terça-feira, 31 de março de 2015


https://scontent-mia.xx.fbcdn.net/hphotos-xfp1/v/t1.0-9/10982337_869762916400065_5236604992095447614_n.jpg?oh=350481a8d7d5530bb990053b459353bd&oe=55B13830


http://globalvoicesonline.org/2015/03/29/iranian-television-producer-jailed-in-irans-evin-prison/

http://static.donquijote.org/images/tops/520/robertcapa.jpg

Milhares de pessoas compartilharam a imagem de uma criança síria com as mãos para cima, como se estivesse se entregando, ao confundir a câmera fotográfica com o cano de uma arma.
Mas quem fez este flagrante?
A imagem começou a viralizar no Twitter na terça-feira da semana passada, quando foi postada por Nadia Abu Shaban, uma fotógrafa baseada em Gaza.
A mensagem original foi retuitada mais de 11 mil vezes. "Estou chorando", "muito triste" e "a humanidade fracassou" foram alguns dos comentários.
Na sexta-feira, a imagem foi compartilhada no Reddit, onde recebeu mais de 5.000 votos positivos e 1.600 comentários.
Não demorou para que surgissem acusações de que a foto era falsa. Muitos no Twitter questionaram quem seria o autor da foto e por que a imagem havia sido postada sem crédito.
Nadia confirmou que não tinha tirado a foto, mas não sabia explicar quem havia feito a imagem.
No Imgur, um site de compartilhamento de imagens, um usuário pesquisou a origem da fotografia - um clipping de um jornal - e disse que ela era real, mas tirada "por volta de 2012". A mensagem também nomeou o fotógrafo: o turco Osman Sagirli.
A BBC conversou com Sagirl, que agora trabalha na Tanzânia, e desvendou o mistério.
A criança é uma menina, Hudea, de 4 anos. A imagem foi tirada no campo de refugiados de Atmeh na Síria, em dezembro do ano passado. Hudea viajou ao campo - a cerca de 10 km da fronteira turca - com a mãe e dois irmãos, a 150 km da cidade deles, Hama.
"Eu usei uma lente de telefoto e ela pensou que fosse uma arma", disse Sagirli.
"Depois que eu tirei, eu olhei [para a foto] e percebi que ela [a criança] estava assustada, porque ela mordeu os lábios e levantou as mãos. Normalmente, crianças correm, escondem os rostos ou sorriem quando veem uma câmera", disse.
Ele diz que fotos de crianças dos campos de refugiados são especialmente reveladoras.
"Você sabe que há pessoas que foram desalojadas nos campos. Faz mais sentido ver o que elas sofreram através das crianças e não dos adultos. São as crianças que refletem os sentimentos com a inocência que têm."
A imagem foi publicada inicialmente no jornal "Türkiye" em janeiro e foi amplamente compartilhada pelas redes sociais em turco, mas só na semana passada se tornou viral em mídias na língua inglesa.

domingo, 29 de março de 2015









http://globalvoicesonline.org/2015/03/26/sudan-turns-back-on-iran-joins-saudi-arabias-war-on-yemen/
Um fotógrafo capturou nesta sexta-feira (27), na Síria, a imagem de uma criança que se rendeu em frente sua câmera. Segundo informações do site Huffington Post, a pequena levantou os braços ao confundir a câmera com um rifle.
O fotógrafo que registrou a imagem queria retratar a realidade das crianças sírias, e não imaginou que a menina iria pensar que ele estava apontando uma arma para ela.
A fotografia mostra um exemplo de crianças que são marcadas desde muito jovens pela violência da sangrenta guerra civil que assola a região.
A imagem é a prova de que crianças de cinco anos já entendem como funcionam as armas e sabem como reagir para pedir socorro ou paz diante de um rifle.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) estima que cerca de 14 milhões de crianças são afetadas pelos conflitos na síria.

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Fluente em inglês e alemão, com formação na Europa e um emprego de prestígio em uma multinacional, Xiang Mei, 28, tinha tudo para acreditar no "sonho chinês" --a meta de sucesso repetida à exaustão como um dos slogans do Partido Comunista.
Mas, quando ficou grávida, ela e o marido decidiram dar à filha a chance de realizar o sonho americano. Faltando três meses para o parto, ela viajou para os EUA, onde deu à luz assistida por um médico de sua escolha fluente em mandarim. Ao embarcar em seus braços para Pequim, a filha tinha o passaporte americano.
A executiva faz parte de um fenômeno em alta na elite chinesa, disposta a pagar até US$ 50 mil (R$ 159 mil) para garantir um parto tranquilo e a nacionalidade americana para seus bebês. Os motivos variam, mas o principal é o desejo, geralmente inconfesso, de garantir porto seguro para os filhos no futuro.
Xiang Mei é nome fictício. Para ela e a maioria dos que aderem ao fenômeno, o sigilo é a regra, já que a prática é malvista pelo governo e a dupla nacionalidade é proibida na China. O passaporte americano fica escondido.
A executiva explica que a primeira motivação de ter a filha em Los Angeles foi escapar do ar poluído de Pequim. "Sei que a poluição é muito perigosa para grávidas, e não quis correr riscos", explica com voz suave, mas decidida.
Com um pouco mais de conversa, porém, ela admite que as sedutoras vantagens da nacionalidade americana pesaram na decisão.
Para começar, há mais liberdade para circular pelo mundo. O passaporte americano permite entrar em 172 países sem visto, contra apenas 44 no caso do chinês.
A impressão é de que, acima de tudo, está a incerteza sobre a vida na China. As preocupações vão da degradação ambiental ao risco de uma convulsão social, caso a economia entre em colapso. Também há os que viajam para ter o segundo bebê e escapar da política do filho único. "Nos próximos dez anos fico aqui, tenho bom emprego garantido pela cota para chineses em multinacionais. Mas em longo prazo não tenho segurança na China", diz ela. 

Pela lei dos EUA, bebês nascidos em solo americano, mesmo com pais estrangeiros, são automaticamente cidadãos do país. Conhecidos como "bebês âncora", eles têm direito a serviços de educação, saúde e outros benefícios sociais e, como todos os cidadãos, podem apadrinhar a entrada nos EUA de membros da família.
A legislação deu origem à indústria conhecida como "turismo de maternidade", que atrai pais de todo o mundo. E, como ocorre no turismo mundial como um todo, também nesse setor a maioria dos clientes é chinesa.
O crescimento do fenômeno é claro. Segundo dados oficiais divulgados pela revista "Globe", em 2006 apenas 600 mulheres chinesas viajaram aos EUA para dar à luz. Em 2014, o número chegou a 30 mil, e a previsão é de que poderá atingir 60 mil neste ano.
Para os interessados, não é difícil achar agências especializadas em cuidar de toda a logística. A maioria usa as redes sociais para anunciar seus serviços. Uma delas é a Mei Bao ("bebê bonito" em mandarim), que oferece três tipos de plano: Econômico, Conforto e Luxo, com preços que vão de US$ 10 mil (R$ 31,8 mil) a US$ 50 mil (R$ 159 mil), dependendo do nível das acomodações.
Além da tramitação do passaporte para o bebê, os pacotes incluem bilhetes aéreos, hospedagem e refeições por três meses em casas administradas por chineses. Os preços não englobam despesas médicas do parto, que em média ficam entre US$ 2.000 (R$ 6.300) e US$ 4.000 (R$ 12.700).
Em sua página no Wechat, a mais popular rede social chinesa, a Mei Bao usa de uma franqueza espantosa ao enumerar as vantagens de realizar o parto nos EUA.
Depois de citar o nível médico superior e a liberdade de viajar, a agência lembra que o bebê terá o direito de estudar em escolas e universidades dos EUA como qualquer americano, em vez de se submeter "à lavagem cerebral e à obsessão por exames" do sistema educacional chinês.
"Não queremos que nossas crianças experimentem a mesma tortura mental e esperamos que elas possam saber o que é a verdade", diz a agência, num tom de subversão incomum para os padrões reprimidos do ambiente social chinês.
O volume de chineses no turismo de maternidade cresceu tanto que as autoridades americanas começaram a apertar o cerco. Em 2013, pelo menos 18 estabelecimentos foram fechados em Los Angeles, cidade considerada o centro dessa indústria. No início deste mês, o FBI fez novas batidas em retiros para gestantes mantidos por agências chinesas.
Embora não seja ilegal viajar especialmente para ter o filho ou a filha em território americano, as autoridades detectaram uma série de irregularidades no negócio, da evasão de impostos à falsificação de documentos para a obtenção do visto de turista para as mães.

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O presidente do Iêmen, Abdo Rabbo Mansur Hadi, culpou diretamente os iranianos pelo conflito em seu país, chamando a milícia xiita houthi --que o obrigou a fugir-- de "fantoches do Irã" e exigindo que os ataques aéreos sauditas continuem até a rendição dos insurgentes.
Hadi participou neste sábado (28) de uma cúpula de países árabes em Sharm-el-Sheikh (Egito), iniciada três dias depois de a Arábia Saudita, vizinha do Iêmen e aliada dos EUA, começar a bombardear as posições dos rebeldes na capital Sanaa e em outras regiões iemenitas.
"Eu digo aos fantoches do Irã, aos seus brinquedos e àqueles que os apoiam: vocês destruíram o Iêmen com sua adolescência política, fabricando uma crise local e regional", discursou o presidente iemenita, que voltou à Arábia Saudita, onde está abrigado, após participar da cúpula.
O governo iraniano, que nega ajudar diretamente os insurgentes, não comentou as declarações.
Alguns líderes árabes presentes ao encontro acusaram o país persa de ingerência em outras nações do Oriente Médio, sem citá-lo pelo nome.
O presidente do Egito, Abdel Fattah al-Sisi, endossou resolução proposta por chanceleres na quinta-feira (26) para a criação de uma força militar conjunta e disse que o mundo árabe está sofrendo ameaças sem precedentes.
Também presente à reunião, o rei Salman, da Arábia Saudita, declarou que os ataques aéreos aos milicianos houthis não cessarão até que a segurança e a estabilidade sejam restauradas no Iêmen.
Um dos líderes houthis, Ali al-Emad, rebateu o presidente do Iêmen chamando-o de "fantoche dos sauditas". Segundo Emad, nada do que foi dito na cúpula surpreende.
Hadi fugiu do seu país na semana passada, depois que os rebeldes e forças leais ao ex-ditador Ali Abdullah Saleh, deposto durante a Primavera Árabe, se aproximaram da cidade de Áden, para onde o governo fora transferido.
Também neste sábado, o grupo extremista Hamas, que controla a faixa de Gaza, emitiu um comunicado apoiando Hadi contra os insurgentes. A nota foi recebida com surpresa.
As forças sauditas prosseguiram neste sábado com ataques aéreos a Sanaa, Áden e outras áreas do Iêmen.

