acreditavam que o coreano se fala em qualquer lugar do mundo
ou que jogar basquete faria com que crescessem mais um pouco.
Desconheciam a existência da Torre Eiffel. Não haviam ouvido falar de
Steve Jobs. Não tinham internet e unicamente tinham acesso a uma
intranet muito limitada.
— Não sabiam como pensar de maneira crítica. Ensinar-lhes a
estabelecer um argumento, colocar exemplos, expor sua tese para chegar a
uma conclusão não era possível. Não entendiam o conceito de introdução,
conclusão ou demonstração. Em seu sistema do Grande Líder não se
demonstra nada, não se incentiva a pensar por si mesmo — conta Kim.
Apesar de tudo, ao longo das conversas, e em cartas que
escreviam como exercícios de classe, algumas vezes aparecem indícios de
que algo há por trás das máscaras. Os garotos admitem tédio pela rotina,
nostalgia por suas famílias, com as quais não podem ter contato. As
atitudes copiadas se convertem em gestos individuais, personalidades
definidas. Um deles chega a confessar que gosta de rock and roll, outro
se atreve a perguntar pelo conceito de assembleia nacional.
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E a jornalista também se anima a contar a eles sobre os países para onde tinha viajado, a falar do que é o Skype. Um dia antes de partir, Suki Kim tem a oportunidade de mostrar a um grupo de alunos “Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban”. Mas os rapazes se deliciam por pouco tempo com a história: no mesmo dia, 20 de dezembro de 2011, anuncia-se a morte de Kim Jong-il.
E a jornalista também se anima a contar a eles sobre os países para onde tinha viajado, a falar do que é o Skype. Um dia antes de partir, Suki Kim tem a oportunidade de mostrar a um grupo de alunos “Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban”. Mas os rapazes se deliciam por pouco tempo com a história: no mesmo dia, 20 de dezembro de 2011, anuncia-se a morte de Kim Jong-il.
Após sua partida e a publicação do livro, que valeu duras
críticas dos responsáveis pela Pust, Kim não voltou a saber de seus
alunos.
— Uma parte de mim se preocupa. Qualquer notícia da Coreia do Norte sempre é muito atemorizante...
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