sábado, 25 de dezembro de 2010

O véu islâmico e o recatado guarda-roupa da Fulla, uma das bonecas mais vendidas no Oriente Médio, já não seduzem tanto as meninas egípcias, que agora preferem as saias curtas e os vestidos justos da Barbie.
"A Fulla desapareceu de nossas prateleiras. Ninguém mais procura por ela porque está fora de moda", disse a jovem Nevine Ibrahim, funcionária de uma loja de brinquedos do bairro de Dokhi, no Cairo.
A boneca, batizada com o nome de um típico jasmim da região, foi lançada na Síria em 2003. Segundo Hani Orfali, um responsável da empresa fabricante, ela "representa o mundo muçulmano com sua cultura, valores e esperanças".
"A Fulla simboliza o sonho de toda menina árabe: uma personalidade popular e divertida que contribui positivamente para a sociedade e ressalta a importância da vida familiar", assinalou Orfali, diretor da divisão de brinquedos da NewBoy, em e-mail à Agência Efe.
Ele garantiu que as vendas da boneca nos últimos anos foram "mais altas que as de qualquer outra boneca no Oriente Médio", mas preferiu não mencionar números nem dar detalhes sobre a atual situação.
No entanto, o comerciante egípcio Talat Mustafa, dono de uma loja de brinquedos em um centro comercial, destacou que ela já quase não é vendida no Egito.
"Durante alguns anos, as vendas do produto subiram sem parar, mas era uma moda passageira. Agora, nenhum cliente a solicita", comenta.
De fato, nas prateleiras de seu estabelecimento, as únicas concorrentes da Barbie são as pomposas princesas ocidentais, de vestidos rosa brilhante.
Já não há lugar para a Fulla porque, segundo Mustafa, a boneca islâmica "perdeu a batalha do marketing".
"Mas quem sabe? Se voltar a aparecer na televisão, talvez nossos clientes nos obriguem a trazê-la de volta à loja", acrescentou.
"Muitos pais pensaram que, se sua filha brincasse com uma boneca islâmica, seria uma boa religiosa quando crescesse. Mas esse conceito mudou", ressaltou Mustafa.
Na loja de brinquedos de Ibrahim também não há rastro dos olhos castanhos e do cabelo preto da Fulla, mas sim restam algumas concorrentes de traços árabes e véu islâmico que, por serem mais baratas, esperam que algum comprador se compadeça delas.
As "primas" islâmicas da Fulla são Karima [generosa, em árabe], que veste um longo vestido azul e tem um véu branco, e Yamila [bela], produzida com uma "abaya", túnica negra usada nos países do golfo Pérsico que cobre da cabeça aos pés.
Ao contrário da Fulla, fiel à ortodoxia muçulmana que só aceita as relações entre homem e mulher dentro do casamento, Yamila tem um companheiro com túnica e turbante brancos, Yamil, alternativa ao amigo da Barbie, Ken.
Sobre esse delicado assunto, Orfali acredita que é cedo para que a boneca muçulmana tenha um marido porque representa uma jovem de 16 anos, e não revela se seu casamento chegará com a maioridade.
Apesar de ter caído em desgraça entre as meninas egípcias, esta boneca mantém seu prestígio em países do golfo como a Arábia Saudita, onde a Barbie é proibida e a Fulla oferece, além disso, uma extensa unidade familiar formada por seus pais, dois irmãos gêmeos chamados Bader e Nur, e duas amigas íntimas, Yasmin e Nada.
A Fulla não é apenas uma boneca, já que produtos como eletrodomésticos, faqueiros, perfumes e inclusive um kit de oração composto por um véu e um tapete são comercializados com seu nome.
Segundo Orfali, a criação deste universo próprio se deve a que a Fulla continua no foco de algumas jovens árabes "sem renunciar ao véu nem aos trajes típicos de alguns países" e, além do guarda-roupa, compartilha com elas aspirações profissionais.
"A Fulla, como outras meninas de sua idade, sonha em desenvolver uma carreira no futuro", disse o diretor da NewBoy para justificar que a boneca já dispõe de suas versões de professora, dentista e estilista.
E advertiu: "Terá outras muitas profissões, que serão escolhidas com base em nossas pesquisas sobre os sonhos das adolescentes árabes".
O renomado cineasta iraniano Jafar Panahi, 50, uma das principais vozes da oposição, foi condenado por um tribunal do seu país a seis anos de prisão.
Além da detenção, Panahi está proibido de realizar seu trabalho pelos próximos 20 anos. Isso significa que não poderá se envolver com qualquer atividade cinematográfica durante esse período.
O diretor está sendo acusado de conspiração e propaganda contra o governo.
As informações foram concedidas por sua advogada. Em entrevista à agência de notícias Reuters, Farideh Gheyrat também disse que o impedimento não se limita à produção cultural.
Ele também atinge atividades como "viajar para fora do país, escrever roteiros e dar entrevistas a meios de comunicação, sejam eles estrangeiros ou locais".
Em março deste ano, o iraniano foi preso depois de demonstrar publicamente seu apoio a Mir Hossein Mousavi, principal nome da oposição, durante as eleições disputadas que resultaram na vitória do atual presidente, Mahmoud Ahmadinejad.
De acordo com fontes da oposição, a acusação direcionada a ele foi a de estar preparando um filme sobre o "movimento opositor verde", a cor do partido liderado por Mousavi.
Panahi ficou 88 dias encarcerado. A prisão ocorreu em sua casa no momento em que estava reunido com familiares e amigos.
Como forma de protesto, realizou uma greve de fome contra uma situação que definiu com o uso das palavras "obscena" e "vergonhosa".
"Juro pelo cinema em que acredito que não vou parar a greve de fome até que se cumpram meus pedidos", assegurou em uma carta cujo conteúdo a Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã tornou público.
Depois de pagar a quantia de 160 mil de fiança, o diretor reconquistou a liberdade no dia 25 de maio.
Sua prisão chamou a atenção de personalidades do cinema do mundo inteiro, com destaque para Steven Spielberg, Juliette Binoche e o também famoso compatriota Abbas Kiarostami.