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http://lerbd.blogspot.pt/2014/07/flowering-harbour-seiichi-hayashi.html



http://lerbd.blogspot.com.br/2015/03/the-man-next-door-masahiko-matsumoto.html

sábado, 28 de março de 2015


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https://vimeo.com/106676025

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http://www.sylvieguillem.com/sylvie/central

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Uma empresa chinesa comparou a Apple aos nazistas ao lançar uma campanha promocional do lançamento de um celular. O site de vídeos Leshi TV (LeTV) vai estrear no mercado de smartphones no dia 2 de abril. Para chamar a atenção, o fundador da companhia, Jia Yueting, postou na rede social chinesa Weibo a imagem de um desenho do ditador Adolf Hitler com uma roupa na qual o logo da Apple aparece no lugar da suática nazista. O cartaz traz ainda um texto em chinês que, segundo o site The Verge, compara o sistema iOS com o Android usando palavras como liberdade e crowdsourcing contra arrogância e tirania. “Sob o regime de dominação arrogante do iOS, que os desenvolvedores pelo mundo amam, apesar de odiar, estamos sempre cuidadosamente perguntando: esse tipo de inovação é normal?”, diz um texto de Jia Yueting que acompanha a publicação.

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Najat Vallaud-Belkacem falava sobre a crise de identidade de jovens muçulmanos franceses. "Quando esses jovens se sentem frustrados com a escola, procuram uma identidade em outro lugar e promovem sua identidade religiosa", disse a imigrante marroquina de 36 anos, a primeira ministra da Educação mulher da França. "Não é de surpreender que eles sejam impermeáveis aos valores republicanos."
Vallaud-Belkacem é considerada uma das estrelas em ascensão do Partido Socialista, que governa a França.
Atualmente, as escolas do país promovem um programa para ajudar a sanar as divisões religiosas e raciais do país, especialmente no rastro do atentado ao jornal satírico "Charlie Hebdo".
"A escola sempre foi um grande ator em minha jornada pessoal", disse Vallaud-Belkacem. "Permitiu que eu me abrisse para o mundo, e também me deu mobilidade social. Permitiu-me enriquecer, ler, aprender e compreender."
Vallaud-Belkacem recebeu a tarefa de construir pontes para os milhões de jovens muçulmanos que vivem marginalizados na França. Em janeiro ela anunciou um plano de 250 milhões de euros para treinar educadores a discutir o racismo e a transmitir em sala de aula os valores franceses do convívio, ou "vivre ensemble".
"Não é apenas a família que deve transmitir valores, mas também a escola", disse ela.
Vallaud-Belkacem disse que poderia ter crescido revoltada e descontente, pois também foi criada na pobreza, no lado excluído da sociedade francesa.
Ela passou sua infância em Beni Shiker, aldeia no Marrocos, onde falava berbere e cuidava de cabras na fazenda de seus avós.
Seu pai trabalhava na construção civil na França. Quando Najat tinha quatro anos, ela, sua irmã mais velha e sua mãe foram encontrá-lo. Seus outros cinco irmãos nasceram na França.
A menina cresceu em um bairro pobre de Abbeville, norte da França, e depois em Amiens.
Em sua família, os homens trabalhavam e as mulheres cuidavam das crianças. Seu pai era rígido e ela não podia namorar. Os livros tornaram-se sua escapatória, e a falta de atividades de lazer lhe forneceu uma oportunidade para se sair bem na escola.
Ela estudou direito e depois no Instituto de Estudos Políticos de Paris -um campo de treinamento para a elite política francesa-, onde conheceu seu marido, Boris Vallaud, que hoje é vice-chefe de Gabinete no Palácio do Eliseu.
As eleições de 2002 foram um ponto de virada. Ela se uniu ao Partido Socialista e rapidamente subiu na carreira política. Quando François Hollande disputava a Presidência em 2012, indicou Vallaud-Belkacem como sua porta-voz.
Depois da vitória de Hollande, ele a nomeou ministra dos Direitos das Mulheres e principal porta-voz do governo. No ano passado, Vallaud-Belkacem foi indicada ministra da Juventude e dos Esportes e chegou a ministra da Educação em agosto.
Os muçulmanos da França a criticaram por apoiar o secularismo francês em detrimento do islamismo. Ela nega e diz que afrouxou as restrições sobre as mães muçulmanas que usam lenços na cabeça durante atividades escolares, como excursões em campo.
Parte da imprensa conservadora também a criticou, chamando-a de "aiatolá", descreveu sua nomeação como uma "provocação" e previu que ela islamizaria as escolas francesas. Sua reação foi garantir a aprovação de leis que refletem o liberalismo secular do Partido Socialista e medidas para promover a igualdade de gêneros.
"Os debates políticos intermináveis estigmatizaram as famílias muçulmanas", disse ela.
"As escolas precisam ensinar às pessoas que todo mundo faz parte de uma comunidade e que somos todos livres e iguais."

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A burocracia chinesa é há muito tempo um labirinto confuso de "departamentos relevantes", carimbos vermelhos oficiais e funcionários públicos indiferentes.
Por exemplo, para conseguir uma placa para seu carro novo, um morador da capital, Pequim, tem que passar por uma loteria em que as chances de vitória não chegam a 1%.
Depois de casadas, as mulheres muitas vezes conseguem alvarás para dar à luz, mas o documento geralmente tem validade de apenas dois anos. Mulheres solteiras não têm direito à autorização.
Para começar em um emprego novo ou se cadastrar para receber benefícios públicos, é preciso acumular uma pequena montanha de documentos.
À medida que suas fileiras crescem, a classe média chinesa -cosmopolita, conectada e ambiciosa- é cada vez mais avessa a tolerar esses obstáculos, vestígios da burocracia da época de Mao, ainda instalada.
Para muitos chineses urbanos e de alto nível de instrução, a burocracia, mais ainda que a censura e a propaganda política, é um lembrete irritante do domínio do Partido Comunista sobre suas vidas.
"O governo não está aqui para facilitar nossas vidas", comentou a produtora de mídia Daisy Li, que tentou nove vezes obter um passaporte para sua filha, cujo pai é escocês.
"Ele criou essas regras todas para que seja mais fácil controlar o povo", disse.
Analistas dizem que essas frustrações alimentam a insatisfação pública, num momento em que o Partido se esforça para melhorar sua imagem, combatendo a corrupção e prometendo reduzir as restrições às pequenas empresas.
O slogan criado pelo presidente Xi Jinping para reduzir a burocracia no governo é "resolva imediatamente".
A liderança chinesa está percebendo que manter a classe média satisfeita é crucial para a sobrevivência do Partido Comunista a longo prazo.
Não são descabidos os receios em relação à turbulência social que pode ser criada pela elite urbana do país.
Ciente da exasperação crescente da população, o governo vem gradualmente aliviando algumas das restrições.
Contudo, como as modificações recentes na política nacional do filho único, tudo vem acompanhado de pilhas de papelada.
Segundo uma piada contada com frequência, a aprovação para um segundo filho leva tanto tempo para sair que os casais fazem bem em dar entrada no pedido antes de conceber, senão o bebê pode chegar antes do documento.
O especialista em política chinesa Minxin Pei, do Claremont McKenna College, na Califórnia, descreve a burocracia chinesa como um mecanismo de controle, de eficácia comprovada, que atua como "uma camada imóvel que isola o líder superior das pressões populares."
"O sistema é projetado para permitir que os burocratas não façam nada e não sejam onerados por isso", disse.
A teia estarrecedora de regulamentos enfurece muitos chineses. Um dos maiores alvos de seu repúdio é o "hukou", ou cadastro familiar.
Trata-se de um sistema sufocante, algo que se assemelha a um passaporte interno, que vincula o acesso a serviços como o ensino público, a assistência médica subsidiada e as pensões ao local de nascimento dos pais de cada cidadão chinês, mesmo que ele nunca tenha vivido nesse lugar.
Criado na década de 1950 com a finalidade de limitar a migração de camponeses para as grandes cidades, o sistema do hukou tornou-se alvo de repúdio generalizado nos últimos anos.
Centenas de milhões de migrantes se radicaram nas metrópoles chinesas, e críticos dizem que o hukou os converte em cidadãos de segunda classe e os sujeita à discriminação em matéria de escolas, habitação e emprego.
Daisy Li mudou-se para Pequim com seus pais em 1981, mas seu hukou está registrado numa cidade distante. Isso significa que, sem a autorização, seu filho não terá direito de estudar nas escolas públicas da capital.
Entre os 14 documentos exigidos para a concessão da autorização, Li precisa apresentar seu certificado de hukou, comprovante de residência, diploma, contrato de trabalho, registro de casamento, o documento de identidade de seu marido, o hukou dele, um comprovante de que ela tem apenas um filho e um documento da empresa registrando o desempenho dela no trabalho e o pagamento de seus impostos.
"Que dor de cabeça", disse Li. "A burocracia é boa para o governo, mas não para nós, chineses."

