domingo, 28 de março de 2010

A encenação de peças de teatro é uma raridade na Faixa de Gaza, e a expressão de críticas aos governantes islâmicos, também. Talvez não surpreenda o fato de uma peça que expressa as frustrações dos palestinos com seus líderes estar fazendo sucesso.
"O Cordão", que estreou este mês atraindo plateias de 1.000 pessoas ou mais ao auditório principal de Gaza, critica todas as partes envolvidas nas divergências amargas, às vezes sangrentas, que vêm dificultando a campanha pela criação de um Estado palestino independente.
Mas no enclave costeiro da Faixa de Gaza, bloqueado por Israel, o desespero sentido por muitos tem como alvo o Hamas islâmico, que vem exercendo o virtual monopólio sobre a política e a economia da Faixa de Gaza desde 2007, quando expulsou do território as forças do presidente Mahmoud Abbas, que tem o apoio do Ocidente.
A peça proporciona ao público -- e a quaisquer líderes do Hamas que possam sentir-se ofendidos -- muitas oportunidades de zombar do movimento Fatah, de Abbas, e de outros partidos palestinos, todos os quais, para o povo comum, compartilham a responsabilidade pela condução caótica e frequentemente corrupta dos assuntos palestinos ao longo das décadas.
"Já ouvimos vocês! Já os conhecemos, já os experimentamos e estamos fartos de vocês!", grita um personagem da peça a um grupo de lideranças políticas reunidas sobre o palco.
A fidelidade partidária de cada personagem é revelado pela cor do cordão que amarra o feixe de papéis burocráticos que eles carregam de um lado a outro. Cada cordão chega até os bastidores do teatro, sugerindo ao público que os cordões funcionem como cordões umbilicais que amarrem os personagens às potências estrangeiras ocultas que os financiam.
O cordão verde representa o Hamas, apoiado pelo Irã islâmico; o amarelo é o Fatah, apoiado pela ajuda ocidental; o cordão vermelho é para os grupos de esquerda, como a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), e o negro denota a Jihad Islâmica e seus aliados.
Cada ironia era saudada com aplausos do público, que se identificava com o clima de desespero criado por um cenário representando as favelas de um campo de refugiados, com os muros recobertos de pichações das diferentes facções.
As autoridades comandadas pelo Hamas aprovaram a encenação da peça, mas, para os artistas, podem não ter tido plena consciência de seu teor.
Para o dramaturgo Eyad Abu Shareea, foi importante dar voz ao povo comum da Faixa de Gaza e também da Cisjordânia ocupada, cujo principal desejo na política é que seus líderes se entendam e cooperem.
Muitas pessoas na plateia confessaram que reprimiram lágrimas em meio aos risos, à medida que a sátira dava lugar aos pesares e ansiedades de uma população farta de discursos e promessas vazias de lideranças rivais ao longo dos anos.



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