domingo, 30 de março de 2014


http://d3uc4wuqnt61m1.cloudfront.net/films/images/000/003/528/3528.original.jpg?1376693787






http://www.wildgrounds.com/2014/03/13/on-japanese-film-theory/

http://www.filmbiz.asia/news/china-cinema-101

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhpEyF8yuViFeohkqHLUhe2R8gsBFC_2qZdpu5b-TZJTqgTp3JmL5sXJkLL4SqDtgObd-i0DsxtxW5XYqDWrFTM1TECWs9KHV2RQrHuBai6XhCgHrlzq0pHUqfDdM0W-zdk6F12ZoMDxihX/s1600/public+enemies+movie+image+%25281%2529.jpg

Numa noite de agosto passado, a plateia do teatro Vahdat, no centro de Teerã, presenciou um momento único na história da República Islâmica do Irã. Pela primeira vez desde a chegada dos aiatolás ao poder, há 35 anos, uma mulher cantou sozinha em público --e com a bênção do regime.
No ponto culminante de uma adaptação da ópera "Gianni Schicchi", de Puccini, a soprano Shiva Soroush, 28, ergueu a cabeça e estufou o peito; sua voz firme e cristalina entoou as lamúrias de sua personagem. Ao fim do solo, o frisson explodiu em gritos e aplausos.
O canto solitário não durou nem meio minuto. Foi suficiente para enterrar o tabu pelo qual uma voz feminina só era lícita se acompanhada de uma masculina.
Naquela noite, o presidente Hasan Rowhani, novo xodó do Ocidente, já governava o país. Mas o aval havia sido emitido, meses antes, pela equipe do conservador Mahmoud Ahmadinejad.
"Eu via no rosto das pessoas um misto de alegria e espanto. Eu estava em êxtase. Nunca me imaginei cantando na frente de membros do regime", recordou a moça, semanas depois, num café ocidentalizado da capital iraniana. "Sinto que essa reviravolta prenuncia mais coisas boas", sorriu a cantora.
Shiva nasceu e cresceu sob o regime teocrático e nunca teve dinheiro para viajar ao exterior. Mas ela faz parte da legião de iranianas, anônimas ou ilustres, que desbravam caminhos para tentar recuperar a proeminência perdida com a queda do xá Mohammad Reza Pahlavi, em 1979.
Apesar de ainda viverem sob leis machistas e desiguais, as iranianas impõem-se em todas as áreas da sociedade. Três décadas e meia após a revolução, o Irã voltou a ser um dos países de maioria islâmica com ambiente mais favorável --ou menos adverso-- para a mulher.
A comparação chega a ser especialmente embaraçosa para os vizinhos do Irã. As sauditas são atreladas por lei a um tutor --irmão, pai ou marido-- e não podem nem dirigir. No Qatar, casas tradicionais possuem duas salas de estar, uma para receber convidados, outra para manter as cônjuges, irmãs e filhas longe das visitas. As afegãs devem abster-se de falar com homens que não sejam ligados a elas por vínculos familiares.
No quesito condições de vida básicas da mulher, o Irã também se sai melhor que outras regiões de maioria muçulmana. Metade das marroquinas não sabe ler e escrever, enquanto a taxa de alfabetização das iranianas beira os 90%. A mortalidade materna no Irã é de 21 para cada 100 mil partos, dez vezes menos do que na Indonésia.
Mulheres iranianas são as únicas no mundo legalmente obrigadas a cobrir cabelo e corpo. Mas elas estudam, trabalham e comandam empresas. São advogadas e juízas. Nas entrevistas coletivas, são elas que costumam incomodar os políticos com as perguntas mais certeiras. Madames poliglotas rivalizam-se à frente das mais prestigiosas galerias de arte de Teerã.
No Irã, elas não só votam como são eleitas deputadas, prefeitas e vereadoras. Podem se candidatar a todos os postos para os quais haja eleições diretas, mas nunca uma mulher foi considerada qualificada para concorrer à Presidência ou à Assembleia dos Peritos, órgão consultivo que escolhe e monitora o líder supremo.
O Irã tem mulheres artistas, atletas profissionais, taxistas. Nas universidades, a fatia feminina ocupa 52% das cadeiras. A poligamia está em extinção, e os casamentos arranjados, fora de moda. A mutilação genital, prática mais tribal do que religiosa, é raríssima.
Setareh Nouri, 25, parte da meia dúzia de iranianas que atuam como pilotos da aviação comercial, diz sentir-se desconfortável quando viaja a países árabes. "No Irã temos mais liberdade. Aqui posso trabalhar num ambiente masculino como a aviação, algo impensável no golfo Pérsico", diz a moça.
A arquiteta Sahere Foruhi, 54, orgulha-se de contrariar frontalmente o clichê da iraniana submissa. Bem-sucedida, viajada e mãe divorciada, espreme sua agenda diária entre serviços para a Prefeitura de Teerã e um escritório no qual tem o ex-marido como sócio.
Sahere avalia que o preconceito ocasional contra mulheres, na rua ou no mundo dos negócios, se assemelha ao da Itália, onde estudou. "Na maioria dos países europeus, a situação não é tão diferente da nossa. Invejável, só a Escandinávia. Ali, sim, as mulheres estão com tudo", afirma.
Na política, o debate sobre a representação feminina voltou à tona desde que Rowhani foi eleito, em junho do ano passado, com a promessa de "promover oportunidades iguais". O presidente, um clérigo xiita que se autoproclama moderado, enfrenta críticas por não ter criado até agora o Ministério para Assuntos da Mulher, anunciado na campanha.
Além disso, somente homens constam na sua lista de ministros. Mas três dos 12 vice-presidentes que apontou são mulheres. A mais proeminente é Masoumeh Ebtekar, 53, responsável por temas ambientais. Ela ficou famosa no Ocidente após a Revolução Islâmica, quando, então cursando biologia, gastou seu inglês perfeito para tratar com a mídia estrangeira em nome dos estudantes que tomaram a Embaixada dos EUA em Teerã.
O presidente também nomeou duas governadoras (não há eleições diretas para o posto) e escolheu a veterana diplomata Marzieh Afkham, 51, como porta-voz da Chancelaria, principal cargo de relações públicas do Estado.
Prefeitas são só duas, num país com mais de mil municípios. E, fora do Executivo, a representação feminina se mantém tímida. O número de deputadas caiu de 13 para 9 no último pleito. Elas ocupam uma fila exclusiva no plenário de 290 deputados (não há senadores).
ALTIVEZ O mais surpreendente para quem descobre o Irã talvez seja a altivez cotidiana das iranianas. Elas batem boca no trânsito, barganham preços implacavelmente e pedem informação na rua a quem bem entenderem. Médicas atendem homens e vice-versa.
Jovens e idosas são capazes de se unir de repente para livrar da polícia moral uma mulher interceptada por carregar na maquiagem ou deixar cabelo fora do véu. A pressão e a gritaria são tamanhas que às vezes só resta aos agentes recuar da ação.
Nas grandes cidades, a maioria das jovens emenda um namoro no outro. Quase ninguém se apega à virgindade antes do casamento. "Mantenho uma lista com os nomes dos meus parceiros. Senão, é impossível lembrar de todos", diverte-se a tradutora M.J., 24.
Enquanto ocidentais cultivam a imagem da iraniana reprimida, muitos homens em países vizinhos têm leitura oposta e enxergam a antiga Pérsia como ninho de mulheres excessivamente liberadas.
Dois anos atrás, um afegão que havia sido pedreiro em Teerã disse à Folha como via as moças dos bairros nobres onde trabalhava. "As iranianas bebem, estão sempre maquiadas e se entregam a homens com quem não se casam. Elas não são boas muçulmanas."
No livro "The Ends of the Earth" (os confins da Terra, em tradução livre), de 1996, o jornalista americano Robert D. Kaplan expôs suas impressões sobre a república islâmica. Um trecho diz: "As mulheres em Teerã te encaram abertamente. Seus olhos olham fundo dentro dos teus. Cairo não tem muito disso, e Istambul ainda menos".