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Cantos e danças receberam um triunfante Binyamin Netanyahu em Eli, então um novo assentamento com 959 moradores, pouco depois de ele se tornar primeiro-ministro de Israel pela primeira vez, em 1996.
"Estaremos aqui permanentemente, para sempre", declarou o premiê na vizinha Ariel no mesmo dia, prometendo renovar a construção de comunidades judaicas no território que os palestinos planejavam e planejam para seu futuro Estado.
Disputando o apoio dos colonos antes da recente eleição em Israel, Netanyahu voltou em fevereiro a Eli, hoje uma cidade com mais de 4.000 habitantes que se estende por seis colinas entre aldeias e fazendas palestinas.
Sua presença foi uma declaração. Há dezenas de assentamentos isolados cuja expansão e fortalecimento ameaçam as perspectivas de uma solução de dois Estados para o conflito entre israelenses e palestinos, e Eli é um deles.
O crescimento constante de assentamentos em toda a Cisjordânia ocupada e Jerusalém oriental, que a maioria dos líderes ocidentais considera violações do direito internacional, complica ao mesmo tempo a criação de uma Palestina viável e o desafio de um dia desterrar os israelenses, que hoje estão criando a segunda e a terceira gerações em áreas disputadas.
Ao longo da estrada de Eli a Ariel, em uma tarde recente, um palestino conduzia vacas e adolescentes voltavam da escola para casa. No assentamento, um centro comunitário de 28 mil m2 e US$ 3,8 milhões estava em construção. Uma placa dizia: "Eli, um ótimo lugar para crescer".
Enquanto Netanyahu buscava seu quarto mandato, ele declarou que não permitiria o estabelecimento de um Estado palestino. Isto pareceu ser uma tentativa de capturar votos da direita. Depois da vitória, Netanyahu tentou desmentir sua declaração. "Eu quero uma solução pacífica e sustentável de dois Estados, mas para isso as circunstâncias têm de mudar", disse em uma entrevista.
O histórico de Netanyahu sobre assentamentos é um elemento central em seu relacionamento conturbado com Washington e está no centro das crescentes críticas europeias a Israel.
Uma análise de dados de planejamento, construção, população e gastos nas últimas duas décadas mostra que Netanyahu foi um construtor agressivo em seu primeiro mandato como primeiro-ministro, nos anos 1990, quando a população de colonos na Cisjordânia aumentou cerca de três vezes mais que o ritmo total de Israel.
Desde que voltou ao poder, em 2009, ele obteve um registro semelhante ao de líderes menos conservadores, com os assentamentos inchando duas vezes mais depressa que Israel como um todo. Netanyahu deu vários passos que tornam especialmente problemático desenhar um mapa com dois Estados, e declarou: "Não pretendo desmanchar qualquer assentamento".
Com as negociações estagnadas entre os palestinos e os israelenses, o número de colonos na Cisjordânia hoje supera 350 mil -incluindo cerca de 80 mil que vivem em assentamentos isolados como Eli e Ofra. Além disso, outros 300 mil israelenses vivem em partes de Jerusalém que Israel capturou da Jordânia na guerra de 1967 e que anexou ao seu território, em um gesto que a maioria do mundo considera ilegal.
"Todos os outros primeiros-ministros que construíram assentamentos conseguiram aplacar Washington ao participar de algum esforço significativo para negociar e concluir um acordo de paz com os palestinos", disse Aaron David Miller, que assessorou seis secretários de Estado americanos sobre o Oriente Médio. "Netanyahu nada fez nesse sentido."
Eleito pela primeira vez em 1996 com a promessa de reverter um congelamento de quatro anos na expansão dos assentamentos em quase todas as áreas, Netanyahu endossou o conceito de dois Estados ao recuperar o cargo máximo de Israel em 2009, dizendo em seu famoso discurso na Universidade Bar Ilan: "Não pretendemos construir novos assentamentos ou desapropriar mais terras para os assentamentos existentes".
Agora Netanyahu explica suas iniciativas de construção como uma acomodação inevitável ao crescimento natural e diz que só adicionou "algumas casas nas comunidades existentes". Ele refuta qualquer sugestão de que os assentamentos são o núcleo do conflito, notando que árabes e judeus disputavam essa terra muito antes que eles existissem.
Mas o americano que chefiou a última rodada de negociações fracassadas entre israelenses e palestinos, Martin S. Indyk, disse que a "atividade de assentamentos galopante" teve "um impacto drasticamente prejudicial".
Um relatório do grupo antiassentamentos Paz Agora mostrou que o governo emitiu licitações para a construção de 4.485 unidades em 2014. Dois terços da construção nos últimos dois anos, como mostra o relatório, estavam no lado palestino de uma linha traçada pela Iniciativa de Genebra, grupo de trabalho internacional que produziu um modelo de acordo em 2003.
A maior parte do crescimento foi em três blocos de assentamentos perto de Jerusalém e Tel Aviv definidos para trocas de terras com os palestinos em um futuro acordo de paz. Mas apesar de os líderes palestinos terem aceitado o conceito de trocas, nunca entraram em acordo sobre a marcação desses blocos -nem os EUA.
O maior assentamento e de mais rápido crescimento é Modiin Illit, um enclave ultraortodoxo pouco além da linha de 1967 que se espera de modo geral que continue em Israel. Hoje ele tem mais de 60 mil habitantes.
Netanyahu declarou diversas vezes que não criou qualquer novo assentamento, mas isso é uma questão de semântica. Não longe de Eli fica um pequeno lugar chamado Leshem, que começou há dois anos com 104 famílias. O governo diz que Leshem é um novo bairro do assentamento de Alei Zahav, que existe há várias décadas na mesma estrada. Há um surto de construção ainda maior alguns quilômetros a leste, em Bruchin, um dos três postos avançados legalizados retroativamente em 2012 por iniciativa do governo.
Um lugar onde há amplo consenso de que os assentamentos continuarão é o bloco de Etzion, que se estende ao sul de Jerusalém pela Rodovia 60. Havia comunidades judaicas por lá antes do estabelecimento de Israel em 1948. Mas nessa área também as iniciativas de Netanyahu aprofundaram o dilema para os emissários da paz. Efrat, com quase 10 mil moradores, é para os israelenses a capital do bloco de Etzion. Os palestinos, porém, não a aceitam como parte do bloco, porque fica no lado leste da Rodovia 60 -seu lado no mapa da Iniciativa de Genebra. Mas, nos últimos quatro anos, foram publicadas licitações para mais 1.100 novas unidades em Efrat, e a terra preparada estenderia o assentamento ainda mais para leste.
"O que você está fazendo é na verdade afetar a delimitação dos blocos, mas de modo unilateral", disse Gilead Sher, que lidera o grupo Futuro Azul e Branco, que pressiona pelo esvaziamento de alguns assentamentos e o reforço de outros. Sobre Netanyahu, ele acrescentou: "Ele fala sobre a solução de dois Estados, mas faz tudo o que está a seu alcance para deslegitimar essa solução".
São poucos os colonos que veem Netanyahu como um salvador. Dani Dayan, líder do conselho de colonos, disse que Netanyahu vê os assentamentos como "uma ferramenta política", não como uma questão de princípios.
No início de seu primeiro mandato, Netanyahu assinou o acordo de Hebron, retirando israelenses de 80% da cidade bíblica. Mais ou menos na mesma época, porém, ele aprovou Har Homa, um novo bairro no sul de Jerusalém que os palestinos -com os EUA e a Europa- contestaram por bloquear o acesso entre Belém e Jerusalém oriental, que eles reivindicam como sua futura capital. Har Homa tem mais de 25 mil moradores hoje.
"O que está impedindo uma solução do conflito é a recusa a reconhecer Israel como o Estado do povo judeu, certamente não a construção em Gilo", disse Netanyahu em 2013, referindo-se a um bairro de Jerusalém perto de Har Homa.
Foi o anúncio de 700 novos apartamentos em Gilo em 2014 que fez John Kerry, o secretário de Estado americano, desistir de sua iniciativa de paz.
Netanyahu disse, alguns meses depois: "Os franceses constroem em Paris, os ingleses constroem em Londres e os israelenses constroem em Jerusalém".

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Uma egípcia que viveu fingindo ser homem durante 40 anos para sustentar a família recebeu um prêmio do presidente Abdel Fattah al-Sisi depois de ser escolhida "melhor mãe do país".
A história de Sisa Gaber Abu Douh, 65 anos, teve repercussão global nos últimos dias.
Ela se viu viúva aos 21, quando estava grávida da filha, e não tinha nenhuma fonte de renda.
Sisa vem de uma camada menos favorecida da sociedade egípcia, que não aprova que as mulheres trabalhem. E, há 40 anos, a situação era ainda pior.
Ela também enfrentou forte pressão da família, que queria que ela se casasse novamente."O tempo todo meus irmãos me traziam novos 'noivos'", disse ela ao jornal britânico "The Guardian". Mas Sisa recusou os candidatos e resolveu se disfarçar de homem para conseguir emprego.
Ela raspou a cabeça, passou a usar um turbante e roupas largas para disfarçar suas formas. Vestida de homem, ela encarou trabalhos pesados, carregando tijolos e sacos de cimento.
"Preferi fazer trabalho pesado, como levantar tijolos e sacos de cimento e engraxar sapatos, do que pedir esmolas nas ruas, para ganhar um sustento para mim e para minha filha e os filhos dela", disse ela à rede de TV Al-Arabiya.
"Então, para me proteger dos homens, de seus olhares e (evitar) ser um alvo deles por causa das tradições, decidi ser um homem... e vesti as roupas deles e trabalhei com eles em outros vilarejos, onde ninguém me conhecia", afirmou.
"Quando uma mulher desiste da feminilidade é difícil. Mas eu faria qualquer coisa pela minha filha. Era a única forma de ganhar dinheiro. O que mais eu poderia fazer? Não sei ler nem escrever, minha família não me mandou para a escola, então esse era único jeito", disse Sisa ao "The Guardian".
No entanto, algumas pessoas perceberam que Sisa era uma mulher.
"Nunca escondi. Não estava tentando manter um segredo", disse ela.
Depois de receber o prêmio do presidente, Sisa afirmou que vai continuar se vestindo como homem.
"Decidi morrer nessas roupas. Eu me acostumei. É a minha vida inteira e não posso mudar agora."

