sábado, 18 de setembro de 2010

Chezi K. Ganesan parece exatamente o empreendedor de alta tecnologia, vestindo o uniforme do Vale do Silício de camisa de brim e calça cáqui, com um smartphone bacana à mão. Ele divide seu tempo entre San Jose e esta metrópole costeira que passa por um boom, dirigindo sua empresa de fabricação de chips de US$ 6 milhões por ano.
Sua família progrediu bastante. Seu avô não era autorizado a entrar nos templos hindus, ou mesmo se aproximar demais das pessoas da casta superior, e as mulheres de sua casta nadar, que está apenas ligeiramente acima dos párias na ancestral hierarquia de castas da Índia, antes eram forçadas a desnudar seus seios diante dos homens da casta superior, como um lembrete de seu status inferior.
“A casta não tem mais impacto na vida atual”, disse Ganesan em uma entrevista em um dos clubes sociais exclusivos de Chennai, um local onde há uma geração alguém de sua casta não seria bem-vindo. “Não é mais uma barreira.”
A ascensão espetacular dos nadares de trabalhadores braçais desprezados, que produziam um vinho de palma levemente alcoólico, ao comando da comunidade empresarial de um dos Estados mais prósperos da Índia, oferece pistas significativas a respeito da questão das castas da Índia e sobre como ela tem impedido o progresso econômico em muitas partes do país.
A Índia está desfrutando de um boom econômico prolongado, com um crescimento próximo de dois dígitos. Mas os benefícios não foram compartilhados igualmente, e o sul da Índia se projetou muito à frente do restante do país em virtualmente todos os aspectos – as pessoas aqui ganham mais dinheiro, têm melhor educação, vivem mais e têm menos filhos.
Um fator crucial é o colapso do sistema de castas ao longo das últimas décadas, um fator que reforça muitos dos outros motivos para o sul ter prosperado –governos mais estáveis, melhor infraestrutura e uma posição geográfica que lhe dá contatos mais próximos com a economia global.
“O colapso da hierarquia de castas quebrou os elos tradicionais entre castas e profissões, liberando enormes energias empreendedoras no sul”, disse Ashutosh Varshney, um professor da Universidade Brown que estudou o papel das castas no desenvolvimento do sul da Índia. Este colapso, ele disse, ajuda a explicar “por que o sul assumiu a dianteira em relação ao norte nas últimas três décadas”. A Constituição da Índia aboliu as castas, a hierarquia social que ordenou a vida indiana por milênios, e instituiu um sistema de cotas para ajudar na ascensão daqueles que se encontravam abaixo. Mas as divisões de casta ainda persistem, com as castas superiores dominando muitas esferas da vida apesar de seu número relativamente pequeno.
Enquanto no sul os membros da casta mais baixa se concentraram no desenvolvimento econômico e educação como rota para a prosperidade, no norte a meta principal dos grupos baseados em casta tem sido o poder político e benesses. Como resultado, as castas mais baixas no norte da Índia tendem a ser menos instruídas e menos prósperas do que seus pares do sul. Líderes carismáticos de castas mais baixas no norte têm utilizado a identidade de casta como forma de mobilizar eleitores, ganhando controle sobre vários grandes Estados do norte da Índia. A casta permeia tanto a política no norte da maior democracia do mundo que frequentemente é ela que determina o voto.
A casta é tão crucial para a política no norte que partidos baseados em castas têm exigido que as castas sejam incluídas no recenseamento da Índia. O governo, cedendo à pressão, concordou em coletar dados sobre castas pela primeira vez desde a independência. Eles esperam que ao mostrarem seu grande número, os partidos baseados em castas possam forçar o governo a destinar mais empregos para suas comunidades.
Os nadares de Tamil Nadu pertencem a uma comunidade no meio do sistema de castas da Índia, ocupando um local ligeiramente acima dos párias, atualmente chamados dalits. Acadêmicos e analistas têm observado atentamente a ascensão da casta nadar por pistas a respeito de como as barreiras de castas atrapalham o progresso econômico da Índia.
Diferente do norte, onde os movimentos políticos baseados em castas são um fenômeno recente, as castas mais baixas no sul da Índia começaram a agitar contra o domínio das castas superiores no início do século 20. Como esses movimentos surgiram antes da independência e da possibilidade do poder político eleito, eles se concentraram em questões como dignidade, educação e autossuficiência, disse Varshney.Os nadares criaram associações de negócios para fornecer crédito aos empreendedores, algo que não conseguiam obter nos bancos. Eles criaram caridades para pagar pelo ensino das crianças pobres. Eles construíram seus próprios templos e salões de casamento para evitar a discriminação da classe superior.
“Nossa comunidade se concentrou na educação, não na política”, disse R. Chandramogan, um empreendedor nadar que construiu a maior empresa privada de laticínios da Índia do zero. “Nós sabíamos que com educação nós poderíamos realizar qualquer coisa.”
O resultado? Quando veio a independência, as castas mais baixas do sul –que já tinham quebrado o monopólio da casta superior no poder econômico– desfrutaram do poder político quase que imediatamente. Tamil Nadu destinou 69% dos empregos públicos e vagas no ensino superior para as castas mais baixas, o que contribuiu para a rápida ascensão social das pessoas das castas mais baixas. O norte adotou políticas de ação afirmativa, mas como a educação tinha sido amplamente abraçada, as pessoas das castas mais baixas do sul estavam mais bem capacitadas para tirar proveito dessas oportunidades do que as do norte.
Quando a economia da Índia foi liberalizada nos anos 90, o sul estava mais preparado para tirar proveito da globalização, disse Samuel Paul, do Centro de Assuntos Públicos, uma instituição de pesquisa que tem acompanhado atentamente a crescente desigualdade entre o norte e o sul da Índia.
“O sul estava pronto”, disse Paul. Empresários nadares como C. Manickavel têm surfado habilmente nas ondas de prosperidade que quebraram na Índia desde a liberalização, fazendo pequenas fortunas. O pai de Manickavel abriu uma pequena gráfica em Chennai, que no seu auge ganhava US$ 40 mil por ano. Mas ele enviou seu filho para uma das melhores escolas de engenharia da Índia, e Manickavel transformou aquele negócio modesto em uma operação de US$ 1 milhão por ano, que projeta livros eletrônicos para grandes editoras americanas.
“Nós deveríamos ser uma comunidade atrasada, mas não pensamos em nós mesmos desta forma”, ele disse em uma entrevista em sua empresa de vanguarda de editoração eletrônica sem papel daqui. “Eu cuido para que minha filha estude na melhor escola em Chennai. Nós somos tão bons quanto qualquer outra pessoa.”
Não se sabe se a agitação política em torno de castas no norte da Índia produzirá prosperidade para as pessoas de castas mais baixas de lá, dizem os especialistas. Na economia liberalizada da Índia, essas comunidades precisam se preparar para competir, não simplesmente exigir uma fatia cada vez maior do bolo cada vez menor do governo, disse Rajeev Ranjan, o burocrata chefe encarregado pelo desenvolvimento industrial em Tamil Nadu. Ranjan é natural de Bihar, um Estado do norte dominado pela política de castas, mas está no sul há 25 anos. Ele disse que os Estados do norte precisam seguir o exemplo do sul.
“Sem esse tipo de mudança social, é muito difícil promover o desenvolvimento econômico”, ele disse. “Um depende do outro.”

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