POTÊNCIA LAICA O relativo avanço da mulher no Irã reflete as peculiaridades da história nacional. As bases do protagonismo feminino foram sedimentadas pelo xá Reza Pahlavi, fundador da dinastia homônima. Um militar linha-dura, mas pouco afeito a tradições, Pahlavi nunca escondeu a admiração por seu contemporâneo Mustafá Kemal Atatürk, o líder que pulverizou as fundações islâmicas da vizinha Turquia para transformá-la em potência laica calcada no modelo europeu.
Em 1936, Pahlavi criou o movimento Despertar da Mulher, que, à revelia dos religiosos, baniu o uso do véu e incentivou a criação de uma elite feminina nas ciências, nas artes e nos negócios. Mas, quando a Segunda Guerra eclodiu, britânicos e russos incomodaram-se com o flerte entre o xá e a Alemanha nazista e o pressionaram a abdicar em favor do filho.
Ao assumir o trono, em 1941, aos 21 anos, o jovem Mohammad Reza Pahlavi amenizou a restrição ao véu, mas prosseguiu o projeto de modernização do pai.
Sob a ditadura de Pahlavi filho, dissidentes eram torturados até a morte nas masmorras da Savak, a mais cruel polícia secreta daquela geração. Mas a idade mínima de casamento para meninas saltou de 13 para 18 anos, e mulheres passaram a ter o direito de pedir o divórcio e de dizer "não" a maridos que quisessem uma segunda esposa.
Nos anos 1970, alguns bairros de Teerã haviam se transformado em édens cosmopolitas, onde se viam cabelos soltos ao vento, minissaias e moças bebendo em bares. A face mais visível do glamour iraniano era a imperatriz Farah Diba, mulher do xá, que se dividia entre a filantropia no Irã e o jet set.
REVOLTA A narrativa ocidental, porém, tende a omitir a rejeição que essa ocidentalização na marra sofria por amplos segmentos da população. No Irã profundo e na miséria das periferias infladas pela industrialização, um sentimento de revolta e alienação fervilhava.
Um dos primeiros atos públicos do aiatolá Ruhollah Khomeini, em 1963, quando era um clérigo provinciano, foi um protesto contra a lei que garantiu às mulheres o direito de votar e concorrer em pleitos municipais. Khomeini foi preso temporariamente. No ano seguinte, ele partiria para o exílio.
Só retornou ao país em 1979, para comandar a revolução, dessa vez com uma base popular que incluía intelectuais, comunistas e a classe média liberal, unidos pela repulsa à autocracia do xá. Em sinal de apoio a Khomeini, mulheres seculares marchavam de véu islâmico pelas ruas de Teerã. "Todas nós participamos da revolução. Nunca imaginamos o que viria depois", suspira a médica A.K., 53.
Meses após a queda do xá, Khomeini expurgou segmentos laicos da coalizão que o apoiava e pôs em prática seu projeto de implantar o "governo de Deus". No afã de eliminar o que via como corrupção ocidental, anulou leis familiares da era Pahlavi e impôs um modelo de sociedade patriarcal baseado numa interpretação ultraconservadora da sharia, a lei islâmica.
O limite mínimo para casamento das mulheres caiu para nove anos --nessa idade, nas escolas, as meninas passam por uma cerimônia que marca a entrada na puberdade e fixa, por isso, a obrigatoriedade do véu. Na prática, porém, meninas de até 13 anos podem ser vistas com cabelos descobertos.
Elas perderam acesso a várias profissões, como a de juiz, e passaram a viver sob um regime extremamente desfavorável, que as prejudica em aspectos cruciais como o direito a heranças e guarda de filhos. A propaganda transformou o cânone da esposa dócil e zelosa em pilar da ideologia oficial. A lista de atividades banidas às mulheres incluiu desde o canto até andar de bicicleta. Espaços públicos, como transporte coletivo ou escolas, se dividiram segundo o gênero.
Três anos após a revolução, não somente o véu havia se tornado obrigatório como as mulheres foram proibidas de se maquiar ou andar com homens que não fossem da família, sob pena de se expor à chibata ou à cadeia.
APEDREJAMENTO Adultério tornou-se passível de execução por apedrejamento. A carência de dados oficiais a respeito desse tipo de pena e o fato de que ela, em muitas ocasiões, é aplicada por cortes locais (que podem agir de maneira autônoma) não permite estimar com precisão sua ocorrência.
Organizações de defesa de direitos humanos fazem avaliações divergentes da situação, mas é seguro afirmar que até o início dos anos 2000 o apedrejamento havia sido imposto dezenas de vezes, incluindo aqueles contra homens.
"As políticas islamitas geraram uma posição extremamente desvantajosa para as mulheres ao reforçarem a dominação masculina, restringir a autonomia feminina e criar um padrão de relações entre gêneros profundamente desigual", escreveu a feminista Valentina Moghadam, radicada no Ocidente, em artigo científico produzido para o centro de estudos americano Wilson Center, em 2004.
Dois acontecimentos, porém, modificaram de forma inesperada a condição feminina no Irã. O primeiro foi a disparada do número de mulheres nas universidades após a revolução. Nos tempos da monarquia, famílias conservadoras preferiam manter as filhas dentro de casa para preservá-las de ambientes vistos como promíscuos. A adoção de rígidas leis morais tranquilizou os patriarcas, que passaram a permitir o estudo das meninas. Isso pavimentou o caminho para os altos níveis de instrução das iranianas observados hoje.
O segundo fator decisivo foi a guerra deflagrada em 1980, quando tropas do ditador iraquiano Saddam Hussein atacaram e invadiram o Irã, com anuência dos EUA. Ao longo de oito anos, o conflito mobilizou, matou e mutilou centenas de milhares de homens, abrindo espaço para maior participação das mulheres no mercado.
A situação da mulher continuou progredindo após o fim da guerra e a morte de Khomeini, em 1989. No plano econômico, o rastro de inflação, desemprego e escassez de recursos pós-conflito compeliu o presidente Ali Akbar Hashemi Rafsanjani (1989-97) a restringir o crescimento demográfico. Graças a uma bem-sucedida política de planejamento familiar, a média de filhos por mulher despencou de 5,2 em 1986 para 1,6 em 2011.
Durante o governo Rafsanjani, a polícia moral se tornou menos agressiva. Em 1992 surgiu a revista "Zanan", primeira publicação local para o público feminino.
A gradual abertura interna culminou com a eleição à Presidência do reformista Mohammad Khatami, em 1997. Iniciava a era dos véus coloridos, dos batons berrantes e das roupas mais justas. Plásticas no nariz e implantes de silicone viraram febre, e a idade mínima para que as mulheres se casassem subiu para 13 anos.
A época selou, ainda, o início da disseminação em larga escala das antenas parabólicas (ilegais, mas onipresentes) e da internet (acessada graças a programas que contornam os filtros do regime). Muitos recordam a euforia que contagiou setores da classe média devido à proliferação de shows, filmes e peças de teatro.
A então crescente sintonia com o mundo externo ajudou a dar voz ao movimento feminista. Em 2003, a juíza e militante de direitos humanos Shirin Ebadi ganhou o Nobel da Paz. Sob Khatami, mulheres acederam ao primeiro escalão do governo e, em 1998, a cientista política Zahra Rahnavard assumiu o comando da Universidade Alzahra de Teerã, tornando-se a primeira reitora da república islâmica.
RETROCESSO Muitas conquistas retrocederam com a chegada de Ahmadinejad ao poder, em 2005. A guarda moral voltou a infernizar as moças. A revista "Zanan" foi banida. A Justiça, por sua vez, tornou a sentenciar morte por apedrejamento, no caso de Sakineh Ashtiani, acusada de adultério e cumplicidade no assassinato do marido. Sob pressão internacional, o Irã recuou da lapidação, mas manteve a mãe de dois filhos na prisão em situação indefinida.
