terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Quando uma das filhas de Kim Jong-chang, principal supervisor financeiro da Coreia do Sul, casou-se em junho passado, Kim fez algo pouco comum: ele dispensou o caixa e os envelopes cheios de dinheiro.
Este é um costume dos casamentos sul coreanos, tanto quanto o oficial de cerimônia. Antes de entrar no salão do casamento, os convidados fazem uma fila em frente da mesa do caixa para entregar um envelope cheio de dinheiro. O caixa abre o envelope e registra o nome do convidado, e a quantia dada, num livro-caixa com capa de couro - normalmente na frente dos próprios convidados.
"O problema com essa tradição é que ela pode ser usada como suborno", disse Kim, chefe do Serviço de Supervisão Financeira, que regula os bancos e o setor de investimentos da Coreia do Sul. "No meu caso, muitos banqueiros teriam aparecido com presentes em dinheiro.
Eles se perguntariam se eu fiquei chateado porque eles não colocaram o suficiente no envelope."
Presentear em dinheiro para ajudar os amigos a custearem as despesas de casamento ou dos enterros é um velho costume por aqui. Mas nos últimos meses, o costume tem sido considerado desperdício de dinheiro, e às vezes até mesmo um incentivo à compra de votos e ao suborno.
Em maio, depois que algumas reportagens criticaram casamentos extravagantes que aconteceram em hotéis cinco estrelas durante a crise econômica, o presidente Lee Myung-bak incentivou os ricos e poderosos da Coreia do Sul a darem o exemplo e lutarem contra a cultura dos casamentos "fúteis e extravagantes".

Kim faz parte de um pequeno grupo - cada vez maior - de pessoas, tanto entre as famílias comuns quanto entre as mais influentes, que se juntaram à campanha, recusando-se a aceitar presentes em dinheiro e mantendo sua lista de convidados relativamente pequena. Ban Ki-moon, o secretário geral da ONU de origem sul-coreana, convidou apenas alguns amigos mais próximos e parentes para o casamento de seu filho em maio, assim como o ministro de Exterior Yu Myung-hwan, quando sua filha se casou em abril. Em outubro, Chung Jung-kil, chefe de equipe de Lee, seguiu o exemplo.
Ainda assim, esses casamentos mais modestos foram considerados tão excêntricos que ganharam as manchetes.
Na Coreia do Sul, onde a "aparência" é notoriamente valorizada, o status social de uma família é medido pelo número de convidados nos casamentos, assim como pela quantidade de dinheiro doado e a suntuosidade do banquete. Nos funerais, o número de coroas de flores presenteadas pelos amigos, parceiros de negócios e políticos locais funcionam como uma métrica semelhante.
"Aqui, um casamento é muito mais uma ocasião para a família se mostrar do que uma celebração", disse Lee Yoon-ji, que coordena uma empresa de planejamento de casamentos e um estúdio fotográfico no bairro rico de Kangnam, em Seul. "Por exemplo, se a família da noiva descobre que tem bem menos convidados do que o noivo, é humilhante."
Algumas famílias enviam milhares de convites de casamento. Às vezes eles incluem o número de uma conta bancária para que as pessoas que não podem comparecer possam, ainda assim, enviar dinheiro.
Com frequência, a decisão de ir a um casamento está ligada ao fato de o casal, ou seus parentes, terem comparecido a casamentos ou enterros da família do convidado - ou se poderão comparecer no futuro. As famílias mantêm registros de quanto receberam de quem, para que possam retribuir. Não fazê-lo pode arruinar amizades.
"Às vezes você envia convites até para pessoas que não conhece muito bem", disse Kim. "Eles chegam como se fossem impostos ou cobranças".
Todos os anos, cerca de 330 mil casais sul-coreanos gastam em média 15 a 20 milhões de wons (R$ 22 mil a R$ 29 mil) em seus casamentos, disse Lee Woong-jin, dono da Sunoo, uma agência de casamentos que realiza uma pesquisa anual sobre os gastos com a cerimônia. O custo pode exceder os 50 milhões de wons (R$ 75 mil) para os casamentos realizados em hotéis.