segunda-feira, 23 de março de 2015

CECÍLIA QUE MANDOU:

 
Links do Human Connection 2014:
http://www.theoilersrig.com/wp-content/uploads/2014/05/connections-image1.jpg
Folha de São Paulo
23 de março de 2015
http://www.svd.se/migration_catalog/881736.svd/representations/c/sz103d25
Minha história - Samar Badawi, 34
A ativista que desafiou a poderosa monarquia árabe ao lutar por poder dirigir e votar --algo vetado a mulheres-- agora busca libertar seu marido e o irmão, blogueiro condenado a mil chibatadas
ROBSON RODRIGUESCOLABORAÇÃO PARA A FOLHA
RESUMO A saudita Samar Badawi, 34, sofreu abusos do próprio pai, foi obrigada a casar com um homem que não amava e ainda foi presa acusada de tentar destruir a cultura árabe e sujar a imagem do país. Hoje, ela luta para tirar da prisão o irmão, o blogueiro Raif Badawi, 31, condenado a dez anos e mil chibatadas, e o marido, o advogado e ativista de direitos humanos Waleed Abulkhair, 36, sentenciado a 15 anos.
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Apesar de todos os estereótipos que o Ocidente criou acerca da cultura árabe, a realidade é que horrores ainda acontecem em pleno século 21. Comigo não foi diferente. Quando eu tinha 13 anos, minha mãe morreu e passei a viver só com meu pai.
Foram 15 anos sendo estuprada por ele, e ainda fui obrigada a ficar seis anos casada com um homem que não amava, escolhido pelo meu patriarca em um matrimônio marcado pela truculência.
Quando já não aguentava mais, decidi fugir para um abrigo e denunciei a violência que sofria. Acabei sendo presa por sete meses por desobediência.
Nesse período de reclusão, conheci mulheres em situações piores que a minha.
Elas estavam detidas havia anos. Já haviam cumprido a pena, mas não podiam ser libertadas porque não havia nenhum homem que se responsabilizasse por elas, pois na Arábia Saudita é costume que o homem tenha a guarda da mulher.
Parte desse terror só chegou ao fim quando meu pedido de divórcio foi aceito, uma condição muito difícil de conseguir.
Um tio se tornou meu novo guardião masculino. Em 2011, cometi um ato considerado ultrajante, ofensivo e que poderia me levar à prisão: outras mulheres e eu entramos em carros.
Sim, na Arábia Saudita, dirigir é um ato exclusivamente masculino.
No mesmo ano, eu denunciei o Ministério do Interior por proibir mulheres de dirigir, ato judicial sem precedentes na história do meu país.
Estou lutando por coisas que, para as mulheres brasileiras, são mínimas.
A mulher na Arábia Saudita não pode ir ao mercado, ao médico, viajar, decidir com quem se casar ou estudar sem a permissão de um homem, de um tutor, seja ele o pai, o marido, ou até mesmo algum filho adulto.
Existem meninas proibidas de ir à escola e condenadas ao analfabetismo; mulheres impedidas de trabalhar e de andar sozinhas, viúvas que, sem poder ganhar o sustento, dependem de esmolas e de casamentos arranjados para sobreviver.
Hoje sou uma das poucas mulheres da Arábia Saudita que sabem dirigir. Faço parte de um pequeno grupo que se separou do primeiro marido e conseguiu casar novamente, desta vez com o homem que eu escolhi, e também a primeira mulher a garantir o direito ao voto no meu país.
PERSEGUIÇÃO
As leis do meu país exaltam a segregação de gêneros em espaços públicos e a repressão.
As regras são regidas pela doutrina do wahabismo, uma interpretação ortodoxa e ultraconservadora do Islã, que tem forte influência no clã Al-Saud, que governa o país.
A Arábia Saudita é país islâmico, e o Islã é uma religião de valores adoráveis que prega o amor e a paz, mas o governo usa o wahabismo como quer.
O Alcorão é a fonte da Constituição oficial e do direito civil, o que torna o país uma monarquia absolutista teocrática, a única do mundo a transformar um texto religioso em político e em um instrumento do fanatismo dogmático.
Contrariar qualquer dessas regras pode significar punições severas.
Isso aconteceu com meu irmão, Raif Badawi, criador do blog Free Saudi Liberals.
Ele foi acusado de crime cibernético e condenado a passar dez anos na prisão, pagar uma indenização de valor equivalente a US$ 266 mil (cerca de R$ 850 mil) e receber mil chibatadas.
Essa é uma forma de punição cruel e desumana, proibida pela Lei Internacional de Direitos Humanos.
Estou muito preocupada com o futuro dele. O primeiro açoitamento público aconteceu e ele recebeu 50 chibatadas. E continuará sendo açoitado até completar o número total.
O governo adiou uma nova rodada porque o médico que o examinou disse que ele não aguentaria um novo açoitamento.
Meu marido, o advogado Waleed Abu Al-Khair, passa por uma situação parecida. Antes de ser preso, ele trabalhava em defesa dos direitos humanos, representando meu irmão e também outras vítimas de violações.
O governo o sentenciou a 15 anos de prisão por postar uma mensagem no Twitter em que falava de seu trabalho e de como é difícil a vida na Arábia Saudita.
A rigidez do governo chega a tal ponto que a Justiça nos acusa de sujar a imagem do país, como se fôssemos terroristas.
MAIS RIGIDEZ
Com a morte do antigo rei Abdullah bin abdul Aziz [em 23 de janeiro], o meio irmão dele, Salman, assumiu o trono e promete ser ainda mais rígido. Temo ser presa a qualquer momento.
Isso só não aconteceu ainda por pressão internacional e ajuda do diretor da Organização Europeia para os Direitos Humanos na Arábia, Ali Adubisi, mas estou proibida de sair do país por causa do discurso que fiz no Conselho de Direitos Humanos, em Genebra, na Suíça [em setembro do ano passado, quando denunciou a falta de liberdade de expressão em seu país].
Ao todo, 26 pessoas foram mortas pela polícia em protestos pacíficos, e o número de detenções arbitrárias e julgamentos injustos contra ativistas só aumenta.
O governo sentenciou nove manifestantes à morte pela lei antiterrorismo, como Sheikh Nimr Baqir AlNimr, Ali Mohammed AlNimer, Daoud Hussein AlMerhoo, entre outros.
Os dois últimos eram menores de idade quando foram presos e estão no corredor da morte apenas aguardando a execução.
O caminho para uma solução na Arábia Saudita ainda é longo, mas a Primavera Árabe causou uma grande sensibilização na comunidade.
Não vou parar de exigir a libertação imediata de todos os presos políticos, o fim de todas as formas de tortura, a reforma das leis que restringem os direitos das mulheres sauditas e a abolição da tutela masculina.
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sábado, 21 de março de 2015

ENCONTROS DO CEO

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27/03, SALA 4A-07, 13:00

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Em termos de polêmicas religiosas, esta é relativamente pequena. Mas a pergunta não pode deixar de ser feita: é ético comer um chocolate com o formato de uma figura divina?
A questão surgiu na pequena confeitaria Bond Street Chocolate, em Manhattan, que vende imagens de chocolate de Jesus, Moisés, Buda e Ganesh, o deus hindu com cabeça de elefante.
No mês passado, a organização Sociedade Universal de Hinduísmo anunciou: "Hindus indignados pedem o fim da venda de figuras comestíveis de chocolate na forma do Senhor Ganesh".
Lynda Stern, proprietária da loja, ficou perplexa. Há mais de cinco anos ela vende a figura de Ganesh, salpicada de grãos dourados, e de outras figuras religiosas, além de bombons de maracujá e ervilhas secas temperadas com raiz-forte japonesa, tudo isso sem provocar controvérsia.
No release da Sociedade Universal de Hinduísmo, o presidente da entidade, Rajan Zed, escreveu que Ganesh, o deus que derruba obstáculos, "é profundamente reverenciado no hinduísmo e deve ser adorado em templos e santuários domésticos, não ser comido."
Mas Stern, cuja figura de Ganesh com quase oito centímetros de altura é vendida por US$ 15, não pretende desistir.
"Todos os ícones espirituais recebem o mesmo tratamento em minha loja", disse. "São tratados com honra e respeito."
A questão de se as estátuas de chocolate ofendem os devotos, ou não, divide opiniões.
"Nós, hindus, consideramos o Universo eterno e deus todo-poderoso como um só", disse Uma Mysorekar, presidente da Sociedade do Templo Hindu da América do Norte, em Nova York. "Portanto, não diríamos que o deus está apenas naquele pedacinho de chocolate. Seria mais correto dizer que, quando o chocolate é comido, o deus retorna a nós -ele está em nosso interior."
A Coleção Divina da loja também inclui uma figura de dez centímetros da Virgem de Guadalupe. O reverendo Santiago Rubio, pastor da Igreja de Nossa Senhora de Guadalupe, em Nova York, não gostou de ser informado disso. "Consideramos estátuas e imagens objetos sagrados que nos ajudam a entrar em contato com o divino ou o sobrenatural", disse. "Convertê-los em mercadorias, em chocolates, não é a melhor opção."
Mas um porta-voz da arquidiocese católica de Nova York, Joseph Zwilling, recordou um jantar promovido por uma organização católica em que os convidados ganharam figuras da Virgem Maria feitas de chocolate branco. "Acho que não há nada de inerentemente sacrílego nisso", disse Zwilling, aludindo ao Jesus de chocolate vendido por Lynda Stern. "O que importa é a intenção da pessoa."
O lama budista tibetano Hun Lye disse que, segundo um texto budista antigo, "Guia ao Modo de Vida do Bodhisattva", "aqueles que se incomodam quando Buda está sendo insultado não deveriam se considerar discípulos de Buda". "É o texto favorito do dalai-lama", falou. "Mas você provavelmente não verá o dalai-lama comendo esse chocolate."