Há duas semanas, o chefe da Comissão de Direitos Humanos do Irã, Mohammad-Javad Larijani, anunciou que Sakineh havia sido libertada por "bom comportamento". O Comitê Internacional contra o Apedrejamento, ONG com sede na Europa, dá outra versão. A acusada teria sido solta após tentar se matar engolindo pregos. "Sua morte geraria uma pressão terrível contra o regime, que preferiu se livrar do incômodo", disse à Folha uma fonte do comitê.
Mas o pior legado de Ahmadinejad quanto à mulher, segundo uma ilustre feminista, foi a paralisação da luta contra aquela que continua sendo a maior injustiça às iranianas: inferioridade perante a lei.
"Perdemos oito anos", diz, por telefone, Sussan Tahmasebi, 47, radicada nos EUA. A exemplo de Shirin Ebadi --que se exilou no Reino Unido após a controversa reeleição de Ahmadinejad, em 2009--, Tahmasebi teve de sair do Irã após haver defendido mudanças na legislação."Pessoalmente, culturalmente ou socialmente, as mulheres obtiveram avanços. Mas a lei está em defasagem gritante com a realidade", lamenta Sussan.
No tribunal, o testemunho feminino ainda vale metade do masculino. O "preço do sangue", indenização paga pela família de um assassino a parentes da vítima, também é inferior em caso de morte de mulher. A herança dos filhos é maior que a das filhas. Homens podem pedir divórcio com mais facilidade. A mãe tem chances mínimas de obter a guarda dos filhos.
Homens também são os principais beneficiados pelo "sigheh", espécie de "casamento temporário" no qual o casal define um prazo de validade (que pode ser revogado se houver comum acordo e que vai de algumas horas a 99 anos), para tornar lícitas relações sexuais. O pacto, que não precisa ser registrado, supõe alguma compensação financeira à mulher. Enquanto um homem pode acumular vários "sighehs", a mulher precisa esperar a expiração do acordo para emendar um segundo. Na prática, o dispositivo acaba sendo um artifício para maquiar prostituição.
Vulnerável nos tribunais, a iraniana carece de recursos para reagir a humilhações de todo tipo.
No ano passado, a Federação Iraniana de Natação se recusou a oficializar o recorde de Elham Asghari, que, embora coberta da cabeça aos pés por um traje preto, percorreu 20 km no mar Cáspio mais rápido que qualquer pessoa no país. A marca da atleta não foi registrada sob o pretexto de as formas de seu corpo terem ficado à mostra quando ela saiu da água.
Meses depois, autoridades impediram Nina Moradi de assumir a cadeira de vereadora para a qual fora eleita, no norte do país, alegando que sua beleza perturbaria o trabalho dos políticos locais.
SURPRESA Para surpresa de muitos ocidentais, existem iranianas favoráveis à desigualdade. "Essas diferenças existem no Corão. Mulheres são seres emocionais, incapazes de tomar decisões de forma adequada", argumenta a dona de casa Mansureh H., 47, que apoia a obrigatoriedade do véu.
A dona de casa é adepta do chador (barraca, em farsi), espécie de lençol que cobre da cabeça aos pés, deixando rosto e mãos à mostra. Nos meios mais jovens e liberais predomina o mais leve hijab, que cobre cabelo e pescoço.
Muitas iranianas têm visão oposta à de Mansureh e consideram que o véu constitui a mais contundente ferramenta do regime para controlar as mulheres.
"É um insulto à sabedoria e à personalidade da mulher. O fato de quererem decidir como me visto é terrível. Homens não vivem isso", esbraveja a jornalista Afsaneh J., 33. "O véu restringe muito nossa vida. Imagine correr no parque de manhã usando isso na cabeça."
Uma das mais conhecidas atrizes do cinema iraniano confidenciou, num jantar na casa de amigos em Teerã, ter recusado convites de Hollywood por causa do véu. "Quero continuar no Irã. Não posso aparecer em filmes nos quais sempre pedem para tirar o lenço e fazer cenas de romance."
Parissa Porouchani, 56, que fundou e comanda o maior grupo de marketing no país, lamenta que o véu tenha se tornado uma "obsessão do Ocidente"."Quando vou à Europa, detesto que me olhem com cara de coitada por ter de cobrir a cabeça em meu país. Ocidentais não entendem que temos problemas mais graves, como desemprego e temas políticos."
Tanto Parissa como Setareh, a piloto de avião, dizem que o véu restringe o assédio. "Na época do xá, homens mexiam com as mulheres nas ruas ou no transporte público, assobiando ou passando a mão. Há que reconhecer que isso é raro hoje", diz a empresária.
RESPALDO Mudar o status legal da mulher exigiria respaldo concomitante de três das instâncias mais conservadoras do regime: o Poder Judiciário, o Parlamento e o Conselho de Guardiães da Revolução (grupo de 12 fiscais ideológicos). A julgar pela crescente pressão interna, a lei não mudará tão cedo.
A estudante e ativista pelos direitos da mulher Maryam Shafipour, 29, foi condenada no início de março a sete anos de prisão por "propaganda contra o Estado". Maryam tem problemas de circulação, e sua saúde vem piorando na cadeia, segundo relato de parentes ao site reformista Kaleme.
O caso se parece ao da feminista Bahareh Hedayat, 32, presa desde 2010 pelo mesmo pretexto. O Judiciário mantém-se indiferente à campanha pela libertação das ativistas que buscam direitos iguais.
O cerco vai muito além da luta feminista. Execuções dispararam desde o fim do ano passado. Jornalistas voltaram a ser perseguidos. Presos políticos em liberdade condicional retornaram às celas.
A guinada é vista como demonstração de força dos inimigos de Rowhani no fragmentado tabuleiro da teocracia iraniana. Obrigados a engolir as concessões do presidente ao Ocidente na área nuclear, os ultraconservadores, influentes e numerosos, manobram para deixar claro quem manda em casa --inclusive na questão feminina.
Enquanto seus subordinados se digladiam, o aiatolá Ali Khamenei, chefe absoluto da teocracia iraniana, cultiva a ambiguidade. Mas, no discurso do Ano Novo persa, na semana passada, Khamenei disse que "cultura é mais importante que economia". Em aparente sinal de apoio às facções contrárias à liberalização da sociedade, ele pediu às autoridades que combatam "brechas culturais perigosas".
A feminista Tahmasebi reconhece as limitações de Rowhani. Mas aposta que o renascimento da sociedade civil pós-Ahmadinejad poderia criar um ambiente favorável a mudanças. "Se Rowhani aliviar a pressão do aparato de segurança sobre a população, aspirações das mulheres ressurgirão naturalmente. É compatível com o islã, basta interpretação mais progressista."
Aos obstáculos legais, soma-se uma resistência cultural machista, tão difusa quanto profunda, que se manifesta de incontáveis formas.
Mulheres são as maiores vítimas da crise econômica dos últimos anos, decorrente das sanções ao programa nuclear e das políticas populistas de Ahmadinejad, que esvaziaram cofres públicos e acirraram a inflação. O desemprego feminino supera 20%, mais que o dobro do masculino. Por uma regra não dita, homens quase sempre recebem salários mais altos.
"Pelo fato de eu ser mulher, meus clientes querem pagar metade", diz a advogada Elahe J., 37. "O modelo patriarcal está no sangue dos homens iranianos."
Apesar da ausência de estatísticas a esse respeito, várias das entrevistadas para esta reportagem dizem ter notado que a violência contra a mulher está em alta.
M.J., a tradutora, culpa as mães, que "mimam demais os meninos". Ela conta ter sido seduzida por um rapaz moderno e viajado, que terminou o flerte ao descobrir que ela havia tido uma vida amorosa antes dele. "Ele me disse que eu era independente demais."
A secretária Mehri R., 27, casada, diz falar em nome de todas as iranianas: "Muitas de nós se destacam na sociedade e parecem ter o mesmo espaço que os homens. Mas, quando você ouve segredos íntimos dessas vencedoras, percebe que, no fundo, todas sofrem na sua condição de mulher".