Este aproveitou a apresentação de seu filme no Festival de Cannes para criticar o regime de Teerã.
Panahi e Kiarostami são ardorosos críticos do regime político de Ahmadinejad.
Em seus trabalhos, o diretor condenado aborda aspectos do cotidiano da sociedade iraniana, como a situação das mulheres.
Em 1995, sagrou-se vencedor da Câmera de Ouro no Festival de Cannes pelo filme "O Globo Azul".
Outro prêmio veio em 2000: o filme "O Círculo", que retrata as dificuldades das mulheres para viver no país, lhe rendeu o Leão de Ouro de Veneza.
O cineasta ainda tem possibilidade de recorrer. Para isso, não pode perder o limite de 20 dias. A advogada afirmou que "seguramente" apresentará um pedido de revisão da sentença.
É difícil imaginar que um cibercafé precário e repleto de moscas em Qalqilya, uma pequena cidade palestina, poderia servir de posto de trabalho a um blogueiro que irritou a comunidade muçulmana na Internet ao promover o ateísmo, escrever paródias de versículos do Corão, zombar do estilo de vida do profeta Maomé e bater papo online usando o sarcástico nick Deus Todo Poderoso.
Até recentemente, o jovem, Waleed Hasayin, levava uma vida relativamente anônima como desempregado formado em ciência da computação e se sustentava ajudando durante algumas horas por dia no trabalho a barbearia de seu pai.
Diversos conhecidos o descreveram como "um cara comum", que orava na mesquita a cada sexta-feira.
Desde o final de outubro, porém, Hasayin, que tem perto de 25 anos, está detido na sede do serviço de inteligência da Autoridade Palestina, sob a suspeita de ser o bloqueiro blasfemo que assina seus posts com o nome Waleed al-Husseini.
O caso atraiu atenção a questões espinhosas como a liberdade de expressão no território da Autoridade Palestina, onde insultar a religião é considerado ilegal, e para a colisão cultural entre uma sociedade conservadora e a Internet.
Embora Hasayin tenha conquistado certa admiração no exterior, há pessoas que apelam por sua execução, no Facebook.
Outros membros do site de redes sociais criaram um grupo de solidariedade para apoiá-lo, e há diversas petições online em sua defesa.
Em sua cidade, a reação parece ser uniformemente furiosa. Muita gente diz que, caso não se desculpe, ele deveria passar o resto da vida na cadeia.
"Todos são muçulmanos aqui, todos se opõem ao que ele fez", disse Alaa Jarar, 20, que se descreveu como não especialmente religioso.
Além de suas páginas no Facebook, que foram apagadas, Husseini postava ensaios em árabe no blog Noor al-Aqel (esclarecimento pela razão), e os traduzia em inglês no blog Proud Atheist (ateu orgulhoso), se identificando como "um ateu de Jerusalém, Palestina".
As descrições dele parecem distantes das ideologias que prevalecem na cidade de Qalqilya, uma comunidade conservadora, de casas baixas e mais de 40 mil habitantes, na qual carroças percorriam as ruas.
A detenção de Hasayin causou sensações desde que foi reportada, pela Maan, agência de notícias da Palestina. Também há quem questione se ele seria capaz de escrever sozinho.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Esta semana entra em votação em Tóquio o “Decreto para Desenvolvimento Juvenil Saudável”, nova lei que vai regulamentar a produção e venda de quadrinhos, animes e games na região da capital japonesa. A lei já foi aprovada e a votação final acontece na quarta-feira.
A regulamentação não é vista com bons olhos, principalmente pela indústria de quadrinhos japonesa, que a considera uma espécie de perseguição. O principal argumento é que a lei exige que passem para a seção adulta de mangás (para maiores de 18 anos) as revistas “com representações extremas de estupro, incesto e outros crimes sexuais, com imagens injustificavelemente exaltadas ou exageradas” – mas não se opõe a material com fotografias, filmagens ou descrições em texto das mesmas cenas. A lei se aplica somente a imagens desenhadas, pintadas, geradas em computador etc.
A primeira reação da indústria foi o boicote à Tokyo Anime Fair, convenção promovida pelo próprio governo para estimular a indústria. As dez maiores editoras de mangá japonesas, segundo o site Bleeding Cool, anunciaram que não vão participar se a lei continuar em discussão.
Já antevendo a força da nova lei, o site Sankaku Complex relata o caso da quadrinista Yaoi Shouko Takaku, que recebeu ordens de sua editora para parar de usar personagens com uniforme de colegial – um dos maiores clichês dos mangás eróticos.
Enquanto em alguns países, como os EUA, é processado o estabelecimento que vende o material proibido, no Japão a própria editora/produtora também pode ser processada. Complica mais o fato dos artigos da lei serem vagos, abrindo possibilidade para muita coisa virar motivo de processo.
Analistas do mercado japonês – que anda em baixa, como toda a economia japonesa – veem que a nova lei pode ser um “último prego no caixão” da indústria do mangá.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

LETÍCIA SEKITO-PAULO GALLIAN-TRAFFIC JAM-MATILHA CULTURAL


Em uma tarde ensolarada de sábado de fim de outubro em Doha, aplausos e assovios podiam ser ouvidos em um auditório na Katara Cultural Village, um espaço à beira-mar para performance e exposição, que abriga a sede do Festival de Cinema de Doha Tribeca.
A sala estava lotada com 400 pessoas, uma mistura de qatarianos e estrangeiros, aplaudindo os oito cineastas do Qatar cujos filmes de 10 minutos tinham acabado de ser exibidos como parte da programação do festival.
Após a exibição, os jovens diretores foram chamados ao palco para serem festejados pelos diretores do Instituto de Cinema de Doha, que financiou um programa de treinamento de nove meses e a produção dos filmes.
Os temas variavam do paranormal e uma história saída do folclore de horror qatariano, até a fé e o relacionamento entre a geração mais jovem de qatarianos e os mais velhos, presos às tradições.