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Helicópteros do governo lançaram uma chuva de bombas sobre vilarejos em toda a Síria no início de março, exterminando civis e demolindo casas. Centenas de combatentes morreram em batalhas que não mudaram as linhas de frente de lugar. Ativistas disseminaram nas redes sociais vídeos mostrando sírios famintos e exaustos devido à guerra.
"Não podemos nos mexer. Não podemos andar", disse um idoso exaurido em um vídeo filmado perto da capital, Damasco. "Esta situação não vai funcionar."
Mas uma das indicações mais marcantes das consequências dos quatro anos de conflito no país veio do Espaço, com novas imagens de satélites mostrando que a destruição maciça e o deslocamento populacional apagaram mais de quatro quintos das luzes do país.
A revelação veio de uma análise feita por Xi Li, da Universidade Wuhan (China) e da Universidade de Maryland.
O conflito sírio começou quatro anos atrás com protestos pedindo reformas políticas. As manifestações foram inspiradas pelos levantes da Primavera Árabe ocorridos em outros países do Oriente Médio. De lá para cá o conflito se transformou: o ditador Bashar Al-Assad lançou mão de soldados e capangas para sufocar os protestos; a oposição pariu grupos rebeldes armados; potências estrangeiras enviaram assistência militar, e a violência resultante disseminou o caos por grandes trechos do território sírio, permitindo que grupos extremistas estabelecessem bases e aumentassem seu poder.
A Síria ingressa em seu quinto ano de conflito com poucos sinais de que a guerra vá terminar em breve. Esforços internacionais para reunir as partes para negociações de paz estagnaram, e o enviado das Nações Unidas, Staffan de Mistura, conseguiu poucos avanços mesmo para a modesta meta de obter um cessar-fogo de curto prazo em apenas uma das muitas cidades que se converteram em campos de batalha.
Em vez disso, as atenções internacionais se deslocaram para a ação militar contra extremistas da facção Estado Islâmico, que controla partes da Síria e do Iraque.
Organizações humanitárias dizem que a ascensão do Estado Islâmico não apenas impôs miséria e violência às comunidades dominadas pela facção, mas também desviou a atenção internacional de uma crise humanitária crescente que vem se fazendo sentir cada vez mais longe das fronteiras da Síria. No ano passado, por exemplo, o número de migrantes ilegais que atravessam o Mediterrâneo em direção à Europa alcançou níveis recordes. Muitas das pessoas que tentaram fazer a travessia, frequentemente letal, eram sírias.
Cerca de metade da população síria de antes da guerra já abandonou o país, segundo a ONU, e quase 4 milhões de pessoas se tornaram refugiadas no exterior, impondo ônus pesados a países vizinhos como a Turquia, a Jordânia e o Líbano.
Um estudo do Centro Sírio de Pesquisas Políticas concluiu que a educação no país se encontra em "estado de colapso", que 6% dos sírios foram mortos ou feridos e que a expectativa de vida caiu 20 anos desde 2010. "Os números são estarrecedores", disse Valerie Amos, coordenadora de assistência emergencial da ONU que está próxima de deixar o cargo. "São tão estarrecedores que praticamente deixaram de fazer sentido para as pessoas."
A vida se tornou difícil mesmo em áreas que não são diretamente ameaçadas pela violência. Moradores de Damasco, sob controle firme de forças governamentais e milícias ligadas ao governo, já se acostumaram às filas longas, aos preços em alta constante e à escassez de gasolina, de óleo para aquecimento e até mesmo de pão. Muitos dizem que a guerra feriu a ordem social, conferindo a homens armados uma vantagem sobre todo o resto da população.
As esperanças de que a situação pudesse melhorar cresceram por pouco tempo um ano atrás, quando o Conselho de Segurança da ONU aprovou sua primeira resolução sobre a Síria, pedindo acesso livre à assistência humanitária. Outra resolução autorizou envios de ajuda humanitária por fronteiras não controladas pelo governo sírio.
Recentemente, porém, uma coalizão de 21 organizações humanitárias divulgou um relatório dizendo que as resoluções não chegaram a fazer muita diferença.
"Há mais morte, mais deslocamentos, um aumento das restrições impostas por países vizinhos, e a situação dos refugiados e dos deslocados internos na Síria se tornou ainda mais desesperadora", disse Daniel Gorevan, responsável pela política para a Síria da Oxfam, um das entidades que participou do relatório.
A maioria dos refugiados sírios no Líbano diz que ainda espera voltar para casa algum dia, mas alguns acham que isso não vai acontecer.
"Eu já desisti da esperança de voltar algum dia", comentou Farid Qassim, 29. "A guerra na Síria nunca vai acabar".

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Os líderes do Partido Comunista Chinês temem que o dalai-lama não tenha uma vida após a morte. As autoridades estão tão preocupadas que elas já advertiram o líder religioso várias vezes de que ele deve reencarnar, e sob suas condições.
As tensões sobre o que acontecerá quando o 14° dalai-lama, que está com 79 anos, morrer, e particularmente sobre quem decide quem o sucederá como líder mais destacado do budismo tibetano, intensificaram-se na reunião anual dos legisladores chineses em Pequim, recentemente.
As autoridades defenderam o argumento de que o governo comunista é o guardião da sucessão do dalai-lama, decidida após um intricado processo no qual os lamas (monges graduados) visitam um lago sagrado e interpretam sonhos.
Funcionários do PC se irritaram com os rumores de que o dalai-lama poderia encerrar sua linhagem espiritual e não reencarnar. Isso atrapalharia os planos do governo chinês de elaborar uma sucessão que produziria um 15° dalai-lama que aceita a presença da China e suas políticas no Tibete.
Zhu Weiqun, autoridade do Partido Comunista que há muito tempo lida com questões tibetanas, disse a repórteres em Pequim que o dalai-lama não tem poder de decisão sobre sua reencarnação.
Isso caberia em última instância ao governo chinês, disse ele, segundo uma transcrição de seus comentários no site do "Diário do Povo", o principal jornal do partido.
"O poder de tomar decisões sobre a reencarnação do dalai-lama, e sobre o fim ou a sobrevivência dessa linhagem, está com o governo central da China", disse Zhu.
Zhu acusou o dalai-lama de desrespeitar tradições sagradas. "Em termos religiosos, é uma traição à sucessão dos dalai-lamas no budismo tibetano", disse ele.
O ex-governador da região autônoma do Tibete, Padma Choling, disse que o dalai-lama havia profanado a fé budista tibetana ao sugerir que ele poderia não reencarnar.
A ideia das autoridades do Partido Comunista, que defendem os preceitos da reencarnação e atiram acusações de heresia contra o líder tibetano, poderia fazer Karl Marx revirar em sua tumba. O partido está comprometido com o ateísmo em suas fileiras, embora aceite a crença religiosa no público.
Lobsang Sangay, o primeiro-ministro do governo tibetano no exílio, disse: "É como se Fidel Castro dissesse: 'Vou escolher o próximo papa e todos os católicos terão de aceitar'. É ridículo".
Mas a disputa tem implicações profundas para Pequim e seu poder nas áreas tibetanas, onde os protestos puseram em foco um descontentamento fervilhante. Líderes do partido prefeririam se inserir discretamente em um processo de sucessão que encerra o pleno peso da tradição tibetana, ao instalar um novo dalai-lama por decreto.
Por isso, se o atual líder tibetano usar seu poder para anular o processo histórico de seleção, a China enfrentará a perspectiva de um constante descontentamento após sua morte.
Seria basicamente o último ato de desafio do dalai-lama, que fará 80 anos em julho e vive em exílio desde 1959.

