domingo, 25 de julho de 2010

Esta é uma fábula sobre dois veículos indianos –o Jaguar e o jugaad.
O primeiro é um dos melhores carros do mundo. Era um produto estritamente britânico e hoje é propriedade da Tata Motors da Índia. O XJL Supersport, que pode custar até US$ 100.000 (em torno de R$ 200.000) vem com um motor de 510 cavalos, assentos que massageiam, iluminação variável, disco rígido e cortinas traseiras elétricas.
Depois tem o jugaad, que não é em nada parecido com um Jaguar.
Para começar, é ilegal: um caminhão construído de peças, como uma colcha de retalhos, nos barracos do Norte da Índia, longe da vista dos fiscais. Partes de jipes velhos são cortadas e soldadas e combinadas com tábuas de madeira para formar um chassis. Depois, a estrutura recebe um motor comumente usado para bombas de irrigação.
Sinos de verdade e apitos podem ser acrescentados como adornos e as rodas são pintadas a mão.
O caminhão dá aos moradores das aldeias da Índia uma carona barata: US$ 0,10 por uma viagem de meia hora com algumas dúzias de pessoas. A lógica do negócio é tão atraente que os jugaads passaram a fazer parte de dotes.
O caminhão pode ser desconhecido, mas a cultura por trás dele agora é moda de gerenciamento. Jugaad, não como nome, mas como verbo subitamente é tema de firmas de consultoria como McKinsey e empresas como Best Buy nos EUA.
O verbo “jugaad” de gíria híndi, traduzido para os gerentes significa fazer algo como o veículo jugaad. Ou seja, ser inovador face à escassez de recursos –uma fórmula vencedora para tempos de turbulências econômicas. Gurus de gerenciamento citam criações de muito baixo custo na Índia como inspiração: o eletrocardiograma de US$ 800, o filtro de água de US$ 24, o carro de US$ 2.500, o inversor de eletricidade de US$ 100, a lâmpada solar de US$ 12.
Esses exemplos, contudo, representam apenas uma faixa do que é jugaad. É mais do que uma inovação frugal; o jugaad é uma forma de vida, aqui como em outros lugares, que anteciparam importantes movimentos do século 21, desde a tecnologia aberta até a fusão cultural. Anos de observação da Índia permitem-nos evocar alguns princípios, muitos deles úteis fora do mundo empresarial.
A Índia não é um país fácil; ser fatalistamente criativo é transcender suas dificuldades. É irritar-se diariamente contra a forma que as coisas funcionam; resistir à tentação idealista de mudar tudo isso; e lutar em vez disso por sucessos e soluções em meio às limitações.
Por exemplo, na Índia é comum as pessoas não terem troco. Pequenas empresas raramente têm moedas e notas de 10 e 50 rúpias, necessárias na maior parte das transações. Elas resolvem o problema com açúcar, à maneira jugaad. Uma farmácia pode lhe dar um chiclete Orbit em vez de 5 rúpias; um amigo recentemente recebeu três chocolates Cadbury e uma revista Tehelka quando um operador de pedágio não conseguiu encontrar 25 rúpias.
Você talvez possa ouvir os ecos do espírito do jugaad no idealismo carreirista da geração Y no Ocidente. Aqueles cujos pais formaram barricadas, sonhando com uma nova ordem, parecem muito mais dispostos a trabalhar em um projeto de microcrédito do Citibank hoje –fatalistas diante do sistema como um todo, mas criativos em seu meio. O Jugaad, como caminhão e estilo de vida, envolve um capitalismo diferente da filosofia de mercado que informa o Ocidente –e que prefigurou as novas e interessantes direções que o capitalismo está assumindo hoje.
Muito antes do movimento local decolar, o jugaad aconselhava um capitalismo cara a cara, no qual você conhece as pessoas que produziram os produtos que você compra, no qual você casou seus filhos com famílias que emprestaram dinheiro a você e rezou junto com seus clientes e fornecedores.
Muito antes de Wall Street sinalizar os perigos do capitalismo da realidade virtual, o jugaad desconfiava do que não podia ver. Ele estimulou o capitalismo tangível do pequeno empresário, que precisa sobreviver em um mercado em mutação, não de empresas do tamanho do governo que são grandes demais para falir.
E muito antes dos empresários sociais descobrirem o “investimento de impacto”, o jugaad fomentou um capitalismo humanista que apagava a linha entre serviço comunitário e lucro, no qual criadores de instituições não sentiam a compulsão ideológica de escolher entre os dois.
O taxi amarelo e preto de Mumbai, um exemplo de jugaad, era uma resultante do conhecimento coletivo antes da Wikipédia e uma fonte aberta antes do Firefox.
Os taxis, sedãs Padmini com design da Fiat fabricados no meio do século passado, não foram atualizados em décadas. Seu fabricante saiu de cena. Mas na Índia do jugaad, isso significa que uma pessoa pode ser mecânica de Padmini, fornecedora ou decoradora.
Os taxis de Mumbai estão cheios de experimentos: luzes azuis, hastes de metal, tomadas de energia, imagens de santos que tocam música, enormes auto-falantes, minúsculos ventiladores, rádios controlados por interruptores.
Hoje, enquanto esses taxis dão lugar a novos Hyundais e similares, o espírito prossegue com os telefones celulares: diferentemente do Ocidente, onde você precisa contatar a Vodafone e só a Vodafone para questões de conectividade ou a Nokia e somente a Nokia para problemas com o aparelho, nas ruas da Índia e no mundo em desenvolvimento, uma em cada três lojas é de um especialista em telefonia celular. Eles apertam seu aparelho com chaves de fenda e canetas, recarregam seu crédito e respondem perguntas em nome da empresa para a qual não trabalham.
Certa vez perguntaram a A. K. Ramanujan, falecido folclorista indiano, se havia uma forma especialmente indiana de pensar. Sua conclusão foi que os ocidentais se sentiam melhores com verdades aplicadas universalmente a todos os casos, enquanto os indianos resistiam ao universal, preferindo soluções específicas para cada situação.
Esse é o jugaad filosófico: uma abordagem aos dilemas humanos que rejeita a escolha ou um ou outro.
No âmbito da mudança social atual, os indianos parecem sentir menos necessidade do que a maior parte do mundo de rotular e se definir. Eles ficam satisfeitos com a mistura de identidades à moda do caminhão do norte da Índia fabricado no barraco.
Jovens nas cidades atualmente buscam o amor romântico, em desafio ao casamento arranjado. Mas frequentemente não se importam com os pais tentando arrumar casamentos paralelamente. Podem cheirar cocaína e massagear os pés dos pais na mesma noite, sem ver contradições.
Os indianos gays também aplicam o jugaad navegando em uma sociedade que é hiper globalizada na superfície e conservadora nos seus interstícios. Como me disse Parmesh Shahani, autor de “Gay Bombay: Globalization, Love and (Be)longing in Contemporary Índia” (Mumbai gay: globalização, amor e pertencer à Índia contemporânea”, os indianos gays são diferentes do resto do mundo ao preservarem o contato com os pais, avós, tios e tias mesmo circulando em um universo gay. Eles circulam facilmente das reuniões de negócios da família para boates gays e para casamentos de primos.
“Não é o caso de ‘vamos ter nosso próprio gueto no Castro e tudo vai ser ótimo’”, disse ele. “Eles preferem o caminho difícil de negociar, diariamente, com uma quantidade tremenda de jugaad, a rede complicada de relacionamentos que os envolve”.

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