domingo, 16 de janeiro de 2011

EONNAGATA

Em cartaz em Paris depois de uma temporada em Londres, Eonnagata é um produto colaborativo. Co-criado e realizado pela bailarina francesa Sylvie Guillem, pelo coreógrafo inglês Russell Maliphant e pelo diretor, ator e dramaturgo canadense Robert Lepage, não é somente uma produção que reúne três artistas estelares, é um espetáculo que foi concebido como uma aventura compartilhada, um empreendimento capaz de ligar os três em um terreno novo.
Guillem, suavemente glamourosa de seda escarlate, começa a narrar o prólogo da obra de abertura; Lepage dança, enquanto Maliphant mostra sua habilidade com espadas de combate. Na sua fusão de dança e teatro físico nenhum dos participantes parece tão à vontade com o que faz. Enquanto as partes da produção são de uma beleza surpreendente, comovente e corajosa, paira no ar uma certa hesitação de artistas que parecem não estar totalmente no controle do que aparece no palco.
A história que impulsiona o trabalho é a vida de Chevalier d´Éon, um soldado, espião e diplomata que era um dos favoritos na corte de Luís XV, até que ele foi forçado a fugir para Londres e ganhar a sua vida em um circo. Mas o que era mais extraordinário sobre Chevalier é que ele era um crossdresser, que não só cumpriu sua missão de espionagem disfarçado de mulher, mas que também (por opção e por édito real) usava vestidos em sua vida diária. O seu era um mundo que tinha muitas semelhanças com o do onnagata japonês, o ator de Kabuki masculino treinado para executar papéis femininos. E é a partir daí que o trabalho se alterna entre contar a história de Chevalier e as angústias e prazeres de uma alma dividida entre identidades sexuais. É um material extremamente rico, mas é muito para um trabalho de 90 minutos carregar. Mesmo com o auxílio da fantasia extraordinária de Alexander McQueen combinado com gênero, cultura, costumes e cruzando a poesia viva do desenho de luz de Michael Cascos, parte do trabalho de muitas cenas não materializa a intensidade e a clareza das informações exigidas.
Não é um problema que todos os três artistas representem diferentes aspectos de d'Éon, mas nem sempre é claro se os outros personagens estão envolvidos. No entanto, quando essa produção funciona, seu imaginário e sua execução podem ser mágicos. O dueto entre Guillem e Maliphant, mostrando as duas metades de d'Éon tentando se transformar novamente em um único corpo, o solo para Guillem, que tem sua ferocidade espirituosa ao empunhar uma caneta como se fosse a espada com a qual o cavaleiro sonha em vencer seus inimigos, a mistura de prazer sensual e angustiante com a fúria que ela veste sua roupa feminina.
O mais extraordinário é o momento em que Chevalier idoso evoca seus eus anteriores e Guillem e Maliphant, com seus virtuosismos e técnicas surpreendentes, dançam um dueto com um espelho, parecendo deslizar fisicamente, dissolver e desaparecer de vista. Ele é deixado sozinho para morrer, espalhado sobre a mesa de autópsia, com um único feixe de luz sobre seu corpo. É uma cena de cortar o coração e um dos vários momentos que confirmam que há um personagem no meio desta produção complicada, com o poder de fascinar e emocionar. Mesmo assim, Eonnagata ainda parece um trabalho em andamento que ainda não alcançou um foco de luz estável.

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