“Esses cineastas são nosso futuro”, disse Amanda Palmer, uma jornalista nascida na Austrália que é a diretora executiva do instituto de cinema e do festival.
Para os cineastas na região do Golfo, estes são tempos promissores. Nos últimos anos, os governos da região passaram a financiar ativamente o desenvolvimento de uma nascente indústria cinematográfica.
Apesar da ausência de uma indústria organizada no passado, a história do cinema na região data do final dos anos 50. Cineastas autodidatas como Khalifa Shaheen e Bassam al Thawadi no Bahrein, Khaled al Siddiq no Kuait, Abdullah al Mohaisen na Arábia Saudita, e Ali al Abdul nos Emirados Árabes Unidos, iniciaram um movimento que introduziria a tradição árabe de contar histórias a um meio de imagens em movimento.
“O Golfo pode não ser notado pelo cinema, mas é o que as pessoas consomem”, disse David Shepheard, diretor da Comissão de Cinema de Abu Dhabi. “O governo de Abu Dhabi reconhece o valor do cinema e televisão como fonte de empregos e uma ferramenta para desenvolvimento de uma indústria que dissemine uma melhor imagem do Oriente Médio e seu povo.”
A comissão de Shepheard organiza oficinas de treinamento o ano todo, supervisiona um concurso anual internacional de roteiros no valor de US$ 100 mil, conhecido como Subvenção Shasha e promove Abu Dhabi como locação cinematográfica.
Os cineastas do Golfo nunca foram tão prolíficos. No ano passado, mais de 70 diretores dos Emirados apresentaram filmes –em sua maioria curtas– mas conseguir com que sejam vistos por sociedades que ainda preferem as grandes produções de Hollywood, musicais de Bollywood e comédias egípcias é um desafio contínuo. Foi necessária uma agressiva campanha online do diretor Ali Mostafa para que seu filme de estreia, “City of Life”, fosse lançado comercialmente. Mesmo assim, ele foi exibido em apenas 12 salas nos Emirados. Um drama urbano em várias línguas que acompanha várias narrativas paralelas, ele foi o primeiro filme dos Emirados a contar com um elenco internacional. Ele foi assistido por aproximadamente 50 mil pessoas durante um mês em cartaz.
“‘City of Life’ é apenas o começo”, disse Shepheard. “Nós temos que ser pacientes. O desenvolvimento de uma indústria cinematográfica é um investimento a longo prazo e não produzirá resultados da noite para o dia.”
Os filmes do Golfo costumam ser apolíticos em seu conteúdo, mas encorajados pela disponibilidade de novos recursos, os cineastas estão começando a produzir obras que tocam, mesmo que levemente, em assuntos tabus –sexo, álcool, relacionamos antes do casamento e homossexuais e estilos de vida não convencionais.
“O tratamento é muito diferente. De onde eu venho, nós nos concentramos no tema e no quadro maior”, disse Scandar Copti, um cineasta palestino de Israel, que é chefe de educação do Instituto de Cinema de Doha. “Os diretores do Golfo, por outro lado, são muito atentos aos detalhes.”
O apoio oficial à indústria nascente inclui um número crescente de eventos, como o Festival de Cinema de Abu Dhabi, o Festival Internacional de Cinema de Dubai e o Festival de Cinema do Golfo, além de uma variedade impressionante de subvenções, competições e veículos de financiamento. Quando se trata de dinheiro, pode parecer que os cineastas do Golfo são mimados com uma rica variedade de opções –mas na verdade não são. Grande parte dos fundos e subvenções estão ligados a competições e colocam os cineastas do Golfo contra outros talentos árabes mais experientes. E eles enfrentam outros desafios.
“A censura me faz ter vontade de arrancar os cabelos”, disse Nayla al Khaja, uma diretora dos Emirados.
As propostas para filmes nos Emirados devem ser apresentadas com seus roteiros ao Conselho Nacional de Mídia para aprovação. Entre os filmes que tiveram permissão negada estavam “Rede de Mentiras” de Ridley Scott, em Dubai, e “Sex and the City 2”, em Abu Dhabi.

Livros proibidos e leite em pó: o que eles têm em comum? Estão entre as mercadorias mais valorizadas na lista de produtos desejados por muitos milhões de turistas chineses que vêm a Hong Kong todos os anos.
Nesta antiga colônia britânica, livros considerados politicamente delicados para a China continental estão amplamente disponíveis nas livrarias. E desde que surgiram notícias, dois anos atrás, de que muitas crianças na China tinham morrido ou ficado seriamente doentes depois de beber uma fórmula local adulterada com a substância tóxica melamina [usada em resinas sintéticas], o leite em pó importado tornou-se uma compra prioritária para nossos visitantes.
Quando um escritor chinês cujos livros são proibidos na China visitou Hong Kong recentemente, perguntei se ele teria tempo para um bate-papo.
"Eu adoraria, mas tenho algo realmente importante a fazer primeiro", ele respondeu.
Pensei que provavelmente estivesse ocupado com seu novo livro, que critica ousadamente a alta liderança do país. Mas ele me surpreendeu.
"Preciso levar uma caixa de leite em pó para um amigo", ele disse. "Também preciso comprar mais para meu filho antes de ir embora. Você sabe como é o leite na China", ele disse, revirando os olhos.
A segurança alimentar foi uma questão chave que me levou a deixar Pequim dois anos atrás. Quando eu engravidei, tudo de que os moradores de Pequim se queixam - poluição do ar, ruas perigosas e, principalmente, a segurança alimentar - de repente se tornaram questões reais.
Embora isso tenha sido antes do escândalo do leite contaminado, já houvera muitos sustos alimentares: a comida infantil falsificada que matou 12 bebês em 2004, o corante alimentar cancerígeno que chegou a muitos produtos em 2005, para não falar em ovos falsificados, vacinas falsificadas e farinha contaminada com cal.