sábado, 14 de março de 2015


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Faheema estava de pé no pátio do casarão, trêmula, à espera do reencontro com sua família. Respirou fundo e correu para dentro, com a abaia preta esvoaçando ao seu redor, e então caiu no chão, aos pés do tio. As recriminações foram imediatas.
"Como você pôde fazer isso?", disse o tio. "Você sempre foi tão doce com todos. Como pôde ter feito isso?"
O que Faheema, 21, fez foi fugir da sua casa, no leste do Afeganistão, com o homem que amava. Ela deixou para trás sua numerosa família e o rapaz ao qual havia sido prometida. As palavras do seu tio, apesar de ternas, acarretavam um perigo: Faheema precisaria voltar para casa.
Para uma moça do interior, voltar para casa depois de fugir com um homem equivale a atravessar uma rua movimentada com os olhos vendados -é grande a probabilidade de que ela seja morta.
Faheema (que, como muitos afegãos, usa só um nome) teve sorte, pois foi acolhida em um abrigo para mulheres, um dos cerca de 20 que, na última década, protegeram milhares de afegãs ameaçadas de morte por seus familiares.
Esses abrigos, financiados principalmente por doadores ocidentais, são um dos mais bem-sucedidos -e provocativos- legados da presença ocidental no Afeganistão, por difundir a ideia de que as mulheres são capazes de fazer suas próprias escolhas. Com isso, colocam em xeque o controle dos homens sobre a ordem social. Eis uma ideia revolucionária por aqui -e ainda mais transgressora que a democracia ocidental.
Com a proliferação dos abrigos, cresce também a oposição de homens que veem esses locais como ataques ocidentais à cultura afegã. "Aqui, se alguém [uma mulher] tenta deixar a família, está rompendo a ordem familiar. Isso é contra as leis islâmicas e é considerado uma desgraça", afirmou o imã Habibullah Hasham, da mesquita Nabi, na zona oeste de Cabul.
A oposição também parte de dentro do governo. Os legisladores quase proibiram os abrigos em 2011. Em 2013, estiveram próximos de revogar uma lei que proíbe a violência contra as mulheres. Acabaram recuando por causa da pressão da União Europeia e dos Estados Unidos.
Agora, com a redução da presença ocidental no Afeganistão, o choque ideológico a respeito do lugar da mulher coloca em risco muitas das conquistas femininas obtidas após a invasão americana de 2001. Muitos afegãos rejeitam as duras restrições às mulheres impostas pelo Taleban, as quais contribuíram para galvanizar o apoio internacional à guerra, mas a noção de que as mulheres devem se submeter aos homens continua amplamente vigente no Afeganistão.
"A maioria das pessoas ainda tem pontos de vista conservadores e tradicionais sobre as mulheres", disse Manizha Naderi, diretora da ONG Mulheres pelas Mulheres Afegãs, que opera abrigos ou outros programas em 13 províncias.
Muitas mulheres ganharam a liberdade graças aos abrigos, mas outras permanecem num limbo, a salvo das suas famílias durante algum tempo, mas impossibilitadas de sair, pois não são aceitas nem por suas famílias nem pela sociedade. Naderi estima que cerca de 15% das mulheres em seus abrigos não podem sair -nunca.
Acima de tudo, Faheema queria evitar o mesmo destino que coube a Amina, jovem de 18 anos que fugiu em 2013 de sua família, na província de Baghlan, depois de ser informada de que teria de se casar com um homem mais velho.
Amina chegou à capital provincial e foi apanhada pelo serviço de inteligência afegão. Diferentemente do que acontece com outras fugitivas, vistas como mulheres corrompidas e propensas a serem molestadas por policiais, ela não sofreu abusos. Foi levada à sede provincial do Ministério da Mulher.
As autoridades de lá a enviaram para o único abrigo da província. Mas, depois de uma ou duas noites, a família dela apareceu. Os parentes se comprometeram a não fazer mal a Amina se ela voltasse para casa com eles, uma promessa que foi repetida em vídeo após uma reunião com a chefe provincial do ministério, Khadija Yaqeen.
Mas Amina não chegou à sua casa. Nove homens abordaram o veículo, não muito longe do lugar onde ela morava, a retiraram do carro e atiraram nela, segundo o relato da família. A polícia e ativistas dos direitos femininos duvidaram da história. Por que homens armados retirariam uma única moça do carro e atirariam nela? Por que a família não estava exigindo vingança?
A resposta apontava para algo muito mais sinistro do que um ataque fortuito. "Essa é a percepção: uma vez que ela deixa a família, está nas mãos de outros, e eles podem fazer o que quiserem com ela -abusar sexualmente dela-, porque ela deixou o círculo familiar", disse o imã Hasham, em Cabul. Pelos costumes tribais, o chamado assassinato de honra é a única maneira de erradicar a vergonha.
O chefe de polícia da província de Baghlan acha que o irmão de Amina está envolvido no assassinato, mas disse que houve relatos conflitantes. O Ministério da Mulher não se empenhou para que suspeitos fossem presos.
Yaqeen disse que Amina pediu para ir embora com sua família. "Ninguém tinha batido nela", afirmou, "então eu não tinha justificativa para mantê-la".
A funcionária admitiu ter recebido um telefonema de um membro do conselho provincial, mas disse que este se limitou a pedir que ela conversasse com a família da moça, que havia viajado à capital da província para levá-la de volta. Os membros dos conselhos provinciais afegãos costumam ser deferentes aos desejos das famílias poderosas, que num caso como esse se mostram ávidas por limpar sua honra.
Yaqeen disse que Amina tomou a decisão sozinha. "Fizemos tudo de acordo com as regras e regulamentos", insistiu ela. "Esse é um problema da sociedade."
Faheema tinha certeza de que sua família não iria poupá-la se ela deixasse o abrigo e voltasse para casa. "Tive um problema com o meu pai", contou. "Ele me prometeu ao filho do meu tio, e eu não estava feliz de me casar com ele, então me casei com outro homem."
Seu pai lhe avisou que havia comprado uma arma. "Se eu encontrar vocês, eu mato os dois", disse ele, antes de Faheema fugir.
Faheema entende que está sendo ameaçada por sua própria família. Isso é muitas vezes o primeiro passo para conseguir se salvar.
Diferentemente do que acontece no Ministério da Mulher em Baghlan, onde Amina teve apenas um encontro com sua família antes de ser devolvida, o Mulheres pelas Mulheres Afegãs exige várias sessões com a moça, sua família e um mediador antes de ela ser autorizada a voltar para casa. Se a equipe não estiver convencida de que a jovem estará segura, a mantêm no abrigo enquanto julgarem necessário.
A terceira sessão de Faheema com sua família envolveu sua mãe, uma irmã mais nova, um irmão mais novo e o irmão do noivo desprezado, que já havia estado num encontro anterior. Houve gritaria e situações de quase violência física. "Minha filha quer ir com a gente", disse a mãe. "O pai dela está no hospital agora."
A mãe se voltou para Faheema e disse: "Vamos divorciar você desse sujeito", referindo-se ao homem com quem Faheema fugiu. O irmão do noivo e a mãe dela disseram que a apoiariam se ela quisesse se casar com outra pessoa.
Nuria Kohistan, a mediadora, comentou em voz baixa: "Estão dizendo essas coisas, mas assim que conseguirem a custódia dela vão matá-la".
Quando ficou evidente que o abrigo não liberaria Faheema, a mãe dela tentou oferecer um suborno. Então ela se voltou para a filha, quase cuspindo ao falar. "Você conhece o seu pai, conhece o caráter do seu pai", disse. Agarrando Faheema, a puxou da cadeira. "Ele vai me matar. Você pode ir até o meu túmulo amanhã."
Faheema puxou o braço das mãos da mãe e correu para o porão. A mãe foi impedida de entrar, e Faheema se trancou lá dentro e chorou copiosamente.
As mulheres no abrigo de longa permanência se aninham umas às outras no escuro, e com suas vozes tentam espantar os pesadelos. Os tormentos que elas suportaram nas mãos das suas famílias estão inscritos em seus corpos.
Cicatrizes de faca atravessam rostos e pescoços. Agressões com correntes marcam as costas. Algumas mancam por causa de ossos quebrados e nunca devidamente consertados. Várias faces estão corroídas pelo ácido, uma das armas favoritas por aqui.
Há 26 mulheres no abrigo de longa permanência mantido pela Mulheres pelas Mulheres Afegãs em Cabul. Se a família de Faheema prosseguisse com suas ameaças, o abrigo se tornaria o lar dela.
Aqui, a maioria das mulheres sente um alívio profundo. Nenhuma delas é agredida. Há comida suficiente. As tarefas são divididas e, acima de tudo, existem opções -algumas decidem frequentar a escola. Uma tem um emprego como faxineira, outra costura enquanto cuida da filha de seis anos.
É extremamente raro que uma mulher viva sozinha aqui no Afeganistão, por isso a equipe se esforça em ajudar as mulheres a recriar suas famílias quando elas são rejeitadas pelas originais. "Às vezes conseguimos encontrar maridos", disse Naderi. "Já casamos umas 10 ou 11, mas é difícil."
Ativistas dos direitos femininos enxergam algumas mudanças. "Atualmente as mulheres estão encontrando uma voz", disse Soraya Sobrang, da Comissão Independente Afegã de Direitos Humanos. "E elas também querem ter direitos e poder de decisão."
A batalha entre as tradições e a consciência ainda nova e frágil acerca dos direitos femininos continua. Um comitê governamental investigou os abrigos depois que um programa de televisão os acusou de obrigar mulheres agredidas a se prostituir. A comissão constatou que a maioria dos abrigos era bem administrada.
O resultado significa que o governo não irá fechar as casas de proteção, mas que há pouco apoio da opinião pública para que se gaste dinheiro com elas.
Naderi conta com financiamento do governo americano para cobrir quase 90% do seu orçamento. O restante vem de doadores, principalmente estrangeiros.
As mulheres dentro da casa de passagem compreendem os riscos que as aguardariam do lado de fora. "Não posso ir sozinha a lugar nenhum", disse Mariam, 22, que escapou de um marido abusivo filiado ao Taleban. "Todo mundo gosta de ter liberdade, mas eu não posso ter a minha."
Faheema afinal pôde deixar o abrigo, com a ajuda de um advogado contratado pela Mulheres pelas Mulheres Afegãs. Um tribunal reconheceu o casamento dela com seu marido, Ajmal, e o procurador-geral determinou que os dois deveriam morar em Cabul.
Mas não se trata exatamente de um final feliz.
Embora estejam apaixonados, vivem aterrorizados pela ideia de serem encurralados por um parente de Faheema que poderia surrá-los ou matá-los. O casal vive na pobreza porque Ajmal precisou fechar a loja que possuía na sua cidade natal, Ghazni, e não pode mais voltar para lá devido ao receio de ser morto.
"Vivemos com medo e nos escondendo", disse ele. Três vezes por dia, quando ele sai para comprar pão, se flagra olhando nervosamente ao redor para ver se algum parente de Faheema está de tocaia.
Ele se preocupa com sua mãe, viúva, e suas duas irmãs, que ainda moram em Ghazni. Quando tinha uma pequena loja de cosméticos na cidade, contribuía para o sustento da família. Mas, agora, o sustento da família depende totalmente dos parcos rendimentos da mãe dele como costureira.
Mas nada disso enfraqueceu a determinação do casal.
Faheema tentou selar a paz entre as duas famílias, e eles telefoneram para o enfurecido pai dela, no qual imploraram que ele se reunisse com os anciões do clã de Ajmal. Mas seu pai se recusou, dizendo que a única coisa que poderia satisfazê-lo seria se esse outro clã lhe entregasse uma filha que se casasse com seu filho ou com seu sobrinho, em troca de Ajmal ter ficado com Faheema.
Apesar das dificuldades, Faheema espera que suas irmãs e primas tenham a coragem de exigir que suas famílias as consultem antes de prometê-las em casamento. "Minha mensagem ao meu pai é que ele deveria perguntar aos seus filhos antes de tomar qualquer decisão sobre a vida deles", afirmou Faheema.