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgJ7HSH4rzOWyOJ5YZ45iGwRZXQHiTMoqJxDsV2Szf4DyZindp8Fy-L2acxrkgLRBNH-a8285Ruyk2K4KBwcBJ36V3gGcjISH78DRbiqivjOLZzjKiTJqJcX4O15TNJaJIToYL_lGc5dWsn/s1600/public-enemies-1.jpg

As ruas em torno da Centre Street, no bairro de Sai Ying Pun, em Hong Kong, são um microcosmo vibrante de pequenos negócios que tornam a cidade tão colorida.
Há lojas vendendo blocos grandes e molengas de tofu fresco, brotos de feijão e papaias. Há tendas minúsculas que vendem almôndegas de peixe, porco, "noodles" ou copiam livros para as crianças que frequentam a escola.
Há lojas de hardware, de roupas baratas e oficinas mecânicas barulhentas, cujos altares para o deus chinês da terra fornecem um contraponto colorido para o chão manchado de óleo no interior.
A maior parte dessa vida, entretanto, está em processo de desaparecer, à medida que um novo acréscimo arquitetônico à Centre Street - uma escada rolante ao ar livre que sobe a inclinação acentuada da rua sob um teto modernista - prejudica o ecossistema comercial do bairro.
Hong Kong é uma cidade muito montanhosa. Os arranha-céus que abrigam moradores e escritórios que transformaram a antiga colônia britânica num centro financeiro internacional estão espremidos entre o mar e os picos altos. Antigamente, os moradores ricos se faziam carregar em liteiras quando queriam viajar para os cantos mais altos da cidade.
 Em 1888, um bonde começou a subir e descer a ladeira até o Pico Vitória.
Mais recentemente, os planejadores urbanos chegaram ao conceito de escadas rolantes ao ar livre para tornar os bairros acima do morro mais acessíveis, especialmente durante os meses quentes e úmidos.
Há pouco mais de duas décadas, uma escada-rolante que sobe o morro em cerca de 20 trechos e se tornou uma atração turística começou a operar numa área hoje conhecida como Soho.
A escada-rolante trouxe mais do que conveniência. Ela imediatamente se transformou num ímã para restaurantes, bares, butiques de estilo ocidental e para moradores ricos - e ajudou a revitalizar o bairro em torno.
"Logo que eles construíram a escada-rolante no Soho, houve muita oposição porque as pessoas não entendiam o que ela faria", disse Wayne Parfitt, um australiano que fundou um grupo de restaurantes que tem filiais em Soho e agora em Sai Ying Pun.
 Mas, disse ele, a escada-rolante deu ao bairro uma injeção de energia. "Sim, você perde um pouco da personalidade, mas você também cria algo novo."
O que se perdeu foi boa parte do clima chinês antigo da área: muitas das barracas de comida ao ar livre e lojas de impressão que costumavam a prosperar aqui se foram, expulsas pelos aumentos nos aluguéis.
Há todos os indícios de que a escada-rolante da Centre Street, que foi concluída no final do ano passado - e uma nova estação de metrô que deve ser inaugurada em breve ainda este ano - terão um impacto similar sobre Sai Ying Pun.
Nos últimos meses, a High Street, que cruza a Centre Street, recebeu um elegante restaurante francês ao lado da nova escada-rolante, bem como meia dúzia de restaurantes e pizzarias italianos, dois restaurantes tailandeses, alguns restaurantes indianos, japoneses e ocidentais e uma loja de vinhos.
A Jaspas, que serve hambúrgueres e comida internacional e faz parte da companhia de restaurantes Mr. Parfitt's, abriu em fevereiro num local antes ocupado por uma loja que vendia roupas baratas.
 "Tudo ficou caro", disse Yeung Sun, coproprietário de uma loja que vende e repara pneus e baterias de carros. "Há muito mais restaurantes ocidentais aos quais só os estrangeiros vão. Eu nunca vou lá. São muito caros."
Dois restaurantes pequenos de noodles e um lugar que vende tigelas de congee, uma espécie de canja, por cerca de 16 dólares de Hong Kong, cerca de US$ 2, são os únicos restaurantes populares que restam na High Street.
Na frente da oficina de Yeung, um restaurante italiano recentemente substituiu uma oficina mecânica.
Pontos comerciais no térreo na região agora custam cerca de 55 ou 60 dólares de Hong Kong por metro quadrado por mês, de acordo com o corretor Au. Há dois anos, custavam de 30 a 35 dólares.
"A nova escada-rolante traz mais gente, mas não traz muito negócio", disse Lee In-yu, cuja pequena papelaria e lojas de brinquedos está repleta de canetas, bonecas e adesivos de astros pop de Hong Kong.
Em seus 20 anos na High Street, Lee e seu marido, Cheng Chi-ming, sobreviveram à chegada da internet e dos computadores: eles reduziram o negócio de cópias que costumava ser sua principal fonte de renda e acrescentaram capas de telefone e cabos às prateleiras quando os celulares decolaram.
Pode ser difícil sobreviver à revitalização de Sai Ying Pun.
Como muitos restaurantes baratos fecharam no verão assado, um número bem menor de estudantes das escolas próximas visita o lugar, disse Lee. "Eles costumavam vir para este bairro para almoçar, e compravam aqui antes de voltar para a aula. Isso não acontece mais."
Os estrangeiros que começaram a se mudar para a área frequentam sua pequena loja de tempos em tempos, mas não compram muita coisa.
A abertura de uma nova estação do metrô no final deste ano pode trazer mais gente, disse Lee. Mas com os alugueis aumentando rápido, ela tem pouca esperança de conseguir pagar as contas. "Nós provavelmente fecharemos em dois anos, se não este ano", disse.

