domingo, 16 de janeiro de 2011

Uma Turquia mais ressurgente do que em qualquer momento desde sua glória otomana está projetando influência por um turbulento Iraque, das cidades em boom no norte até os campos de petróleo mais ao sul, em Basra, em uma demonstração de poder que ilustra seu crescente peso em um mundo árabe que por muito tempo suspeitou dela.
Sua ascensão aqui, em uma arena disputada pelos Estados Unidos e pelo Irã, pode provar ser seu maior sucesso até o momento, ao emergir da sombra de sua aliança com o Ocidente para traçar uma política externa independente, frequentemente assertiva.
A influência da Turquia é maior no norte do Iraque e mais ampla, apesar de não tão profunda, do que a do Irã no restante do país. Apesar de os Estados Unidos terem invadido e ocupado o Iraque, perdendo mais de 4.400 soldados ali, a Turquia agora exerce o que poderá provar ser um legado mais duradouro –o chamado poder “soft” (suave), a afirmação da influência por meio da cultura, educação e negócios.
“Esse é o truque –nós somos bem-vindos aqui”, disse Ali Riza Ozcoskun, que chefia o consulado da Turquia em Basra, um dos quatro postos diplomáticos que o país possui no Iraque.
A influência recente da Turquia aqui ocorre ao longo de um eixo que vai aproximadamente de Zakho, no norte, até Basra, passando pela capital, Bagdá. Para um país que antes considerava a região curda no norte do Iraque como sendo uma ameaça existencial, a Turquia embarcou no que poderia ser chamado de o início de uma bela amizade.
Na capital iraquiana, onde a política não é para aqueles de coração fraco, o país promoveu uma coalizão secular que ajudou a formar, provocando a ira do primeiro-ministro, Nouri al Maliki. Para o petróleo e gás abundantes do Iraque, ele se posicionou como o portal do país para a Europa, ajudando ao mesmo tempo a atender suas próprias necessidades crescentes de energia.
Assim como o Partido Justiça e Desenvolvimento do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan reorientou a política na Turquia, ele está fazendo o mesmo no Iraque, com repercussões para o restante da região.
Apesar de algumas autoridades turcas se horrorizarem com a ideia de um neo-otomanismo –uma orientação da Turquia de distanciamento da Europa e voltada a um império que antes incluía partes de três continentes– o processo de globalização do país e sua atenção para os mercados do Oriente Médio está incomodando as suposições de que apenas o poder americano é decisivo. A Turquia se comprometeu aqui com uma integração econômica, vendo seu futuro em pelo menos um eco do seu passado.
“Ninguém está tentando tomar o Iraque ou uma parte do Iraque”, disse Aydin Selcen, que chefia o consulado em Erbil, que foi aberto neste ano. “Mas vamos promover uma integração com este país. Estradas, ferrovias, aeroportos, oleodutos e gasodutos –haverá um fluxo livre de pessoas e bens entre os dois lados da fronteira.”
Por fronteira, ele fala de Zakho e do posto de controle com 26 faixas de Ibrahim Khalil, por onde passam diariamente 1.500 caminhões, transportando bens turcos como materiais de construção, roupas, móveis, alimentos e praticamente tudo mais que abastece as lojas no norte do Iraque.
O boom econômico que ajudaram a fomentar reverberou por todo o Iraque. O comércio entre os dois países chegou a aproximadamente US$ 6 bilhões em 2010, quase o dobro do comércio em 2008, disseram autoridades turcas. Elas projetam que, em dois ou três anos, o Iraque poderá ser o maior mercado de exportação da Turquia.
“Este é apenas o início”, disse Rushdi Said, o ostentoso presidente curdo-iraquiano da Adel United, uma empresa envolvida em tudo, de mineração a amplos projetos habitacionais. “Todo o mundo começou a lutar pelo Iraque. Todos estão disputando o dinheiro.”
O terno de Said, enfeitado por um lenço preto e branco no bolso, brilha como seu otimismo, do tipo enriqueça rápido. De certa forma, ele é uma reencarnação de um mercador otomano, falando fluentemente curdo, turco, persa e árabe. Em qualquer uma dessas línguas, ele se gaba do que planeja.