A maior parte disso é coberta pelos presentes em dinheiro. No ano passado, os sul-coreanos deram 8 trilhões de wons (R$ 12 bilhões), ou 524.500 wons (R$ 780) por família, em presentes de casamentos e funerais, de acordo com o Escritório Nacional de Estatística.
"Esta é uma tradição em que 'uma mão lava a outra'. Não vejo nada de errado nisso. Você paga e recebe ajuda em troca", disse Han Seung-ho, 33, fotógrafo cujo casamento em outubro atraiu 370 convidados. "Sem os presentes em dinheiro, meu casamento teria sido um grande fardo financeiro para mim."
Mas esses envelopes também refletem uma cultura na qual dar dinheiro é considerado tão natural que as pessoas às vezes chamam a oferta de "cumprimento" - e, em alguns casos, usam-na para encobrir subornos. Quando as leis eleitorais da Coreia do Sul foram revisadas em 2004, elas proibiram os políticos de oferecerem envelopes em dinheiro, exceto nos casamentos e enterros de parentes próximos.
Três candidatos que concorriam à eleição em cooperativas agrícolas e pesqueiras foram acusados em setembro e outubro de dar presentes em dinheiro nos casamentos de eleitores. Um supervisor educacional de uma província foi amplamente criticado na mídia em abril depois de ter convidado 2 mil pessoas - incluindo os diretores de todas as 460 escolas sob sua jurisdição - para o casamento de seu filho.
Chung Woo-jin, 50, presidente da Q&Q Medi, uma empresa de suprimentos médicos, disse que muitos convidados de casamentos comparecem à cerimônia "relutantemente", temendo que possam perder contratos de negócios ou promoções no trabalho se não forem. "Então eles comparecem para provar que estiveram lá, dão o envelope e se apressam para desfrutar da refeição, sem nem mesmo olhar para os noivos", disse ele.



Chung recusou-se a aceitar envelopes em dinheiro no enterro de sua mãe em junho. Mas ele disse que ainda se sente forçado a comparecer a 40 ou 50 casamentos e funerais de seus amigos, empregados e conhecidos dos negócios por ano, doando a cada vez uma média de 100 mil wons (R$ 150).
Enquanto isso, alguns casais mais novos estão se rebelando contra o que chamam da cultura "comercial" do casamento, controlada pelos pais. São os pais que normalmente enviam os convites, coletam o dinheiro e pagam pelo casamento, e como regra, muitos convidados comparecem muito mais por causa dos pais do que pelo casal.
"Algumas das minhas amigas se sentem frustradas, perguntando-se se o casamento é para elas ou para seus pais", disse Lee Eun-jeong, 35, que trabalha numa editora em Seul. Ela limitou seu casamento em junho a 135 convidados e não aceitou envelopes. "Nós também detestamos quando um amigo que não nos contatou por anos de repente nos procura antes do casamento, obviamente pensando nos nossos envelopes", disse ela.
A Coreia do Sul já teve campanhas pela frugalidade nos casamentos. Em 1973, o último homem forte militar, Park Chung-hee, tentou proibir os convites escritos, flores e presentes nos casamentos e enterros, na crença de que esses costumes eram supérfluos e incongruentes com sua campanha para construir e modernizar a economia.
Mas o incentivo foi, na melhor das hipóteses, esporádico, e os especialistas dizem que os casamentos ficaram ainda mais extravagantes depois de 1999, quando as restrições foram retiradas e os hotéis cinco estrelas e agências de casamento entraram no mercado.
Kim, o chefe de supervisão financeira, prevê que ainda levará tempo para que a tradição dos envelopes de dinheiro seja extinta.
"Francamente, eu me pego pensando: 'Dei todos esses envelopes ao longo dos anos. Por que não deveria recebê-los apenas uma vez no casamento da minha filha?'", disse. "Nem sempre é fácil dizer qual é a diferença entre subornos e presentes genuínos nos nossos casamentos."





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