terça-feira, 18 de março de 2014


http://coldfire136.files.wordpress.com/2008/03/china_poverty.jpg

"Você está sem emprego? Não tem onde morar? Não tem nada para comer?", pergunta o anúncio online. "Venha para Fukushima". 
Esse texto sombrio que tem como público-alvo os japoneses mais pobres e foi publicado por uma empresa que está buscando funcionários para trabalhar na usina nuclear de Fukushima Daiichi, devastada por um terremoto seguido por um tsunami, é um dos mais claros indícios da busca cada vez mais problemática por pessoas dispostas a realizar a perigosa tarefa de desativar o local.
A empresa Tokyo Electric Power Co., que opera a usina e é conhecida como Tepco, não tem dado muita atenção ao problema e deixou o complexo processo de limpeza a cargo de uma mão de obra que, em geral, é mal gerida, mal treinada, se sente desmoralizada e, em alguns casos, não tem nenhuma qualificação e já cometeu alguns erros perigosos.
Ao mesmo tempo, a Tepco está investindo seus recursos em outra usina, a de Kashiwazaki Kariwa, cujas atividades a empresa pretende reiniciar este ano como parte dos esforços do governo japonês para voltar a utilizar a energia nuclear, três anos após o segundo pior desastre nuclear do mundo. Alguns membros do conselho do órgão regulador do setor nuclear do Japão criticaram a medida.
Em Fukushima, a medida se traduziu em empregos mais escassos e com salários mais baixos, o que afugentou os trabalhadores qualificados. Por isso, segundo informaram operários e outras pessoas, só ficaram em Fukushima funcionários que geralmente são contratados por empresas de recrutamento aventureiras que têm pouco conhecimento técnico e sobre as normas de segurança --isso sem falar na preocupação quase inexistente em relação à contratação de pessoas desesperadas. A polícia e ativistas sindicais dizem que algumas das empresas de recrutamento mais agressivas mantêm laços com a máfia local.
Autoridades do órgão regulador do setor nuclear, prestadores de serviços e mais de 20 trabalhadores que atuam ou atuaram no local e foram entrevistados nos últimos meses dizem que a deterioração das condições de trabalho em Fukushima é a principal causa de uma série de grandes vazamentos de água contaminada e de outros erros constrangedores que já prejudicaram o meio ambiente e, em alguns casos, colocaram trabalhadores em perigo. Na pior das hipóteses, temem os especialistas, esses trabalhadores vulneráveis poderiam provocar um derramamento maior ou outro vazamento de material radioativo.
"Há uma crise de mão de obra na usina", disse Yukiteru Naka, fundador da Tohoku Enterprise, prestador de serviços e ex-engenheiro da usina, que trabalhava para a General Electric. "Nós somos obrigados a fazer mais com menos, como bombeiros que são orientados a usar menos água apesar de o fogo ainda estar queimando".
Essa crise ficou especialmente evidente durante uma manhã escura de outubro do ano passado, quando um grupo de trabalhadores temporários foi enviado para remover as mangueiras e válvulas do local como parte de uma atualização do sistema de purificação de água da usina, que já deveria ter sido realizada há muito tempo.
De acordo com documentos apresentados às autoridades reguladoras pela Tepco, a equipe recebeu apenas um briefing de 20 minutos do seu supervisor e não recebeu nenhum diagrama sobre o sistema que deveria ser consertado nem instruções sobre os procedimentos de segurança --tipo de procedimento que, segundo um ex-supervisor da usina, é inconcebível. Pior ainda: os trabalhadores não foram avisados de que a mangueira próxima daquela que eles deveriam remover estava cheia de água contaminada com césio radioativo.
Enquanto os homens caminhavam desajeitadamente vestidos com seu volumoso traje de proteção, o supervisor deles, que é responsável por desempenhar múltiplas tarefas no local, saiu para verificar outra equipe. Os trabalhadores escolheram a mangueira errada para remover e uma torrente de água radioativa começou a vazar. Em pânico, os homens colocaram as mãos enluvadas na água para tentar interromper o vazamento, espalhando a água sobre si mesmos e sobre outros dois trabalhadores que correram para ajudá-los.
Apesar de os trabalhadores terem sido expostos de maneira significativa à água contaminada, Shigeharu Nakachi, especialista que estuda os efeitos da poluição sobre a saúde das pessoas, disse que o incidente não foi suficiente para causar doenças relacionadas à radiação. Ainda assim, ele disse que exposições como essa devem "deve ser evitadas a todo o custo".
A Tepco se recusou a informar o tipo de experiência que esses trabalhadores possuem para desempenhar essas tarefas, mas, de acordo com documentos apresentados às autoridades reguladoras, a empresa que os recrutou assinou um contrato relacionado a esse trabalho apenas uma semana antes do vazamento. A Tepco também se recusou a dizer se a prestadora de serviços contratou os trabalhadores por meio de empresas de recrutamento, prática que geralmente é considerada ilegal em usinas nucleares, ainda que seja amplamente aceita.
Em resposta a perguntas enviadas por escrito, a Tepco disse que "não está em posição de comentar sobre as práticas de contratação" de suas prestadoras de serviços.
A Tepco também se recusou a divulgar um relato detalhado sobre um vazamento recente ocorrido na usina --o pior vazamento em seis meses--, que foi registrado quando os trabalhadores que enchem os tanques de armazenamento de água contaminada desviaram essa água remotamente para o tanque errado. Mas mesmo as poucas informações disponíveis indicam que houve uma confusão por parte dos trabalhadores.
Eles ignoraram os alarmes que alertaram para o transbordamento do tanque devido ao fato de muitos desses tanques estarem próximos de sua capacidade máxima de armazenamento e, por isso, os alarmes disparam o tempo todo. Ninguém notou que o nível de água do tanque que deveria estar recebendo a água não estava aumentando.
"Esse foi um erro extremamente básico", disse Toyoshi Fuketa, encarregado da Autoridade Reguladora do Setor Nuclear, durante uma audiência recente. "Se um alarme de incêndio disparasse em sua casa, você ficaria preocupado, o que dirá em uma usina nuclear".
O vice-presidente da área de energia nuclear da Tepco, Masayuki Ono, explicou posteriormente que "não nos ocorreu ir até o local para verificar a situação".
No cerne dos problemas da usina está o sistema de contratação do setor nuclear, que utiliza várias empresas intermediárias. Segundo os críticos vêm alertando há muito tempo, esse sistema permite que as operadoras de grande porte responsáveis pela administração das usinas nucleares se distanciem dos problemas surgem nessas plantas. De acordo com esse sistema de contratação, prestadoras de serviços são contratadas e dividem o trabalho com várias outras subcontratadas. Na parte inferior dessa cadeia, submetidos às tarefas mais insalubres, estão os chamados "ciganos nucleares" – operários itinerantes atraídos pelos bons salários que, em geral, são pagos por esse setor.
O acidente só serviu para ampliar os problemas desse sistema de contratação. De acordo com os registros da empresa, os trabalhadores temporários da Fukushima Daiichi estão expostos, em média, a radiações mais de duas vezes superiores àquelas a que são submetidos os funcionários fixos da Tepco. Segundo afirmam muitas pessoas, esse sistema de subcontratação, no qual as tarefas são divididas entre várias empresas, também faz com que haja relativamente pouca supervisão por parte da Tepco.