Ele pensa em contatar Angelina Jolie, “talvez também Arnold e Sylvester”, para ver se eles se interessam por alguns de seus 11 projetos por todo o Iraque, para construção de 100 mil casas e apartamentos ao custo de alguns poucos bilhões de dólares. Até o momento, seu maior parceiro é Ibrahim Tatlises, um cantor curdo de origem turca, cujo retrato adorna a propaganda de Said para seu projeto Planície do Paraíso.
“As casas estão prontas!” diz Tatlises em comerciais de televisão. “Venha! Venha! Venha!”
Erbil, a capital curda no norte onde Said vive, se tornou o centro da política e negócios turcos, possibilitado pelo gume afiado do poder militar.
Cerca de 15 mil turcos trabalham em Erbil e em outras partes do norte, e empresas turcas, mais de 700 delas, representam até dois terços de todas as empresas estrangeiras na região. As exigências para viagem foram suspensas e o consulado em Erbil emite até 300 vistos por dia. Um movimento religioso turco dirige 19 escolas na região, educando 5.500 estudantes, árabes, turcomanos e curdos se integrando com o inglês como lingua franca.
As autoridades turcas falam em transformar a região em algo semelhante à fronteira americana-mexicana, uma fronteira tão ambígua quanto qualquer linha em um mapa é precisa. Até mesmo algumas autoridades curdas abraçaram a ideia, apesar de interpretando a noção de modo diferente.
Enquanto os turcos veem a integração como uma forma de explorar os mercados nascentes do Oriente Médio, algumas autoridades curdas a veem de forma mais emocional, como uma forma de ligá-los às regiões curdas nos países vizinhos, de uma forma que nenhum grau de negociação política poderia conseguir.
“As fronteiras entre nós não foram traçadas por nós”, disse Kamal Kirkuki, o presidente do Parlamento curdo local, sobre a fronteira com a Turquia, Irã e Síria, todos com minorias curdas. “É uma fronteira de fato e temos que respeitá-la, mas em nossos corações nós não a vemos. Nós queremos integrar as pessoas sem que as burocracias nos afastem.”
Os curdos representam quase 20% da população da Turquia e os governos turcos por muito tempo viram os pedidos por autodeterminação como sendo uma ameaça fundamental ao Estado. O mesmo vale para os curdos no Iraque, cuja autonomia poderia se transformar em uma inspiração para a minoria na Turquia. Desde 2007, essas suposições sofreram uma mudança sísmica.
Apesar das reservas dos militares turcos, que realizaram repetidos golpes contra governos eleitos, Erdogan promoveu medidas para reconciliação com os curdos da Turquia, no que o governo chamou de “abertura curda”. Elas tiveram um sucesso parcial, mas o novo clima reflete as mudanças: os diplomatas curdos daqui se referem casualmente ao Curdistão Iraquiano –a palavra começada por C por muito tempo um tabu– e Massoud Barzani, o presidente daquela região, não mais fala no Grande Curdistão.
De modo menos público, as autoridades americanas começaram a apoiar no final de 2007 a ação militar turca contra os rebeldes curdos na Turquia, que buscaram refúgio no norte do Iraque. A Turquia ainda mantém até 1.500 soldados aqui, dizem as autoridades, e a cooperação permitiu, como colocou um alto funcionário americano, “atacar de modo bastante eficaz” os rebeldes curdos.
As autoridades iraquianas em Erbil e Bagdá protestaram, exigindo certa dose de diplomacia americana para aplacar seu ressentimento. Mas ao menos por ora, as autoridades curdas veem sua aliança com a Turquia como sendo uma grande prioridade, em uma região ainda disputada pelo Irã.
Um elemento surpreendente do sucesso da Turquia é a imagem que conseguiu projetar no Iraque. Na estrada de Erbil para Bagdá, sua cultura popular está por toda parte.
Cartazes de séries de TV turcas –de “Muhannad and Nour” até “Forbidden Love”– são vendidos às dezenas de milhares. A série de ação “Valley of the Wolves” é uma sensação, com o ator principal emprestando seu nome para cafés. Seus cartazes são alterados por computador para mostrá-lo vestido em trajes tradicionais curdos ou árabes –excelente para um seminário de pós-graduação sobre a adaptabilidade de símbolos culturais.
