domingo, 15 de maio de 2011

Na semana anterior à retomada das aulas, a escola de ensino fundamental ainda era um necrotério improvisado. Mas os corpos foram removidos e o chão foi desinfetado, então a Escola Fundamental de Kirikiri pode receber de volta os alunos, pela primeira vez desde que o tsunami destruiu a maior parte desta cidade portuária.
“Nesse desastre, perdemos muitas coisas preciosas”, disse Nagayoshi Ono, diretor de uma das duas escolas que estão compartilhando o prédio desde que a Kirikiri reabriu há duas semanas, uma vez que é a única escola de ensino fundamental que sobreviveu na cidade de Otsuchi. “Enfrentamos um desafio como um país em guerra, e a forma como respondemos a esse desafio depende de nós.”
Dois meses depois do terremoto e do tsunami que devastaram a costa norte do Japão, os sobreviventes estão tentando juntar os cacos. Como em muitas áreas duramente atingidas, professores e alunos dessa minúscula escola parecem compartilhar uma convicção de que, ao retomar as rotinas anteriores ao desastre, podem fazer com que suas comunidades devastadas deem mais um passo em direção à cura emocional.
Esse esforço para retornar à normalidade vem num momento de adversidade que não era visto desde os obscuros dias após a 2ª Guerra Mundial.
Os alunos caminham ou pegam ônibus para ir à escola, atravessando planícies de escombros compactados, onde antes ficavam os bairros. Eles chegam a um prédio onde 300 alunos precisam de alguma forma caber no espaço construído para um terço deste número. A maioria das aulas de educação física foram canceladas, porque o campo da escola está cheio de apartamentos pré-fabricados para alguns dos milhares de desabrigados de Otsuchi. Metade dos estudantes estão vivendo em abrigos, e muitos perderam o pai, a mãe, ou ambos.
Além disso, duas alunas do oitavo ano não sobreviveram ao 11 de março, quando o terremoto e o tsunami deixaram mais de 1.600 mortos ou desaparecidos nessa cidade de 15 mil habitantes. Delicados buquês de pequenas flores azuis foram colocados sobre suas carteiras vazias.
“Sinto que elas estão aqui conosco, em algum lugar”, disse Ono, 55, diretor da Escola Fundamental de Otsuchi, cujos alunos agora atravessam uma montanha até Kirikiri de ônibus depois que o tsunami engoliu sua escola. “Eles querem que nós perseveremos.”
Apesar da tristeza e da perda, Ono e os outros pareciam determinados a sustentar uma alegria quase desafiadora. À medida que os ônibus de alunos da Escola Fundamental de Otsuchi chegavam em Kirikiri numa manhã recente, Ono e meia dúzia de professores estavam parados na entrada da escola, recebendo os alunos com saudações animadas de “bom dia!”. Os alunos retribuíam o cumprimento se curvando, alguns sorrindo com relutância ou fazendo piadas rápidas para seus professores favoritos.
Durante o dia inteiro, os professores pediram repetidas vezes para que os alunos sorrissem e “perseverassem” – ou “ganbaru”, uma palavra muito ouvida no Japão atualmente.
Os professores disseram que, embora a escola esteja longe de ser um ambiente ideal para o aprendizado, era importante trazer as crianças de volta. Eles querem que a escola ofereça aos alunos uma fuga do estresse de viver nos acampamentos para desabrigados, e uma chance de compartilhar com os colegas suas experiências durante o desastre.
“Esses alunos perderam seus lares e seus pais”, disse Noriko Sasaki, 36, professora de inglês do sétimo ano, que cumprimentava os alunos. “A escola permite que eles voltem para uma situação familiar e segura.”
Muitos alunos concordaram.
“Eu normalmente não gosto da escola, mas queria vir hoje para falar sobre o que estávamos fazendo durante o tsunami”, disse Kiyoshi Kimura, 14, aluno do oitavo ano que contou que sua casa foi destruída e vários familiares morreram.
Ele compartilhou suas memórias do tsunami com os colegas reunidos num estreito corredor.
“Parecia mais uma nuvem se aproximando do que uma parede de água”, ele exclamou num momento, referindo-se à poeira que as ondas levantaram à medida que derrubavam os prédios em seu caminho.
Kota Iwai, 14, era colega de classe de uma das meninas que morreu. Embora ele estivesse triste por sua morte, estava contente de sair um pouco do abrigo no ginásio da escola fundamental onde ele e sua família estão dormindo desde que perderam sua casa.
“Não vi meus amigos desde o tsunami”, disse ele. “Ficamos todos espalhados.”
Muitos professores esperam que o fato de reabrir a escola seja terapêutico não só para os alunos, mas também para a cidade. Uma espécie de estado de choque parece pairar sobre Otsuchi, onde o tsunami destruiu mais da metade da cidade e matou o prefeito.
“Ver as crianças indo para a escola é um pequeno passo na direção de fazer com que a cidade volte ao normal”, disse Gouei Kanno, 38, que dá aula de estudos sociais para o sétimo ano.
Kanno e outros professores disseram que um dos maiores desafios ao reabrir a escola é observar os sinais de dificuldades emocionais entre os alunos. Os professores disseram que receberam duas horas de treinamento sobre estresse pós-traumático e identificação de sintomas, incluindo comportamentos como falar demais e com muito entusiasmo e explosões de raiva.
“Nós estamos com nossas antenas ligadas”, disse Kanno, cuja casa sobreviveu porque ele mora afastado da costa.
Outra preocupação é se os alunos da Escola Fundamental de Otsuchi, que ficava numa parte mais industrial da cidade, conseguirão se entrosar com os de Kirkiri, um pacato vilarejo pesqueiro. Para evitar as brigas ou o bullying, um problema constante nas escolas japonesas, as duas escolas terão aulas separadas.
Para quebrar o gelo e criar um ambiente de apoio mútuo para as crianças traumatizadas, as escolas pediram que os alunos organizem sua própria cerimônia de abertura. Os grupos de torcida organizada das duas escolas cumprimentaram um ao outro no ginásio recém-desinfetado, ao som dos tambores taiko.
“Bem-vindos, bem-vindos, Escola Fundamental de Otsuchi!”, gritou o garoto que liderava a equipe de Kirikiri, enquanto dava socos no ar, numa elaborada mímica de luta.
“Nossa escola foi destruída! Vamos perseverar juntos!”, gritou o líder da torcida de Otsuchi em resposta.
Ono, diretor da Escola Fundamental de Otsuchi, disse para um grupo de alunos de sua escola para ficarem bem comportados, porque estavam compartilhando uma escola lotada. Todo o espaço extra da Kirikiri, incluindo a sala e artes e a biblioteca, foi transformado em salas de aula.
Os alunos fizeram fila para massagear os ombros uns dos outros, numa demonstração de apoio em grupo. Depois, na aula de educação física, eles fizeram um jogo chamado “queimada cooperativa”, no qual os alunos mais fortes ajudavam os mais fracos.
“Muitos de nós perdemos nossas casas e posses num instante”, disse Megumi Nakagawa, professora de inglês, aos alunos da Otsuchi. “O mais importante agora é dar o primeiro passo para um futuro melhor.”

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