Alguns meses depois de voltarmos para Hong Kong, surgiram notícias sobre o leite misturado com melamina - mais de 300 mil bebês ficaram gravemente doentes e pelo menos seis morreram com pedras nos rins resultantes do consumo do alimento adulterado com a substância química industrial.
Por isso não é de surpreender que muitos turistas chineses procurem Hong Kong para estocar leite em pó estrangeiro. Aqui os produtos importados são mais acessíveis e menos taxados. Em uma área comercial agitada e iluminada a néons, existe até uma livraria popular entre os turistas chineses, especializada em livros proibidos na China - e leite em pó japonês.
O proprietário me disse que as vendas de leite em pó aumentaram depois do escândalo da melamina em 2008. Hoje, 90% de seus clientes são da China continental e ele vende até 1.800 unidades de leite em pó por mês - conseguindo o dobro dos lucros que obtém com os livros.
A mídia chinesa também divulgou histórias sobre pessoas que conseguem alimento estrangeiro para bebês através de diversos canais, seja suplicando às famílias que vivem no exterior para que o enviem ou pagando a portadores para trazê-lo de Hong Kong.
Minha prima, uma mãe que trabalha no sul da China, costumava fazer fila com centenas de pessoas para atravessar para Macau para comprar leite para seu bebê.
"Ninguém confia no leite local", ela afirma. "Na verdade, você nunca sabe o que é seguro ou não para comer."
A demanda por leite em pó estrangeiro é tão grande que as autoridades fiscais chinesas impuseram uma nova regra em setembro que corta drasticamente o valor em leite em pó que se pode trazer sem pagar impostos.
A vida de milhões de bebês chineses continua em risco. Este ano, o leite misturado com melamina ressurgiu no mercado, aparentemente reciclado do pó contaminado que não foi destruído no escândalo de 2008. Recentemente, houve acusações de que uma marca de leite em pó chinês causa puberdade prematura nas meninas - embora o fabricante tenha negado isso.
Os pais das crianças afetadas pelo último escândalo estão furiosos. Eles dizem que isto acontece porque as autoridades corruptas que permitem os desvios não foram punidas e seus próprios gritos de ajuda foram silenciados. Um pai que fez campanha em nome de outras famílias foi preso recentemente por dois anos e meio. Outro pai, cujo bebê de 1 ano morreu de falência do sistema urinário devido ao leite contaminado, recebeu uma pena de "reeducação pelo trabalho" este ano depois de se queixar pela internet.
Por isso talvez não seja tão surpreendente que até os autores dissidentes, que não podem levar seus próprios livros para casa, façam questão de comprar algo que podem levar de volta à China: leite em pó. Mas milhões de pais que não podem pagar a viagem para o exterior estão menos satisfeitos.
A mãe de uma garota de 3 anos que ficou com pedras nos rins por causa de beber leite tóxico me contou que as famílias pobres como a dela simplesmente não têm opção.
"As pessoas aqui não podem pagar leite importado, quanto mais ir a Hong Kong", ela disse. "Estamos desesperados, mas o que podemos fazer?"

domingo, 5 de dezembro de 2010

SUSHI WOMEN-TRAFFIC JAM-MATILHA CULTURAL



Depois de cinco meses numa ala quase abandonada do Hospital Psiquiátrico de Hepu, Yang Jiaqin não sofre mais alucinações terríveis. Ainda assim, sua mulher não ousa mencionar crianças, nem mesmo seus filhos, por medo de que isso desperte os demônios que o possuíram na última primavera.
Numa tarde quente e ensolarada de abril, Yang saiu correndo de sua casa no vilarejo rural próximo à fronteira com o Vietnã, carregando um facão de cozinha. Ele cortou dois alunos da pré-escola, ferindo ambos gravemente, e abriu a garganta de um menino da segunda série, abandonando-o à morte no chão. E então ele continuou. Quando os policiais conseguiram capturá-lo e controlá-lo, ele já havia cortado mais duas pessoas até a morte.
As famílias das vítimas concentraram sua raiva contra a polícia. Três dias antes, Yang havia atacado um vizinho na cabeça com um machado, mas não foi preso.
“Eles são totalmente responsáveis por isso”, diz Wu Huanglong, pai do menino da segunda série. “Eles não nos protegeram.”
Mas os médicos de Yang veem uma falha maior. Apesar de sinais claros de esquizofrenia, Yang havia recebido cuidados médicos por apenas um mês nos últimos cinco anos.
“Se ele tivesse recebido medicação e tratamento, sua doença não teria se desenvolvido”, diz Chen Guoqiang, médico chefe do hospital psiquiátrico. “Se ele tivesse sido capaz de controlar suas alucinações, não teria matado ninguém.”
Faz quase 35 anos desde a Revolução Cultural, quando as doenças mentais foram declaradas uma ilusão burguesa, e muitos hospitais mentais foram fechados e os doentes tratados com leituras do comandante Mao. O tratamento psiquiátrico ressurgiu desde então. Mas a saúde mental continua sendo uma fraqueza da medicina, desesperadamente em falta de financiamentos, médicos e estima.
É frequente que a resposta oficial às doenças mentais seja a negligência. As autoridades governamentais já abaladas por um ataque no mês anterior, em que oito crianças foram esfaqueadas até a morte, lançaram a censura sobre o incidente de Xichen para evitar que ele seja copiado ou incite mais indignação.
Pelo menos três entre seis homens que atacaram perto de escolas este ano deixaram 21 mortos e antes disso pareciam perturbados ou suicidas, de acordo com notícias. Mas na mais alta declaração sobre as mortes, o primeiro-ministro Wen Jiabao disse apenas que a China precisava resolver as “tensões sociais” subjacentes aos ataques.
Yan Jun, diretor da divisão de saúde mental do Ministério da Saúde, recusou repetidos pedidos de entrevista. O ministro disse numa declaração que o governo estava “continuamente fortalecendo” tanto seus recursos quanto seus profissionais para fornecer cuidados à saúde mental.