A influência política da Turquia em Bagdá não é menor. Diferente do Irã e dos Estados Unidos, ela cultiva laços com virtualmente todos os blocos do país, apesar das relações com Al Maliki às vezes provarem ser difíceis. (A certa altura, suas autoridades tentaram revogar as credenciais do embaixador turco para entrada na Zona Verde. “Um mal-entendido”, foi como os diplomatas turcos chamaram o caso.)
Os diplomatas turcos permanecem por dois anos, diferente dos americanos, que ficam por um ano, e ao longo desse tempo eles conseguem se entender com parceiros improváveis, como os seguidores do clérigo populista xiita Muktada al Sadr.
A maioria dos legisladores do bloco de Al Sadr já viajou para a capital turca, Ancara, para treinamento em protocolo parlamentar. Em outubro, os turcos eram os únicos diplomatas presentes na comemoração promovida pelos sadristas na Universidade de Bagdá.
“Não é um grupo que deve ser excluído”, disse um deles.
O cortejo aos sadristas, entretanto, é um espetáculo secundário para o verdadeiro prêmio buscado nos meses prolongados de negociações para formação de um novo governo. A Turquia apoiou fortemente a sorte da coalizão liderada por Ayad Allawi, um político xiita secular que conta com o apoio dos sunitas do país. Mais do que qualquer outro país, incluindo os vizinhos árabes do Iraque, a Turquia é creditada por forjar a coalizão.
Os interesses americanos e turcos nem sempre se alinham em relação à formação do governo e alguns diplomatas questionaram se as autoridades americanas não estariam apoiando demais Al Maliki.
Um ato de corda bamba”, disse um alto funcionário americano, descrevendo as relações turco-americanas de modo geral.
Mas esses interesses por ora estão aproximadamente alinhados e o grau de poder que a coalizão de Allawi vier a exercer no governo ilustrará vividamente o peso relativo da Turquia no Iraque.
“Eu diria que os turcos se esforçaram bastante a respeito e ainda estão se esforçando”, disse o alto funcionário.
No extremo sul do Iraque, o velho bairro otomano em Basra está ruindo. Suas janelas estão remendadas com blocos de concreto, apesar do fedor de esgoto ainda passar. Do outro lado da cidade fica a Centro Internacional de Exposições de Basra, montado pelos turcos e aberto em junho. Três feiras já foram realizadas lá, incluindo uma organizada em novembro pela indústria do petróleo do Iraque.
O petróleo ainda domina no Iraque e, tanto quanto as outras coisas, ressalta os interesses da Turquia aqui. O oleoduto de Kirkuk, Iraque, até Ceyhan, Turquia, já transporta aproximadamente 25% das exportações de petróleo do Iraque.
Os turcos assinaram para realização do projeto ambicioso do gasoduto Nabucco, no valor de US$ 11 bilhões, que poderá contornar a Rússia e levar gás iraquiano para a Europa. Empresas turcas têm duas participações em contratos de petróleo e outras duas em projetos de gás, potencialmente no valor de bilhões de dólares. Em uma terra de petróleo, nenhum lugar tem mais do que Basra.
Navios turcos em alto-mar fornecem 250 megawatts de eletricidade por dia. Empresas turcas reformaram o Hotel Sheraton em Basra e estão ajudando a construir um estádio para 65 mil pessoas. A companhia aérea nacional turca está planejando quatro voos por semana de Istambul para Basra; no momento apenas um é oferecido, pela Iraqi Airways. Vortex, Crazy Dance e outras atrações em Basraland são turcas. Assim como os doces vendidos ali.
“Ninguém está trabalhando aqui exceto a Turquia”, disse Ozcoskun, o cônsul turco em Basra.
Foi um pouco de exagero por parte do diplomata falador, mas não muito.
“Basra é virgem”, ele disse, uma frase que os diplomatas turcos também empregam para o restante do Iraque. “Quem chegar primeiro, quem se estabelecer primeiro, quem fizer os contatos primeiro, obterá os maiores lucros no futuro. Eu não sinto nenhuma concorrência no momento. Nenhuma.”

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