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O público do auditório Vahdat, em Teerã, ficou de pé e bateu palmas com entusiasmo para Bob Belden, 58, saxofonista líder da banda Animation.
"We love you, Bob!", gritou um espectador quando ele terminou a terceira música da noite.
Esse respeitado compositor, jazzista e produtor ganhador do Grammy então disse: "É uma honra absoluta estar aqui, no Irã".
A recente apresentação foi a primeira de um músico americano no Irã desde a revolução de 1979. Funcionários do Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica estavam sentados na primeira fila do teatro de 1.200 lugares, balançando a cabeça ao ouvir temas de Miles Davis, Herbie Hancock e do próprio Belden.
O show em Teerã encerrou uma curta e agitada turnê por um país que oficialmente considera os Estados Unidos como seu inimigo, mas onde as pessoas se desdobram para agradar estrangeiros, especialmente quando são americanos.
"Um iraniano chega até mim e me pergunta de onde eu sou. Eu digo 'América'. Ele diz: 'Eu te amo!'", contou Belden. "Digo a ele que eu sou um músico de jazz. Ele diz: 'Eu amo jazz!'."
Belden e sua banda foram escolhidos para encerrar o festival musical Fajr, um evento anual. A inclusão se deu por iniciativa de funcionários culturais do governo do presidente Hasan Rowhani, que busca melhorar as relações com o Ocidente.
"Estamos muito felizes por eles estarem aqui", disse Farzin Piroozpay, funcionário do Ministério da Cultura e da Orientação Islâmica. "O Irã quer mostrar que aqui não há problemas para estrangeiros e que acolhemos bem a cultura e as artes."
Antigamente, radicais iranianos refratários a qualquer aproximação com os Estados Unidos protestariam contra essa diplomacia cultural, mas atualmente há uma postura mais branda por aqui, pelo menos com relação aos americanos que desejam visitar o país.
Mehdi Faridzadeh, ex-embaixador cultural do Irã, hoje radicado nos EUA, e a ONG americana Search for Common Ground [busca por um terreno comum] ajudaram a organizar a viagem do grupo de Belden.
Durante sua viagem de quatro dias em fevereiro, o músico foi levado a eventos em todo o país.
Ele e seu trompetista, o texano Pete Clagget, 35, estiveram no ginásio Azadi para a abertura da Copa do Mundo de luta greco-romana, um esporte popular no Irã e nos Estados Unidos.
Belden e Clagget se juntaram a músicos iranianos para uma apresentação na cerimônia oficial de abertura.
"É mais fácil arrumar um show aqui do que nos EUA", concordaram os músicos.
Quando chegaram, Belden, Clagget e sua comitiva formada por autoridades iranianas, jornalistas e alguns músicos italianos foram barrados por um desnorteado segurança antes de serem encaminhados ao seu camarim.
Belden e Clagget se reuniram aos outros músicos na quadra do ginásio. Na hora da execução de "Ey Iran", hino extraoficial do país, Belden acompanhou no sax, e Clagget, no trompete. Um telão atrás deles mostrava imagens da guerra Irã-Iraque.
"Agradecemos à banda iraniano-americana por sua música", disse um locutor, em inglês fluente. Em seguida, os músicos foram levados de volta ao auditório Vahdat.
"Próxima parada: Vietnã do Norte", brincou Belden.
Durante o show, que estava sendo gravado para um álbum ao vivo, o saxofonista agradeceu aos iranianos por sua hospitalidade. "Vocês realizaram o nosso sonho", disse ele à plateia.
"Visitar o Irã está sendo uma tremenda experiência."

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As atrações turísticas imperdíveis da China formam um circuito grandioso: a Grande Muralha, a Cidade Proibida, a Praça Tiananmen e, para os que suportarem esperar em longas filas, o Mausoléu de Mao Tsetung.
Mas há uma nova escala no percurso turístico: o restaurante de fast-food que se tornou um destino obrigatório para os fãs do presidente Xi Jinping. Foi aqui que, no ano passado, Xi encantou o país quando visitou a Casa Qingfeng de Guiozas, pagou pela comida e carregou sua bandeja até uma mesa.
"Estamos seguindo os passos de nosso grande líder", disse Bai Henglin, 29, motorista, enquanto tirava uma selfie com a refeição Combo Presidencial, de US$ 3,50 (guiozas e uma tigela de cozido de fígado de porco). "Os visitantes que vierem a Pequim e não passarem aqui vão se arrepender."
Há outros barômetros da adulação dedicada a Xi desde que ele assumiu o poder, em 2012.
Seu sorriso enfeita pratos ornamentais, e um livro com seus pensamentos sobre governança, traduzido para oito línguas, teve supostamente 17 milhões de exemplares vendidos ou dados de presente. Canções e poemas celebram o "Papai Xi" como um marido virtuoso, amigo dos agricultores e inimigo dos corruptos.
Desde que Mao dominou o país com sua mistura magistral de populismo, fervor e medo, um líder chinês não conquistava tamanha admiração do público. Deng Xiaoping repudiou a mania da era Mao, e desde então a adulação pública aos líderes políticos foi tabu. Parte do apelo de Xi deriva de sua guerra à corrupção e seus slogans positivos como o "Sonho Chinês", a proposta de um país poderoso e rejuvenescido. Mas a adoração também foi intensificada por retratos de Xi como alguém que segura seu próprio guarda-chuva, chuta bolas de futebol e sabe disparar um rifle.
Um dos tributos mais populares a Xi é uma canção: Ele ousa enfrentar qualquer tigre, por maior que seja.
Ele não tem medo do céu ou da terra.
Nós sonhamos em conhecê-lo.
Um teatro daqui apresentou recentemente um musical inspirado na vida e nas políticas de Xi, e, no mês passado, candidatos ao curso de arte na Universidade de Tecnologia de Pequim foram solicitados a desenhar um retrato de Xi como parte de seu exame de admissão. O jornal "Beijing Evening News" sugeriu que os candidatos ficaram maravilhados. "Eu não sabia que teria tanta sorte com essa parte do exame", disse um dos jovens.
Em entrevistas, muitos cidadãos comuns disseram aprovar a liderança carismática, especialmente depois das maneiras secas do antecessor de Xi, Hu Jintao, cujo principal slogan, "Uma visão científica do desenvolvimento", não tinha apelo emocional.
O público chinês aprovou o combate de Xi à corrupção. E suas advertências de que a China reforçaria suas reivindicações territoriais por meio da diplomacia musculosa e de militares reforçados também se revelaram populares. "Você tem a sensação de que o presidente Xi se importa com o homem comum", disse Yang Tianrong, 75, soldado aposentado da província de Hebei. "Ele nos dá esperança de que o governo pode solucionar nossos problemas."
Apesar de desconfiados, muitos liberais disseram duvidar de que Xi reviveria os excessos da era Mao. Mas Bao Tong, autoridade do Partido Comunista que foi expurgado e preso depois dos protestos pró-democracia de 1989, disse que Xi corre o risco de alienar seus defensores dentro do partido ao se projetar como o único capaz de salvar a China. Construir a figura de Xi como um semideus político para sufocar o debate e a dissidência "não vai unificar as pessoas", disse ele.
Xiao Qiang, da Universidade da Califórnia em Berkeley, que monitora a mídia chinesa, concordou. Surtos de propaganda recentes provocaram o ridículo na web, disse ele, especialmente os comentários de Xi em que ele denunciou a "estranha" arquitetura contemporânea e exortou artistas e escritores a servirem às massas, em vez de a seus próprios impulsos criativos. "Isso fez Xi parecer um idiota", disse Xiao.
Alguns analistas dizem que a história da família Xi deveria ter lhe servido de lição sobre os riscos da obediência cega. Seu pai, Xi Zhongxun, um herói revolucionário, foi removido do poder em 1962 depois que Mao o acusou de tentar subverter o partido. Ele foi detido e processado por radicais maoístas durante a Revolução Cultural em 1966.
Mas analistas dizem que Xi e outras figuras políticas de sua geração ainda idealizam certos elementos do regime de Mao, especialmente seu apelo ao orgulho nacional e a imagem que ele cultivou de homem forte, incorruptível e disposto ao próprio sacrifício.

quinta-feira, 12 de março de 2015

MII SAKI QUE MANDOU:

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 As ruínas de Nimrud, outrora capital do Império Assírio, sobreviveram à pilhagem de seus inimigos durante o século 7º a.C e, enterradas pelo descaso, resistiram à passagem dos séculos. Até a chegada das britadeiras dos militantes do Estado Islâmico.
Essa organização terrorista tem levado a cabo, nas últimas semanas, uma violenta campanha de destruição do patrimônio histórico da região, onde impérios se empilharam uns sobre os outros e deixaram vestígios fundamentais à compreensão da Antiguidade.
Além de Nimrud, sofreram locais como Mossul, Hatra e Khorsabad.
A justificativa da facção fundamentalista, que controla áreas na Síria e no Iraque, é de que tais artefatos, anteriores à chegada da religião islâmica à região, são alvo de idolatria. Os objetos seriam condenados por essa interpretação rígida do islã.
"Pense em elementos essenciais à trajetória da humanidade", diz à Folha Marcelo Rede, professor de história antiga na USP. "A domesticação de animais, o aparecimento da agricultura, os primeiros textos. Destruir isso é condenar parte do passado ao esquecimento."
Rede faz parte de um laboratório francês que atua na região. Em 2014, a França não permitiu a viagem de uma equipe de arqueólogos ao Iraque, após a escalada da violência. "Tive muito medo, e fiquei bem contente por amigos que conheço há quase 20 anos não terem arriscado a vida ali", diz.
Para o professor da USP, o Estado Islâmico usa a destruição do patrimônio como "propaganda de guerra". "Os locais destruídos estão no imaginário de muitos, muitas vezes porque são citados na Bíblia ou por autores clássicos, como Heródoto", diz.
O norte do Iraque é especificamente rico nesses resquícios arqueológicos. "A má coincidência é que essa região, que foi o coração da Assíria, está sob domínio do Estado Islâmico."
As autoridades ainda investigam a dimensão do dano. "Estátuas foram esmigalhadas a marretadas. Para esse tipo de dilapidação, dificilmente haverá possibilidade de restauração", diz Rede.