Mas o caminho é longo. Só um entre 12 chineses que precisam de cuidados psiquiátricos passa por uma consulta, de acordo com um estudo feito no ano passado pela revista britânica de medicina The Lancet. A China não tem nenhuma lei nacional de saúde mental, pouca cobertura para cuidados psiquiátricos por parte dos planos de saúde, quase nenhum cuidado nas comunidades rurais, poucas camas para pacientes internados, poucos profissionais e uma estrutura burocrática fraca para a saúde mental, dizem especialistas chineses na área.
O próprio escritório de saúde mental do Ministério da Saúde, estabelecido há quatro anos, resume-se a três pessoas. Yan, o diretor, é especialista em saúde pública, e não um psiquiatra.
De tempos em tempos, a mídia da China declara que uma lei nacional de saúde mental está prestes a ser adotada. O primeiro esboço foi escrito há meio século. Questionado sobre quantas revisões ela já passou, Ma Hong do Instituto de Saúde Mental da Universidade Peking diz: “incontáveis”.
A maioria dos hospitais psiquiátricos são inviáveis financeiramente, diz Yu Xin, que dirige o Instituto de Saúde Mental da Universidade Peking. Um deles, na província Hubei, abriu uma fábrica de caias nos anos 90 para continuar de pé. A estrutura de impostos é tão absurda, diz ele, que os hospitais podem cobrar mais por diagnósticos computadorizados baseados no preenchimento de formulários do que por sessões com psiquiatras de verdade.
“O governo não quer gastar dinheiro para tratar essas pessoas, então ele simplesmente as devolve para suas famílias”, diz Huang Xuetao, advogado de saúde mental e um dos autores do relatório.
Deixados com seus próprios recursos, alguns familiares recorrem a soluções desumanas. Em 2007, He Jiyue, um psiquiatra do governo, descobriu um homem de 46 anos trancado atrás de uma porta de metal numa sala malcheirosa de uma casa na província rural de Hebei. O homem era mentalmente doente, disseram os pais idosos. Eles o haviam prendido há 28 anos depois que ele atacou o tio.
Nos últimos três anos, funcionários de saúde mental resgataram 339 pessoas cujos parentes eram pobres demais, ignorantes ou tinham vergonha de buscar tratamento. Alguns, acorrentados em abrigos no quintal, eram “tratados como animais”, disse o Dr. Liu Jin, do Instituto de Saúde Mental da Universidade de Peking.
A falta crônica de médicos e instituições faz com que o cuidado que exista seja limitado. A média da China é de apenas um psiquiatra para cada 83 mil pessoas – doze vezes menos do que a proporção dos Estados Unidos – e a maioria não tem formação universitária em nenhuma especialidade, quanto menos em saúde mental, disse Ma.
“Os psiquiatras profissionais na China são como os pandas”, diz Zhang Yalin, diretor-assistente do Instituto de Pesquisa em Saúde Mental da Faculdade de Medicina Universidade Centro-Sul. “Há apenas poucos milhares de nós.”
A imagem de fundo do poço da psiquiatria entre a comunidade médica desestimula os estudantes a adotarem a profissão. Dai Jun, estudante de medicina de 24 anos em Wuhan, no centro da China, diz que estudou psiquiatria quando se inscreveu na Universidade de Medicina Nanjing há seis anos porque era a única especialidade com vaga. Como interno, ele percebeu que os psiquiatras não eram tratados ou reconhecidos como os demais médicos.
“As pessoas pensam: 'ah, você está constantemente rodeado de gente louca. Talvez você mesmo vá enlouquecer, ou já seja louco. É por isso que quis fazer isso”, diz Dai.
Na primeira oportunidade que teve, ele mudou para ortopedia.
Embora as pesquisas sejam escassas, uma enquete recente do Ministério da Saúde sugeriu que a necessidade por mais especialistas está crescendo rapidamente. O estudo descobriu que a incidência de doenças mentais aumentou mais de 50% de 2003 a 2008. Embora parte do aumento deva-se a uma maior conscientização e relato de casos, Ma argumenta que a incidência de doenças relacionadas ao estresse como a depressão e a ansiedade aumentou.
“A sociedade chinesa está mudando muito rápido para que as pessoas se ajustem a ale”, diz ela.
O governo prometeu recentemente investir mais em cuidados com a saúde mental, principalmente derramando bilhões de dólares em hospitais psiquiátricos novos e reformados. Muitos hospitais psiquiátricos têm mais de um século de existência e se localizam – propositalmente – longe das cidades. A China acrescentou mais 50 mil camas em hospitais psiquiátricos entre 2003 e 2008. Mas é preciso mais do que isso: o Tibete, região quase três vezes maior do que a Califórnia, não tem nenhuma instituição psiquiátrica, diz o Instituto de Saúde Mental da Universidade Peking.
Como a maior parte da China rural, Xizhen, no sul de Guangxi, uma das províncias mais pobres da China, é isolada de serviços. Aqui, várias centenas de moradores cuidam de plantações de cana de açúcar e mandioca, tirando água de poços e cortando madeira para combustível. Pessoas sem treinamento, que se auto-intitulam médicos, cuidam da maior parte das necessidades médicas. O hospital mais próximo fica a uma hora de carro dali.
Yang Jiaqin era funcionário da saúde local. Embora nem ele nem sua mulher, Wen Zhaoying, tivessem treinamento além do colegial, os dois forneceram cuidados durante anos em uma minúscula clínica em frente à escola primária de Xizhen. Há cinco anos, diz Wen, tornou-se óbvio que seu marido era quem precisava de tratamento. Sempre tenso e com medo, ele se tornou obcecado com a ideia de que as pessoas o estavam perseguindo, diz ela.
Parentes enviaram Yang para um hospital psiquiátrico próximo. Os administradores do hospital disseram que cinco médicos atendem a toda uma região de mais de 1 milhão de pessoas. Lá, disse ela, um psiquiatra prescreveu um remédio que ajudou a acalmar seu marido. Ainda assim, os episódios ficaram mais severos.