Em uma entrevista recente, uma porta-voz da Tepco disse que a empresa avalia regularmente as empresas terceirizadas e exige que elas forneçam a seus trabalhadores uma aula sobre noções básicas de radiação. (A porta-voz negou as acusações generalizadas de fraude feitas por alguns trabalhadores.)
Mas, em uma entrevista coletiva concedida no mês passado, o chefe do órgão regulador do setor nuclear, Shunichi Tanaka, disse: "há uma estrutura de subcontratação que permite que até mesmo os funcionários das empresas terceirizadas ou quarterizadas trabalhem no local, e a Tepco não tem uma visão clara sobre o que está acontecendo no local".
Naka, o prestador de serviços que mencionou a crise de mão de obra em Fukushima, disse que muitos de seus melhores engenheiros – incluindo aqueles que combateram as explosões e os incêndios nos primeiros dias da crise – ou pediram demissão ou não podem trabalhar na usina por já terem alcançado os limites legais de exposição à radiação durante o período de um ano.
Yoshitatsu Uechi é uma das pessoas que se apresentou após a divulgação de anúncios que visavam contratar trabalhadores mais experientes. Ex-motorista de ônibus e trabalhador da construção civil, Uechi nunca havia trabalhado em uma usina nuclear.
Ele recebeu cerca de US$ 150 por dia para desempenhar uma das funções mais urgentes da planta: construir tanques para armazenar enormes quantidades de água contaminada no local. Segundo Uechi, os dias na usina eram bastante corridos e, em um dado momento, a prestadora de serviços para qual ele trabalhava pediu para que ele continuasse impermeabilizando as junções dos tanques, apesar da chuva e da neve que faziam o impermeabilizante escorregar.
Ele acredita que esse tipo de trabalho desleixado comprometerá os tanques no futuro. Desde então, alguns desses tanques já vazaram.
"Eu falei várias vezes sobre os problemas nos tanques, mas ninguém quis me ouvir", disse Uechi, pai de quatro filhos, que diz que trocou Okinawa e sua economia em recessão por Fukushima para proporcionar uma vida melhor para seus filhos. Segundo ele, os trabalhadores da usina quase nunca viam os gestores da Tepco durante o tempo que passaram trabalhando lá.
Uechi disse que transmitiu suas preocupações não apenas para seus chefes imediatos, mas também para a Tepco. (Questionada sobre as denúncias, a Tepco disse que não poderia falar sobre trabalhadores individuais devido a questões relacionadas à privacidade.)
A Tepco prometeu aumentar os salários dos funcionários para compensar a natureza arriscada e instável do trabalho. Apesar da promessa, os trabalhadores que jantavam em um dormitório próximo da usina se mostraram céticos, especialmente em relação ao pagamento extra anunciado pela empresa.
"Após as várias prestadoras de serviços de todos os níveis tirarem sua parte do bolo, não resta muito mais dinheiro para nós", disse um trabalhador de 40 e poucos anos, enquanto ele e dois colegas faziam uma refeição simples, composta por frango, berinjela e arroz e regada a cerveja e uísque.
Todos os homens que trabalham no local – que temem ser demitidos caso seus nomes sejam divulgados – foram alojados em pequenos quartos equipados com uma cama e uma mesa. A área ao redor do dormitório é quase que praticamente deserta, uma vez que muitas pessoas se recusaram a retornar ao local após o acidente.
Os trabalhadores dizem que há pouco para fazer à noite a não ser assistir TV, jogar roleta em um pequeno centro de jogos e beber. Uma loja que fica dentro de da "J-Village" – a base de Tepco fora da usina – vende cerveja, uísque e saquê. De acordo com vários relatos, o alcoolismo é galopante no local, e um trabalhador disse que ele e seus colegas às vezes vão trabalhar de ressaca.
As empresas de recrutamento, que enfrentam dificuldades para manter os três mil trabalhadores na usina – em comparação aos 4.500 funcionários da usina de Kashiwazaki-Kariwa –, estão ficando desesperadas. Geralmente afugentadas das áreas urbanas – onde os trabalhadores diaristas e os moradores de rua se concentram – pelos ativistas dos sindicatos, as empresas de recrutamento têm cada vez mais divulgado seus anúncios de recrutamento online e deixado claro que o nível das vagas é baixo.
Um anúncio, que divulgava uma vaga envolvendo o monitoramento de radiação, informava: "você precisa ter bom senso e ser capaz de manter uma conversa".
Embora não tenha ficado claro se todos os trabalhadores contratados viviam nas ruas antes de chegarem à usina, os funcionários e outras pessoas familiarizadas com eles dizem que muitos estavam em situação muito precária antes de serem contratados.
"Estamos falando de pessoas que, basicamente, ganham apenas para comer e arcar com as necessidades mais básicas", disse Hiroyuki Watanabe, membro da câmara municipal de Iwaki, cidade vizinha de Fukushima.
Um trabalhador que se recusou a revelar seu nome disse que estava numa situação tão precária que acabou ficando sem-teto ao perder seu emprego como faxineiro cuja função era remover lama contaminada das botas dos trabalhadores. Outro, contratado para verificar se havia rachaduras nos reatores da usina, disse que chegou ao local após perder seu emprego em uma fábrica e ser despejado de casa depois de terminar o relacionamento com uma namorada.
 A empresa de recrutamento que o contratou, chamada Takahashi Kensetsu, não pediu suas referências.
 Ele diz que, na maior parte das vezes, não tinha certeza do que estava verificando nos reatores e que recebeu poucas explicações sobre os potenciais perigos associados ao trabalho. Após seu pagamento ter atrasado e a empresa ter negado pagar horas extras, ele pediu demissão. Desde então, ele conseguiu receber alguns salários atrasados com a ajuda do escritório local que fiscaliza as normas trabalhistas.
 Mas, a essa altura, a Takahashi Kensetsu já havia encerrado suas atividades – latas de cerveja vazias e gibis podiam ser vistos espalhados dentro de seus escritórios vazios durante uma visita recente –, e, por isso, os defensores dos direitos dos trabalhadores conseguiram recuperar o dinheiro acionando a prestadora de serviços que contratou a empresa de recrutamento. A Takahashi Kensetsu não pode ser encontrada em um registro oficial de empresas locais e as várias ligações para o número indicado no anúncio publicado pela companhia não obtiveram resposta.
 Outras prestadoras de serviços de Fukushima e ativistas sindicais dizem que a Takahashi Kensetsu é afiliada à Inagawa-kai, uma das maiores organizações do crime organizado do Japão, ou yakuza. Trabalhadores, prestadoras de serviços e advogados dizem que a yakuza está envolvida há muito tempo no fornecimento de funcionários para as usinas nucleares – e pelo menos uma prestadora de serviços penalizada devido a abusos relacionados às leis trabalhistas em Fukushima foi identificada pela polícia como tendo laços com a yakuza.
 "A Tokyo Electric não tem ideia de quem realmente está realizando o trabalho no local", disse Takeshi Katsura, que ajudou o trabalhador receber seus salários atrasados. "É uma espécie de vale tudo".

