domingo, 11 de julho de 2010

Essas duas mulheres usam véu, é verdade. Elas são religiosas.
Mas não lhes diga que não podem parar no bar de Sheik Ali. Nelly Rafat, 52, e Magda el Gindy, 52, são amigas de infância que acreditam que, embora sua religião proíba a bebida alcoólica, as pessoas são livres para fazer suas próprias escolhas.
Essa não é a visão típica no Egito. Mas elas se sentam, comem e se divertem sem culpa no pequeno e despretensioso bar.
"Se alguém aqui quiser beber, não é da minha conta", disse Rafat, enquanto Gindy assentia. Existe muita pressão nas ruas, em Alexandria e em todo o Egito, para pelo menos parecer religioso. E definitivamente, sobretudo para as mulheres, ficar longe do álcool, ainda mais em um bar cheio de homens.
Mas não é assim que todo o mundo quer viver.
Especialmente não em Alexandria, uma cidade construída para ser aberta para o mundo. O arco da história não foi benigno com Alexandria, levando-a em uma longa queda desde que foi o centro do conhecimento global, nos tempos antigos, para uma metrópole superlotada e decadente no Mediterrâneo.
Mas, por maior que seja a pressão das forças sociais conservadoras do Egito, Alexandria não pode dar completamente as costas para seu passado, quando a diversidade e a tolerância superavam o conformismo e a tradição.
A antiga Alexandria, cidade construída por Alexandre o Grande, reservou cemitérios no século 19 para todos os seus cidadãos, com terrenos separados para muçulmanos, judeus, cristãos e "livre pensadores". Aqueles dias continuam incrustados na memória coletiva, mesmo para pessoas que são jovens demais para lembrar quando os alfaiates eram franceses ou gregos, os cozinheiros, italianos e os judeus, uma grande e vibrante parte da cidade.
"Crescemos nas mãos de estrangeiros", disse Francis Zarif, 33. "É por isso que gosto daqui. A sensação é da bondade das pessoas no passado, de humanidade."
Existem áreas de Alexandria onde os moradores mantiveram ou estão tentando restaurar um sentido de curiosidade sobre o mundo, tolerância pela diversidade e aceitação do outro.
Mas este pequeno bar é um desses lugares onde a tolerância e uma boa Stella gelada (a mais popular cerveja egípcia, não confundir com a belga) são a regra. É razoavelmente fácil encontrar bebida alcoólica no país. Mas há poucos bares de bairro como este.
"Venho aqui pela história, por um momento de descontração", disse um ginecologista que bebia uma cerveja e fumava cachimbo. São mais de 23h, e ele estava relaxando, disse, "como na Europa". Mas não quis dar seu nome, porque lá fora "a corrente religiosa é forte".
"Sou médico de mulheres", disse. "Não é bom ser visto aqui."
O bar chama-se oficialmente Cap d'Or. Foi inaugurado há cerca de 110 anos por moradores gregos, antes que os egípcios reagissem a décadas de subjugação e forçassem os estrangeiros a partir, nacionalizando as propriedades particulares.
Nos primeiros anos, o bar de Sheik Ali foi um ponto de reunião de intelectuais e artistas, autores e líderes culturais. Militares compartilhavam suas cervejas com artistas e profissionais liberais. Esse não é mais o caso hoje, embora siga sendo um lugar onde as pessoas vão para uma pausa das exigências da sociedade.
"A vida fora destas portas é difícil", disse Osama Tantawi, 40, contador que afirma ter visitado o bar pela primeira vez no dia em que fez 21 anos. "A vantagem de vir aqui é que ele nos separa da vida lá fora."

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