domingo, 11 de outubro de 2009





"O petróleo não é para o povo, mas apenas para os ladrões", diz a música que acompanha o popular programa satírico iraquiano diário. "Quem Quer Ganhar o Petróleo?" é exibido na TV Al Sharqiya. O programa é uma paródia do famosoprograma "Who Wants to be a Millionaire?" ("Quem Quer Ser Milionário?"). Mas, aqui, o prêmio são barris de petróleo. Todos os dias os participantes, representados por famosos comediantes iraquianos, tentam ganhar cinco litros de petróleo. As perguntas são irônicas e cínicas, refletindo a decadência cultural do Iraque em relação aos dias em que a região onde o país se situa era conhecida como Mesopotâmia, um dos berços da civilização.
Durante os últimos cinco anos houve um renascimento das novelas, do ornalismo e das produções de televisão no Iraque, após anos de debilidade sob o regime de Saddam Hussein. O mais notável nesta temporada de Ramadã é a abundância de programas satíricos e humorísticos em vários canais, especialmente na Al Sharqiya, que pertence ao empresário iraquiano Saad Al Bazzaz, e que é transmitida de Dubai. "Nós escolhemos as comédias porque o povo do Iraque está sofrendo, e desejamos entretê-lo", disse recentemente à agência de notícias France Presse o editor de programação da Al Sharqiya, Alaa AdDahaan. "A maioria dos artistas iraquianos está no exterior após ter fugido da falta de segurança no Iraque, de forma que as imagens foram filmadas na Síria." Um dos shows é o Dowlat Al Rayeesa, ou "Sua Excelência, a Presidente", no qual a dançarina iraquiana de dança do ventre Malayeen faz o papel da viúva do presidente, que governa o país de forma bastante irresponsável após a morte do marido.
Outros canais transmitem comédias que fazem piadas com os problemas diários da vida no Iraque. A Al Baghdadiya, transmitida do Cairo, lançada em 2005 pelo empresário iraquiano Oun Al Khashlouk, está transmitindo diversas séries neste Ramadã. Segundo uma pesquisa no seu website, a série dramática mais vista é a Houdoa Nesbi, ou "Paz Transitória", uma produção conjunta da Rotana Gulf, do milionário saudita Al Waleed Bin Talal, e da empresa de rádio e televisão egípcia Union. As séries têm sido condenadas por vários críticos iraquianos, que as acusam de promover as ideias de Estados estrangeiros, especialmente a Arábia Saudita e o Egito. "Só existe um objetivo por detrás dessas séries", acusou o crítico Alaa al Mafraji no jornal "As-Sabah". "Esse objetivo é propagar os pontos de vista e ideologias dos seus produtores."Os especialistas estimam que mais de 47 canais, mais de 150 jornais e inúmeras estações de rádio foram criados desde a queda de Saddam Hussein. Sob o governo de Saddam, a arte era usada apenas para enaltecer o regime, e a censura fez com que vários artistas e jornalistas deixassem o país. O filho de Saddam, Udai, considerava a mídia iraquiana um empreendimento particular seu, e ele assumiu a presidência do Sindicato dos Jornalistas em 1992, obrigando jornalistas a ingressarem na instituição, recompensando aqueles que elogiavam o regime e punindo impiedosamente aqueles que não procediam dessa forma. Naquela época, era totalmente proibido possuir antenas parabólicas ou acessar a internet. O acesso à web só estava disponível em instituições públicas sob controle do regime.Depois de 2003, a situação mudou drasticamente. Hoje, mais de 40% dos iraquianos têm acesso à mídia via satélite e o número de usuários da internet aumentou de 12 mil, em 2000, para mais de 275 mil, em 2008, segundo a Internet World Stats.
Atualmente a mídia iraquiana conta com transmissoras situadas no exterior, empresas estatais de mídia, como a Iraqiya TV, e programas subsidiados por diversos grupos étnicos, políticos e islamitas, bem como inúmeros jornais e várias publicações especializadas em esportes, literatura e religião.No entanto, o quadro geral não é só positivo. Com a frágil situação de segurança no país, várias legislações referentes à mídia foram aprovadas para proteger o país da propaganda estrangeira ou da promoção do sectarismo. Pouco após a invasão liderada pelos Estados Unidos, L. Paul Bremer III, o principal administrador civil, baixou uma ordem proibindo notícias que estimulassem o ódio étnico ou religioso, ou a violência contras as forças estrangeiras comandadas pelos norte-americanos. Leis recentes incluem outras proibições. Por exemplo, é proibido defender a modificação das fronteiras do país.Embora a falta de lei represente uma ameaça à liberdade de imprensa, alguns críticos acusam a mídia de transmitir comédias e outros programas de entretenimento para desviar a atenção do povo dos problemas reais, como o terrorismo.Mas muitos telespectadores iranianos não concordam com essa opinião. Alguns dizem que as notícias de explosões diárias ocultaram o progresso obtido desde a queda de Saddam Hussein. Para muitos, o problema é que a cobertura negativa pelas transmissoras no estrangeiro está sendo utilizada para alimentar o desespero iraquiano.
Talvez seja por isso que a Al Sharqiya transmite vários programas caritativos otimistas. Entre eles está "Os Ricos do Ramadã", que ajuda crianças e famílias necessitadas, e "A sua Refeição por Nossa Conta", que oferece comida aos iraquianos pobres, uma soma de US$ 2.000 (R$ 3.600), eletrodomésticos e uma edição de luxo do Alcorão. A TV Al Rashid transmite um programa diário chamado "Dinheiro de Graça", no qual as pessoas respondem a perguntas simples e recebem o equivalente a US$ 30 (R$ 54) por cada resposta correta.O desafio político e cultural para o Iraque reside em unir os principais grupos sectários do país a fim de promover uma identidade nacional. O surgimento de vários veículos de mídia - cada um deles leal a uma facção diferente - pode ser uma boa notícia que está passando desapercebida, já que eles garantem uma diversidade de pontos de vista como base de uma cultura vibrante.Os tópicos ousados discutidos na televisão são um sinal da liberdade de expressão da qual os artistas iraquianos desfrutam hoje em dia. Tal liberdade é apenas um sonho para outros artistas árabes nos Estados vizinhos que não ousam questionar quem controla a riqueza, ao contrário dos iraquianos, que podem perguntar quem rouba o seu petróleo.

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