Médicos do hospital psiquiátrico de Xangai diagnosticaram sua condição como esquizofrenia, administraram drogas antipsicóticas e, um mês depois, liberaram-no. Os familiares disseram que aquele foi o último encontro de Yang com um profissional de saúde mental.
Na primavera passada, Yang, 40, tinha medo de sair de sua casa de adobe mal iluminada.
“Tudo o que ele fazia era ficar em casa e chorar”, diz Wen.
Em 9 de abril, os demônios dentro dele tomaram o controle.
Naquela noite, Yang derrubou a porta de madeira de seu vizinho de 63 anos e o atacou com um machado na cabeça. No hospital onde os médicos deram pontos no ferimento do vizinho, o chefe da polícia local disse a ele: “Quando pessoas loucas machucam alguém, não há nada que possamos fazer.”
Wen disse que começou a tomar providências naquele fim de semana para colocar seu marido num hospital. A mãe de Yang, de 74 anos, Pei Renyuan, disse que sei filho alertou-a que se mataria e que “levaria todos junto com ele”. O irmão mais novo de Yang ficou encarregado de observá-lo.
Na tarde da segunda-feira, Wu Junpei, um menino entusiasmado de 8 anos que adorava desenhar, cantar e praticar ginástica, deixou a escola com amigos, cortando caminho como de costume pela casa de Yang em direção à sua, a dez minutos dali. Yang pulou no meio do caminho com um facão de cozinha e cortou o menino, que fugiu. Então ele se voltou para Junpei, cortando seu braço e pescoço rapidamente. Ao sair correndo da casa, Yang matou uma mulher de 70 anos que fabricava fogos de artifício, e um homem que assistia uma novela em seu sofá. Ele cortou a esposa do homem e uma menina que tirava água do poço.
A polícia, que ignorou o ataque anterior de Yang rapidamente, entrou em alerta de repente. A irmã de 20 anos de Junpei disse que os policiais foram até o hospital naquela noite, enrolaram o corpo de Junpei num lençol e saíram com ele num carro, ignorando os gritos de protesto.
O governo da província ainda precisa liberar o corpo, disse Wu. Os moradores dizem que o motivo provável da situação é que Wu se recusa a assinar uma declaração dizendo que ninguém é culpado pela morte de seu filho em troca de uma indenização de cerca de US$ 19 mil.
Chen, médico chefe do hospital psiquiátrico, diz que o ataque de Yang ocorreu porque “ele nunca esteve sob cuidado sistemático”. Sua família, diz ele, “não levou sua doença suficientemente a sério.”
Mas ele também disse que seu próprio hospital às vezes libera pacientes mentais simplesmente porque as famílias não conseguem pagar o tratamento.
“O governo precisa investir mais para que possamos cuidar de todos os pacientes que precisam de tratamento, independente de eles terem uma família que possa pagar ou não”, diz ele.
Chen e outro médico do hospital disseram que a condição de Yang se estabilizou agora. Seu objetivo é mandá-lo de volta para casa. Mas Wen disse que não pode cuidar dele nem cobrir as despesas do tratamento continuado. Ela disse que, se não pagar, funcionários do hospital disseram que seu marido seria liberado sob custódia dela. Zhang Xue, presidente do hospital, negou a informação.
O outono ainda está quente em Xizhen. Os fazendeiros colhem amendoins de camiseta regata. As crianças jogam bolinha de gude do lado de fora. Depois do jantar, os pais de Yang gostam de deixar a porta de madeira aberta para que o ar entre.
A mãe de Junpei costuma aparecer para queimar incenso na porta da casa deles, chorando no escuro. Ela e o marido dizem que a família de Yang está fingindo que ele é doente mental para protegê-lo.
Pei, mãe de Yang, diz que não consegue encarar o luto da mulher nem sua própria vergonha. Logo que ela a vê, fecha a porta.
O número de mortos neste conflituoso canto no sul da Tailândia continua crescendo. Seis anos de ataques insurgentes e batalhas com as forças armadas tailandesas deixaram 4.400 mortos e contando, cobrindo de constante medo as plantações de arroz e de seringueiras desta região.
O conflito é um dos mais intratáveis da Ásia. Mas a identidade dos perpetradores e quais são seus objetivos permanecem tão vagos que a violência às vezes é melhor expressada pela poesia.
Eu ouço a paz soluçando
E gritos que ressoam
Por estradas diversas,
Ao redor da torre do relógio,
Nas mesas de jantar, nas casas de chá.
Estes são versos de Zakariya Amataya, um poeta de 35 anos que cresceu em um dos distritos atualmente despedaçados violentamente pelo antigo ressentimento em torno de língua, religião e nacionalismo. Os insurgentes são muçulmanos e de etnia malasiana, e as unidades do exército tailandês enviadas para cá para combatê-los são na maioria budistas. Zakariya, um poeta muçulmano em uma terra budista, está pego no meio do fogo cruzado.
No próximo mês, Zakariya receberá formalmente o principal prêmio literário da região, por seu primeiro livro publicado de poesia. O Prêmio dos Escritores do Sudeste Asiático é um feito incomum para o filho de agricultores analfabetos. Também notável é o fato de a língua da poesia de Zakariya, o tai, não ser sua língua natal. Ele cresceu falando um dialeto malasiano falado pela maioria das pessoas que vivem nas três províncias mais ao sul da Tailândia, ao longo da fronteira com a Malásia. Essas diferenças étnicas e linguísticas, assim como a sensação entre os malasianos de dominação cultural por parte dos tailandeses, são o combustível para a insurreição.
Zakariya passou grande parte de sua vida adulta em Bancoc, e muitos de seus poemas não têm ligação com a violência. Mas entre suas obras mais comoventes estão os lamentos sobre aquilo em que se transformou a terra bucólica de sua infância, e os poemas sobre outros conflitos ao redor do mundo. Ele escreve sobre exércitos de ocupação, incluindo dois poemas sobre o Iraque, um pelos olhos de um atirador atormentado por sua consciência, outro pelo ponto de vista de uma criança.
Oh, pai, por favor, apague o fogo que queima nossa terra.