sábado, 8 de março de 2014



A Malásia proibiu uma revista em quadrinhos com o super-herói japonês Ultraman porque poderia perturbar a "ordem pública", gesto amplamente ridicularizado na internet por aqueles que viram nele o sinal mais recente de censura exagerada no país de maioria muçulmana.
A revista, "Ultraman The Ultra Power", foi banida em 18 de fevereiro, com uma penalidade de até três anos de prisão para qualquer um que a importe ou publique, disse o Ministério do Interior, segundo a agência estatal de notícias Bernama. 
 A revista estava em uma lista de publicações proibidas no site do ministério nesta sexta-feira (7).
Autoridades da pasta não responderam a um pedido de comentário sobre a proibição e os relatos de que foi implementada por conter uma comparação entre Ultraman e Alá.
O jornal "Star" relatou que a fala ofensiva na revista diz: "Ultraman é visto e respeitado como Alá, ou um ancião de todos os guerreiros Ultra".
A palavra Alá está no cerne de uma polêmica enorme na Malásia desde outubro passado, quando um tribunal proibiu um jornal católico de usá-la.


Seu telefone celular não está tocando. Seus programas de bate-papo online estão ociosos. Suas camisinhas continuam nas embalagens. As pessoas não procuram mais Denny para fazer sexo pago.
"Em Dongguan temos uma coisa chamada serviço no estilo Dongguan", disse o rapaz de cabelos castanhos tingidos, sentado em um restaurante de hotel, que aceitou falar sob a condição de que só seja usado seu apelido em inglês. "É a capital do sexo. Já é famosa. É como se tivesse um certificado ISO 9000" - uma referência ao padrão de qualidade internacional para indústrias de serviço de todo tipo.
"Agora tudo parou", disse ele.
A China está tomada pela campanha contra o vício mais dura montada pelo governo em muitos anos, e a repressão já cobra um preço para a economia de Dongguan, cidade no sul do país, com mais de 8 milhões de habitantes. É um centro de manufatura para o setor de exportações e uma meca para trabalhadores migrantes, mas também a "capital do pecado" da China. Hoje, a indústria da prostituição aqui está em recesso.
Os clubes noturnos e as casas de massagem, sejam em hotéis cinco estrelas ou em becos obscuros, foram fechados. Os motoristas de táxi que antes faturavam comissões dos bordéis veem suas carteiras cada vez mais magras. Alguns senhorios têm dificuldade para alugar apartamentos, pois as prostitutas deixam a cidade ou decidem não voltar das férias do Ano Novo lunar.
A repressão é tão severa, e a indústria do sexo em Dongguan é tão grande, que os policiais de Hong Kong, que fica próxima, manifestaram preocupações sobre a chegada de uma potencial enxurrada de prostitutas desalojadas.
A campanha parece ser o último elemento em um amplo esforço do presidente Xi Jinping, chefe do Partido Comunista, para sanar a imagem de corrupção associada às autoridades chinesas.
O Ministério da Segurança Pública em Pequim prometeu no mês passado aplicar um golpe contra os "três vícios" - prostituição, jogo e uso de drogas -, mas o foco da repressão é evidentemente ao comércio sexual.
A campanha nacional começou em 9 de fevereiro, quando a Televisão Central da China transmitiu o que foi anunciado como documento sigiloso, mostrando ligações por dinheiro nos hotéis de Dongguan. No dia seguinte, o chefe do partido na província de Guangdong, que inclui Dongguan, ordenou que a cidade fechasse os locais de entretenimento durante três meses. A polícia realizou batidas em algumas saunas, boates e bares de karaokê, o tipo de lugares que têm uma reputação de imoralidade em toda a China.
Hotéis de redes internacionais não foram poupados. O Sheraton local tem um salão de massagem nos pés no quinto andar que foi fechado, e o spa vizinho a ele tem selos da polícia nas portas. (Um gerente do Sheraton disse que uma companhia externa dirige o spa, mas uma ligação para o telefone do mesmo foi atendida pelo departamento de serviços aos hóspedes do hotel.)
O Ministério de Segurança Pública ordenou que os departamentos de polícia de toda a China realizem batidas semelhantes. Uma piada que circula diz que, para conter o surto recente da gripe aviária, Xi Jinping mandou "eliminar as galinhas", mas a ordem foi enviada acidentalmente para o Ministério da Segurança Pública em vez do da Saúde e os policiais pensaram que se referisse às prostitutas.
Até agora, a maior baixa política foi o chefe de polícia de Dongguan, Yan Xiaokang, que foi demitido e colocado sob investigação. Mas são as prostitutas que enfrentam as consequências mais duras.
"Esta é a campanha mais séria até agora", disse um amigo de Denny, um michê com um boné de caminhoneiro e unhas pintadas de preto. "É a mesma coisa em todo lugar, por isso não podemos sequer ir para outras cidades."
Antes da repressão, disse o amigo de Denny, ele ganhava mais de US$ 100 em uma noite boa. Mas hoje teme o contato de potenciais clientes porque podem ser policiais "plantados" para prender pessoas, e os clientes têm os mesmos temores em fazer contato.
No início da campanha, em 10 de fevereiro, a polícia de Dongguan anunciou que tinha inspecionado quase 2 mil locais de entretenimento na cidade, tinha descoberto que 39 deles eram "locais amarelos" ("amarelo" é uma gíria chinesa para erótico) e havia prendido 162 pessoas. Nos primeiros seis dias, segundo o site do Ministério da Segurança, mais de 2.400 locais amarelos em todo o país foram fechados, 73 círculos de prostituição foram rompidos e mais de 500 pessoas, detidas.
Os clubes dão aos clientes cardápios com dezenas de serviços, alguns com nomes que têm floreios poéticos tipicamente chineses ("fênix erguendo-se do banho"). Duas horas com uma mulher em um local elegante custa geralmente 1.000 renmimbis (iuanes), ou cerca de US$ 160. O cliente pode contratar uma prostituta para ser uma amante exclusiva: um anúncio de emprego publicado nas ruas na área de Houjie dizia que a trabalhadora poderia ganhar de US$ 1.640 a US$ 4.900 por mês. O mesmo anúncio dizia que uma "princesa da sala", uma mulher que "empurra" bebidas para os clientes nos clubes de karaokê, poderia ganhar US$ 1.300 por mês mais gorjetas. A clientela vai além do continente: empresários de Taiwan e outras partes da Ásia muitas vezes incluem uma escala em Dongguan quando viajam à China.
"Não acredito que Dongguan tenha mais prostitutas ou as mais caras, mas definitivamente tem a indústria de sexo mais avançada e madura", disse Ai Xiaoming, um professor de literatura e estudos de gênero na Universidade de Guangzhou, a capital da província.
Um diretor do BB Club estimou que o fechamento custava a sua empresa cerca de US$ 10 mil por dia em despesas e receitas perdidas. "O governo fez isto por motivos secretos", disse ele, e rapidamente fez um repórter estrangeiro sair do prédio quando as autoridades do departamento de cultura local chegaram para uma inspeção.
Um motorista particular disse que os hotéis e clubes da cidade não seriam viáveis sem a indústria do sexo. "Quem vai a um bar se não houver garotas?", disse ele. "Você não consegue beber se não houver garotas para acompanhá-lo." O motorista, que só deu seu sobrenome, Liu, disse que ele às vezes ganha US$ 120 por noite em comissões dos bordéis por levar clientes. "Isso afetou todos os motoristas", ele disse sobre a repressão. "Eu terei de ser mais econômico."
De baixo do apoio para o braço em seu carro, Liu tirou uma pilha de panfletos com fotos de mulheres nuas, números de telefone e listas de serviços. Ele disse que conhece um homem de Cingapura que pagou para fazer sexo com cinco mulheres ao mesmo tempo. Hoje em dia, disse, um cliente teria sorte de conseguir os serviços de uma única mulher em Dongguan.

terça-feira, 4 de março de 2014


O Ministério da Saúde da Índia enviou a todos os hospitais do país um guia sobre como tratar uma vítima de estupro. Entre outras medidas, o guia abole o "teste dos dois dedos".
Segundo o médico Indrajit Khandekar, que participou da elaboração do guia, o teste consiste em o médico introduzir dois dedos na vagina da vítima, para verificar se ela pratica sexo com frequência. Khandekar observa que o resultado do teste é irrelevante e agride a privacidade da mulher. 
 "Em caso de violação, não importa se a mulher pratica sexo habitualmente ou não", disse Khandekar, observando que o tamanho dos dedos do médico influi no resultado do teste. Ele é chefe da unidade de medicina forense do Instituto Mahatma Gandhi de Ciências Médicas de Maharashtra, no oeste da Índia.
O guia, de 68 páginas, foi publicado em dezembro, mas ainda vai demorar a ter aplicação obrigatória em todos os hospitais indianos, segundo Khandekar. "A chave é que os jovens médicos assimilem as orientações desde cedo e que elas sejam ensinadas em todas as universidades", afirma.
Além da recomendação de abolir o teste, o guia também determina que as vítimas de estupro sejam deixadas num quarto privado, recebam auxílio psicológico e sejam examinadas. Hoje, elas são atendidas em meio a outros pacientes. O diagnóstico deve ser escrito à máquina, pois os tribunais muitas vezes descartam informes escritos em letra incompreensível.
Embora o guia estivesse em elaboração desde 2007, com uma primeira versão pronta já há cinco anos, apenas no ano passado as autoridades indianas começaram a levar em conta as recomendações.
A adoção do manual foi uma das reações ao estupro e assassinato de uma mulher em Nova Déli, cometido por um grupo em dezembro de 2012. O caso provocou protestos e um debate inédito sobre a situação das mulheres na Índia, que levou o governo a endurecer as leis contra agressão sexual.