terça-feira, 10 de março de 2015


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Nos subúrbios de Pyongyang, 270 rapazes, em torno dos 20 anos, todos filhos homens da elite norte-coreana, preparam seu futuro. Sua vida está regulamentada estritamente desde que se levantam até que se deitam. Organizados em pelotões, e com um supervisor por grupo, precisam de autorização para deixar o local, vigiado por guardas femininas. Não se trata de nenhum quartel. Mas sim da única universidade privada na comunista Coreia do Norte. Além de lecionar todas as aulas em inglês, a Pyongyang University of Science and Technology (Pust) tem outra peculiaridade: é gerida e custeada por cristãos-evangélicos.
— Em essência, os cristãos-evangélicos do mundo estão educando os futuros líderes da Coreia do Norte — conta a jornalista e escritora americana de origem sul-coreana Suki Kim.
Ela sabe do que fala. Infiltrou-se como professora na Pust durante dois trimestres em 2011 — o período coincidiu com a morte do “Querido Líder, Kim Jong-il” — e conta sua experiência no livro “Sem ti no hay nosotros” (“Sem você não há nós”, em tradução livre), da editora Blackie Books, disponível em espanhol a partir de 11 de março.
Esta enigmática universidade começou a funcionar em 2009. Oficialmente, descreve-se como um projeto conjunto. Mas construí-la, conta Suki Kim, custou US$ 35 milhões e sua manutenção diária “requer muitíssimo dinheiro”.
— Pelo que sei, a Coreia do Norte não põe nenhum centavo — explica Suki, acrescentando que são doadores internacionais, principalmente de igrejas sul-coreanas e americanas, que cobrem os gastos. — Ao regime da Coreia do Norte dá no mesmo que seja cristão, muçulmano ou ateu. Tudo é a mesma coisa, porque não acreditam em seu Grande Líder. Dessa forma, se esta organização de estrangeiros quer empregar este montão de dinheiro, por que vão dizer que não?
Seu fundador e presidente é James Kim, um cristão-evangélico de origem coreana e nacionalidade americana que já dirigia outro centro similar em Yanbian, na China, e que desde os anos 1990 cortejava o regime de Pyongyang. No princípio da década passada, recebeu o visto pessoal de Kim Jong-il
— Este grupo está aqui com sua permissão, (no regime) sabem exatamente quem são estes cristãos-evangélicos — assegura a autora em conversa telefônica desde Seul.
Semelhanças com um quartel
A única condição aparente é que não façam proselitismo. Se bem que “isso é o que há na superfície, não sabemos se pactuaram outros acordos”, matiza Suki Kim. Ainda que os responsáveis da Pust vão de mãos dadas com o regime, “sentem-se justificados”, pois, para eles, para eles, trata-se de “um projeto de longo prazo, com o que levam a missão de Deus” à Coreia do Norte, o regime totalitário mais restrito do mundo. Os professores nem sequer cobram: ou bem trabalham de graça, ou tem que buscar um patrocínio, geralmente o de suas igrejas.
Quando a jornalista Suki Kim começou a trabalhar no centro, era o trimestre da primavera. A primeira coisa que chamou a atenção foi a “hipervigilância” no campus. A universidade está construída em formato semicircular, de modo que qualquer área é visível desde qualquer outra e todo mundo pode vigiar todo mundo.
— Já havia estado várias vezes na Coreia do Norte desde 2002. Sabia que tudo estava controlado, mas isso era como um quartel.
Os professores e os estudantes convivem no campus, em blocos de dormitórios adjacentes e vigiados por um grupo de jovens guardas femininas.
— No começo, parece que eram homens, militares homens, mas se decidiu trocá-los por mulheres para dar uma imagem menos intimidatória. Nos disseram que era para nos proteger, mas não do que nos protegiam. Ou melhor, sua missão era impedir-nos de sair.
Cada movimento estava vigiado pelos “acompanhantes” oficiais que o governo impõe aos estrangeiros e que inclusive compartilham blocos de dormitórios com os professores. Os docentes só estão autorizados a abandonar o recinto uma vez por semana, para comprar provisões em Pyongyang ou para excursões milimetricamente organizadas, e sempre escoltados por seus “acompanhantes”. Para os estudantes, o regime parecia inclusive mais claustrofóbico. Não podiam sair da universidade sob nenhuma circunstância. Quando chegou Suki, muitos estavam meses inteiros sem ver suas famílias. Nem sequer eles, os filhos da elite do regime, estão livres da vigilância, e devem se desenvolver em uma atmosfera de desconfiança e medo.
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Diariamente, os estudantes chegam ao refeitório em formação militar, cantando em uníssono hinos ao partido e aos líderes, perfeitamente uniformizados com roupa, gravata e pastas idênticas. Cada grupo forma um pelotão e conta com um supervisor encarregado de vigiar o desenvolvimento das classes. Por turno rotativo, meia dúzia de alunos passa cada noite no edifício dedicado ao estudo dos ensinamentos de Kim Il-sung e Kim Jong-il. Também em patrulhas se repartem tarefas como a limpeza do monumento dedicado ao Grande Líder ou o cuidado do jardim e a poda — a mão — do gramado.
As atividades diárias estão estritamente organizadas. Cada lição, cada livro de texto, deve receber a aprovação das “contrapartes”, o corpo docente norte-coreano encarregado da supervisão. Nos primeiros tempos da universidade, só se davam aulas de inglês. Apesar do nome do centro, não havia professores de ciência, nem de informática, que chegaram nos anos posteriores.
Os docentes podem interagir com os alunos não somente durante a aula, senão também nas horas dedicadas ao esporte ou durante as refeições. A carne escasseia nos almoços, que se limitam a arroz com verduras em conserva. Num país onde 84% da população sofre uma dieta insuficiente, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU, comer três vezes ao dia já representa um privilégio.
Diferentes níveis de mentiras
Os temas das conversas não são muito mais variados do que os pratos do campus. Limitam-se, sobretudo no início, a esporte, aos estudos ou, um pouco mais adiante, a namoradas reais ou aquelas dos sonhos.
— Estávamos vigiados 24 horas por dia, sete dias por semana; se os garotos davam a mais remota mostra de curiosidade sobre o mundo exterior, isso se silenciava imediatamente — explica Suki Kim. — Cada vez que tinha a sensação de que havíamos avançado um pouco em nossa relação pessoal, eles voltavam a se meter imediatamente em sua concha.
Naqueles dias de 2011, ademais, vivia-se um momento “especialmente vulnerável” para os estudantes. O resto dos universitários norte-coreanos haviam sido enviados para trabalhar em obras de construção. Oficialmente, porque se comemorava o centenário do nascimento do fundador da dinastia, Kim Il-sung, e havia que lhe oferecer uma “nação poderosa e próspera”. Extraoficialmente, porque no Oriente Médio se desenvolvia a primavera árabe e, provavelmente, o regime temia um possível contágio. Os alunos da Pust foram os únicos em todo o país que não foram convocados para este trabalho, uma mostra a mais de seus privilégios especiais. Mas a desconfiança e a vigilância diárias geravam um tecido de mentiras. Mentiras por parte do regime: para demostrar a existência da liberdade de culto, os professores foram convidados para um serviço religioso cristão em Pyongyang. Logo ficou claro a eles que o coro de elegantes damas que entoava hinos era um grupo de cantoras profissionais, e os paroquianos, meros comparsas que desapareceram rapidamente após o último amém.
A periodista também ocultava a verdade. Ainda que tenha apresentado sua solicitação com seu nome autêntico e James Kim sabia que era escritora, Suki nunca revelou que sua intenção era escrever um livro sobre o centro, algo que poderia lhe acarretar consequências graves.
— Tratar de cobrir a Coreia do Norte, o país mais corrupto do mundo, é como cobrir a máfia ou a indústria farmacêutica, não há mais opções do que se infiltrar para tentar obter algo da verdade desse local. Fingi ser professora, mas ensinei de verdade e não me comportei de modo enganoso com meus alunos. Meu comportamento com eles e meu carinho eram genuínos.
E os alunos falavam também constantes mentiras:
— Havia diferentes níveis. As mentiras que seus supervisores os ordenavam que contassem. As que soltavam por puro hábito. As que os haviam ensinado e acreditavam ser verdade.
Boa parte da cultura geral dos estudantes estava baseada em falsidades: acreditavam que o coreano se fala em qualquer lugar do mundo ou que jogar basquete faria com que crescessem mais um pouco. Desconheciam a existência da Torre Eiffel. Não haviam ouvido falar de Steve Jobs. Não tinham internet e unicamente tinham acesso a uma intranet muito limitada.
— Não sabiam como pensar de maneira crítica. Ensinar-lhes a estabelecer um argumento, colocar exemplos, expor sua tese para chegar a uma conclusão não era possível. Não entendiam o conceito de introdução, conclusão ou demonstração. Em seu sistema do Grande Líder não se demonstra nada, não se incentiva a pensar por si mesmo — conta Kim.
Apesar de tudo, ao longo das conversas, e em cartas que escreviam como exercícios de classe, algumas vezes aparecem indícios de que algo há por trás das máscaras. Os garotos admitem tédio pela rotina, nostalgia por suas famílias, com as quais não podem ter contato. As atitudes copiadas se convertem em gestos individuais, personalidades definidas. Um deles chega a confessar que gosta de rock and roll, outro se atreve a perguntar pelo conceito de assembleia nacional.
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E a jornalista também se anima a contar a eles sobre os países para onde tinha viajado, a falar do que é o Skype. Um dia antes de partir, Suki Kim tem a oportunidade de mostrar a um grupo de alunos “Harry Potter e o prisioneiro de Azkaban”. Mas os rapazes se deliciam por pouco tempo com a história: no mesmo dia, 20 de dezembro de 2011, anuncia-se a morte de Kim Jong-il.
Após sua partida e a publicação do livro, que valeu duras críticas dos responsáveis pela Pust, Kim não voltou a saber de seus alunos.
— Uma parte de mim se preocupa. Qualquer notícia da Coreia do Norte sempre é muito atemorizante...