Pai, pegue todos os baldes de água que temos e os despeje
Sobre as sementes de cerejeiras para que possam crescer de novo
Das cinzas e escombros da cidade.
Borboletas voarão por nossas florestas de novo.
E se a água não apagar o fogo frenético,
Pai, use minhas lágrimas.
Neste mês, Zakariya voou para sua província natal, sua primeira viagem de volta desde que ganhou o prêmio.
Durante dois dias dirigindo pelo que é conhecido como sul profundo, ele se encontrou com outros escritores e conversou com os comandos do Exército tailandês, que por acaso buscaram refúgio em sua velha escola primária. Ele também se reencontrou com a professora que lhe ensinou a língua tai. A violência o seguiu: uma hora após Zakariya ter comido frango com curry em um restaurante na sede provincial de Narathiwat, um mecânico foi assassinado a poucas quadras de distância. Duas horas após ter percorrido uma “zona vermelha” conhecida pela violência constante, três vendedores que entregavam frangos na zona foram mortos a tiros em sua picape.
Os números diários da violência no sul são tão insensibilizadores que cada nova decapitação, explosão ou morte a tiros cada vez tem menos espaço nas páginas da imprensa tailandesa. A minoria de etnia malasiana daqui por séculos se irritou com o controle da área por Bancoc, mas os especialistas não conseguem explicar plenamente por que nos últimos anos os ataques sofreram tamanha escalada. Diferente de outros movimentos rebeldes ao redor do mundo, os insurgentes daqui raramente reivindicam a responsabilidade por seus ataques.
A obra de Zakariya retira o nacionalismo do conflito e dá uma medida de humanidade ao terror e às vítimas sem face. Por meio de sua obra, ele busca ir além das questões de identidade. “Com minha mente e pensamentos eu posso decidir quem quero ser”, ele disse. “Eu quero valorizar os seres humanos mais do que grupos étnicos e nacionalidades.”
O chefe do júri que concedeu o prêmio disse que etnia e política não tiveram um papel.
“Nós não sabíamos quem ele era ou de onde vinha”, disse Adul Chantarasak, o presidente do júri de sete membros, que chamou os poemas de Zakariya de “poderosos e intensos”.
O anúncio oficial descreve sua obra como “sem fronteira”.
“Ela viaja pelo tempo e espaço”, disse o anúncio. “Ela é provocante e encoraja nossa imaginação a pensar e repensar.”
O título do livro de Zakariya, “Sem Mulher na Poesia”, tira seu nome de um dos poemas. Ele escreve em versos livres, algo apropriado, talvez, já que o sul parece um local sem regras.
A decisão de dar o prêmio a Zakariya marcou a primeira vez nos 32 anos de história do Prêmio dos Escritores do Sudeste Asiático que o júri tailandês foi unânime. (Os comitês de nove outros países do Sudeste Asiático decidiram separadamente os seus respectivos prêmios.)
Eu estou viajando na poesia
A poesia viaja em mim
Nós estamos seguindo ao mesmo destino.
As memórias da infância de Zakariya são em grande parte pacíficas: plantações de seringueiras e caminhadas por montanhas para vislumbres do mar e caçar passarinhos. Bacho, o distrito onde ele cresceu, agora é considerado um dos locais mais perigosos no sul.
Em setembro, um aldeão budista octogenário em Bacho e sua esposa de 76 anos, além de dois outros membros da família, foram mortos a tiros à queima-roupa por um grupo de homens com armas de assalto. Suas casas foram incendiadas. As mortes faziam parte de um padrão de aparente limpeza étnica; os aldeões estavam entre os últimos budistas na região.
Mas os muçulmanos daqui costumam ser as vítimas mais frequentes, especialmente professores, soldados, funcionários públicos e qualquer um associado ao Estado tailandês.
“Há medo em toda parte”, disse Terdsak Thawornsut, o diretor de uma escola pública em Narathiwat, onde um casal, ambos professores, foi assassinado em setembro.
“Nós nunca sabemos quando o onde algo acontecerá”, disse Terdsak.
Esta é a Tailândia que os turistas não veem.
Zakariya passou grande parte de seus dois dias de viagem em escolas ou arredores. Ele falou com um grupo de duas dúzias de professores de língua tai na escola de Terdsak e pediu para que encorajassem seus alunos a escrever. Ele se ofereceu para participar de uma oficina de redação.
Ele fez uma visita à sua velha escola primária, um prédio com estrutura de madeira à beira da estrada principal. Os alunos estavam em férias, mas o pátio estava repleto de soldados que tinham acabado de retornar de três dias na selva caçando insurgentes.
Os soldados, em uniformes de camuflagem e com rifles de assalto M-16 pendurados no ombro, tinham olhares vidrados de homens que não dormiam há várias noites. Eles estavam entre os murais coloridos usados para ensinar o alfabeto para as crianças.
Zakariya enfiou a mão em sua bolsa, retirou uma cópia de seu livro e dedicou a eles. Enquanto circulava pela escola, ele notou em um quadro de avisos o nome de sua primeira professora primária, a mulher que o ensinou a ler e falar tai.
Era a primeira vez em três décadas que ele via sua professora, Tantima Saeaui, atualmente com 57 anos. Uma mulher budista magra com maneirismos gentis, Tantima disse que reconheceu imediatamente Zakariya, que tem tez de chocolate, cavanhaque e cabelo até seus ombros.
“Eu fico feliz em ver meu aluno tão bem-sucedido”, ela disse. “Você era inteligente e aprendia rápido.”
Zakariya elogiou a paciência de Tantima. “Era muito difícil nos ensinar”, ele disse. “Nós não falávamos nenhuma palavra de tai quando iniciamos a escola.”
Ao partir, o poeta muçulmano se virou para a mulher budista que lhe ensinou aquelas que agora são as ferramentas de seu ofício: “Eu vim aqui para dizer, ‘Obrigado, professora’”.