http://retrothing.typepad.com/photos/uncategorized/2007/05/28/instamatic.jpg

Em 2000 Nassima sonhava em fugir do Afeganistão para poder brincar na rua, escutar música ou jogar com seu amigo Mohamed. Em 2014 Malala continua fazendo-o, em seu caso no Paquistão, para poder ir à escola. Algumas coisas mudaram no Afeganistão e no Paquistão dos taleban nos últimos anos, mas pouco para a dignidade das meninas e mulheres.
Nassima, 11, queria ser como seu amigo e poder brincar e caminhar livremente pela rua, ir ao colégio, escutar música ou soltar papagaios pelas ruas do Afeganistão e só sonhava em sair de seu país escondida em um dos tapetes fabricados por seu pai e exportados através do Paquistão. Não podia entender por que nem as mulheres nem as meninas podiam ir ao hospital quando estavam doentes, por que sua entrada era proibida.
Por esse motivo sua avó Fatuma não morreu por milagre quando tentaram interná-la com um problema no coração. Lembrava como era feliz em sua antiga escola, embora se tratasse de um edifício decrépito, sem janelas e com uma lousa que um dia e outro também caía ao chão. Queria aprender a ler porque seu pai lhe tinha dito que isso era o mais bonito que havia no mundo, que lendo se pode sonhar, se podem viver outras vidas, viajar, ser outras pessoas, e para Nassima parecia uma coisa fantástica.
Mas essa menina de Cabul pensava que "desde que esses homens barbudos e olhos febris, chamados taleban, haviam chegado ao poder ela tinha deixado de ir à escola, não podia mais brincar na rua com seus amigos, não podia ler nem aparecer na janela de sua casa".
Isso ocorreu em 2000, há 14 anos. Hoje com 24, Nassima continua sofrendo todo tipo de discriminação. Depois que os taleban perderam o poder, ela voltou à escola e a jogar com seu amigo Mohamed, com o qual acabou se casando, mas sua vida é uma luta contínua. Hoje Nassima é uma ativista dos direitos das mulheres como foi Sushmita Benerjee, uma escritora indiana casada com um afegão que em setembro passado foi assassinada com 20 tiros na porta de uma escola. Sushmita sempre foi um alvo dos taleban, por ser mulher, por se negar a usar a burqa, mas sobretudo por seus livros publicados na Índia, denunciando a situação das meninas e mulheres afegãs.
Tanto Nassima quanto Sushmita sempre se sentiram muito identificadas com Malala, do Paquistão, que agora luta em Londres para que as meninas de seu país possam ir à escola. Malala levou um tiro no rosto na saída da escola, de um grupo taleban. "Dispararam contra Malala porque a educação das meninas ameaça tudo o que eles defendem. O maior risco para os extremistas violentos no Paquistão não são os drones americanos. São as meninas com formação", escreveu Nicholas D. Kristof no "New York Times".
Depois de ser transferida para Londres para ser operada e recuperar-se fisicamente, Malala continuou lutando para que as meninas de seu país pudessem continuar estudando. No dia em que completou 16 anos, Malala se dirigiu à Assembleia Geral da ONU com força e convicção. Com a mesma que muitos anos antes, em 2000, o fazia Nassima. Diante de um auditório repleto e vestindo um sári que pertencia a Benazir Bhutto, a jovem afirmou: "Não é meu dia, e sim o de todas as mulheres e crianças que levantaram sua voz por seus direitos".
"Falo por aqueles cujas vozes não podem ser ouvidas, pelos que lutaram por seus direitos de viver em paz, seu direito à igualdade de oportunidades e seu direito de ser educados. Queridos amigos, no dia em que os taleban atiraram em meu rosto, em mim e minhas amigas, pensaram que a bala nos silenciaria, mas erraram. Aquela bala elevou centenas de vozes. O extremismo tem medo dos lápis e dos livros e do poder da voz das mulheres, por isso as matam", afirmou Malala diante do olhar surpreso, atento e emocionado de muitos diplomatas da ONU.
No ano passado, uma representação do governo afegão teve que prestar contas diante da ONU sobre a situação das mulheres. Tentaram justificar o trabalho realizado pelo governo, mas com pouco êxito. O documento falava em 167 "incidentes" que afetavam a educação, dos quais 49% foram atribuídos a grupos armados, incluindo as forças dos taleban, 25% às forças pró-governamentais e 26% a autores não identificados.
Diversos grupos armados cometeram ataques contra escolas, o que incluiu a utilização de artefatos explosivos improvisados e ataques suicidas, o incêndio de escolas e o sequestro e a chacina de professores. Vários grupos armados também foram responsáveis por atos de intimidação, ameaças contra professores e alunas e fechamentos forçados desses colégios.
Diante desses fatos, deveríamos nos perguntar o que mudou no Afeganistão e nas áreas do Paquistão dominadas pelos talebans. A resposta é pouco, muito pouco, apesar da dura guerra vivida e da quantidade de mortos que caíram pelo caminho.
As meninas e as mulheres pouco se beneficiaram da guerra, das mudanças de governos ou de que os taleban não estejam no poder. Não têm a presidência do governo, mas dominam a rua. E a pergunta que todos deveríamos nos fazer, especialmente os que têm poder, é: tanto medo das mulheres que saibam ler e escrever, que tenham formação?
O único lugar onde as meninas viram melhorar um pouco sua capacidade de ir à escola no Afeganistão foi nas grandes cidades. Cinco milhões de meninos e meninas não estão escolarizados, dos quais 37% são meninas. Insisto, isso nas grandes cidades como Cabul.
Mas o desprezo e o ódio pela mulher também chegam às agressões físicas, como ocorreu a Aisha Mohammadzai, conhecida como Aisha Bibi. Em 2009 essa jovem de 19 anos foi retirada violentamente de sua casa pelos taleban. Depois de permanecer cinco meses em uma prisão, um tribunal rural a julgou e determinou que deveria servir de exemplo para outras mulheres, e como condenação a enviou de volta a seu marido. Este a levou para as montanhas, amarrou suas mãos e seus pés e lhe disse que como castigo lhe cortaria o nariz e as orelhas. E assim o fez, deixando-a abandonada nas montanhas.
Segundo relatou o programa "Daybreak", da rede britânica ITV, depois do ataque Aisha conseguiu chegar à casa de seu avô, de onde foi transferida para um centro médico americano, e ali permaneceu por dez meses. Posteriormente foi levada a um refúgio secreto em Cabul e depois viajou para os EUA, graças à ajuda de uma organização humanitária.
Em 2010 a revista "Time" publicou a fotografia de Aisha sem o nariz, na capa de sua edição de agosto. A imagem, que foi feita pela fotógrafa Jodi Bieber em um centro de mulheres maltratadas no Afeganistão, foi escolhida a melhor do ano pelo prêmio World Press Photo. Atualmente, Aisha vive em Maryland, EUA, onde um casal cuida dela.
Mas por que aconteceu isso com Aisha? Simplesmente porque seu pai, quando a menina tinha 12 anos, prometeu dá-la a um combatente taleban como compensação por um assassinato que um membro de sua família havia cometido. Aos 14 anos já estava casada e submetida a constantes abusos, até que aos 18 tentou fugir. Essa foi a razão de sua mutilação facial.
No Paquistão, apenas 1% do orçamento é dedicado à educação (especialmente para homens), enquanto se gastam 30% em armamentos. Enquanto isso, jovens como Aisha terão de continuar sonhando e arriscando suas vidas por uma vida melhor para as mulheres.

sábado, 1 de março de 2014


http://www.lcool.org/trips/barson_adventure/dazza_flat.jpg

Centenas de pessoas se manifestaram  em Tóquio contra a decisão judicial de abandonar os processos contra os responsáveis pelo desastre nuclear de Fukushima, há três anos.  Cerca de 15.000 pessoas, cujas casas e fazendas foram afetadas pela radiação, apresentaram uma ação judicial em 2012 contra o governo japonês e os dirigentes da operadora da central Tokyo Electric Power (TEPCO).  Em setembro, os juízes decidiram não emitir qualquer acusação por negligência, estimando que ninguém poderia prever o terremoto e nem um tsunami tão violento, como o que provocou a morte de 18.000 pessoas. Os juízes também não detectaram falhas na resposta à catástrofe.  "Foram muitas vítimas, mas não há ação judicial", declarou Ruiko Muto, organizador da manifestação. As autoridades não registraram nenhuma morte como consequência direta das emissões radioativas da central após o desastre de 2011.