Poucos países na história recente sofreram uma inversão de fortunas tão notável quanto o Japão. A história de sucesso asiática original, o Japão teve uma das maiores bolhas especulativas em ações e propriedades de todos os tempos na problemática década de 1980, tornando-se o primeiro país asiático a desafiar o longo predomínio do Ocidente.
Mas as bolhas estouram, e o Japão teve um lento e constante declínio. Durante quase uma geração, o país esteve preso em baixo crescimento e deflação, uma espiral descendente e corrosiva de preços.
Hoje, enquanto os EUA e outros países ocidentais lutam para se recuperar de uma bolha de dívida e propriedades, os economistas ocidentais advertem sobre a "japonização", a queda na mesma armadilha deflacionária de colapso de demanda que ocorre quando os consumidores se recusam a consumir, as corporações retêm os investimentos, e os bancos ficam com dinheiro parado.
Torna-se um ciclo vicioso que se auto-reforça: enquanto os preços caem cada vez mais e os empregos desaparecem, os consumidores fecham os bolsos, e as empresas cortam os gastos e adiam planos de expansão.
"Estados Unidos, Reino Unido, Espanha, Irlanda, todos estão passando pelo que o Japão passou há cerca de uma década", disse Richard Koo, economista-chefe da Nomura Securities.
A deflação deixou uma marca profunda nos japoneses, causando tensões entre gerações e uma cultura de pessimismo, fatalidade e baixas expectativas. Enquanto o Japão continua próspero de muitas maneiras, enfrenta uma situação cada vez mais sombria.
Para muitas pessoas com menos de 40 anos, é difícil entender como isso está distante dos anos 1980, quando uma poderosa e ameaçadora "Japan Inc." parecia pronta para eliminar indústrias inteiras dos Estados Unidos, de fabricantes de carros a supercomputadores.
Hoje, a economia japonesa continua com o mesmo tamanho que tinha em 1991: US$ 5,7 trilhões, na taxa de câmbio atual. No mesmo período, a economia americana duplicou, atingindo US$ 14,7 trilhões, e, este ano, a China superou o Japão, tornando-se a segunda maior economia do mundo.
Empresas e indivíduos perderam o equivalente a trilhões de dólares nos mercados de ações, que hoje têm apenas um quarto de seu valor de 1989, e de imóveis, em que o preço médio de uma casa é o mesmo de 1983.
E o futuro parece ainda mais árido, enquanto o Japão enfrenta o maior governo do mundo, uma população que encolhe e índices crescentes de pobreza e suicídio.
Mas talvez o impacto mais notável aqui tenha sido a crise de confiança nacional. Um orgulho quase arrogante foi substituído pelo medo do futuro e uma resignação quase sufocante. O Japão parece ter entrado em uma concha.
Seus industriais antes vorazes hoje parecem dispostos a render setor após setor para rivais famintos na Coreia do Sul e na China. Os consumidores japoneses, que antes faziam compras em Nova York e Paris, hoje ficam em casa com maior frequência, economizando para um futuro incerto.
Uma nova frugalidade é visível entre a geração de jovens japoneses. Eles se recusam a comprar artigos caros como automóveis ou televisores, e um número menor estuda no exterior.
O pessimismo é mais visível entre os rapazes, que costumam ser alvo de zombaria, chamados de "herbívoros" por não ter a disposição de seus pais para trabalhar muitas horas, ou mesmo para conseguir namoradas.
"Os japoneses costumavam ser chamados de animais econômicos", disse Mitsuo Ohashi, ex-executivo-chefe da gigante química Showa Denko.
A explicação clássica dos males da deflação é que ela torna indivíduos e empresas menos dispostos a gastar, porque a maneira racional de agir quando os preços estão caindo é segurar o dinheiro, que ganha valor. Mas, no Japão, quase uma geração de deflação teve um efeito muito mais profundo. Ela causou um profundo pessimismo sobre o futuro e um temor de assumir riscos que torna as pessoas instintivamente relutantes em gastar ou investir, puxando ainda mais para baixo a demanda e os preços.
"Surge um novo senso comum em que os consumidores consideram irracional ou mesmo tolice comprar ou tomar empréstimos", disse Kazuhisa Takemura, professor na Universidade Waseda em Tóquio, que estudou a psicologia da deflação.
Economistas disseram que um motivo pelo qual a deflação se autoperpetua é que ela leva as companhias e as pessoas a sobreviver cortando gastos e vendendo o que possuem, em vez de comprar novos bens ou investir.
"A deflação destrói a aceitação de riscos necessária para que as economias capitalistas cresçam", disse Shumpei Takemori, economista da Universidade Keio em Tóquio.
Os negociantes vão a extremos para atrair os consumidores a voltar a gastar. Mas isto muitas vezes assume a forma de guerras de preços, que acabam alimentando a espiral deflacionária do Japão. Até as cerimônias de casamento estão em liquidação, com os salões de festas oferecendo cerimônias por US$ 600 -menos de 10% do que elas geralmente custavam há apenas dez anos. Em Osaka, a terceira cidade do Japão, comerciantes fizeram recentemente uma grande liquidação com resultados decepcionantes.
Depois de anos de complacência, o Japão parece despertar para seus problemas. Mas para muitos japoneses pode ser tarde demais. Yukari Higaki, 24, disse que economiza o quanto pode comprando suas roupas em lojas de descontos, fazendo seu próprio almoço e deixando de viajar para o exterior.
Ela disse que, embora sua geração ainda viva confortavelmente, ela e seus pares estão sempre em uma posição defensiva, prontos para o pior.
Hisakazu Matsuda, presidente do Instituto de Pesquisas de Marketing ao Consumidor do Japão, diz que os jovens japoneses têm ódio ao consumo. Ele calcula que quando esta geração chegar aos 60 anos sua frugalidade terá custado ao país US$ 420 bilhões em consumo cessante. "Não há outra geração como esta no mundo", ele disse. "Esse pessoal acha que é idiota gastar."
Higaki, que trabalha em tempo parcial em uma loja de móveis, disse: "Somos a geração da sobrevivência". Comerciantes japoneses tentam atrair clientes com preços cada vez mais baixos.