segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Os choques ruidosos provocados pela recente disputa territorial sino-japonesa tornaram a escrita criativa impossível para mim. Eu passei a dedicar todo meu tempo a acompanhar o noticiário, me aprofundando ansiosamente em todo novo desdobramento. Repetidas vezes eu me perguntei: o que transforma uma disputa interminável por uma ilha em uma bola de fogo? Quem poderia apagar as chamas? Quem poderia fazer os políticos se sentarem para beber chá gelado juntos e se engajarem em um diálogo calmo e cortês? Onde estão as vozes da razão? Eu anseio por mais vozes racionais, eu anseio por ouvir meus pares escritores. Eu fiquei profundamente tocado depois que li as traduções dos pontos de vista sobre questões territoriais do ganhador do Nobel, Kenzaburo Oe, e o recente comentário de Haruki Murakami, alertando para os danos causados por surtos de nacionalismo. Minha longa admiração por esses escritores japoneses agora vai muito além de suas realizações literárias. “Eu gosto de licor barato”, escreveu Murakami, se referindo ao nacionalismo. “Ele o deixa bêbado após apenas poucas doses e o deixa histérico. Faz você falar alto e agir de forma rude (...) mas após o alvoroço embriagado, não resta nada, fora uma dor de cabeça horrível na manhã seguinte.” Diante dessas disputas inflamadas entre Japão e China, os escritores japoneses tomaram a iniciativa de adicionar uma dose de razão à discussão. Em comparação à humanidade e coragem deles, eu me sinto envergonhado como escritor chinês pela minha lenta resposta. “Eu temo que tanto como escritor japonês quanto asiático”, escreve Murakami, “as realizações constantes que fizemos (no aprofundamento do intercâmbio cultural e no entendimento com nossos vizinhos asiáticos) serão profundamente prejudicadas” devido aos recentes problemas. Eu entendo a preocupação de Murakami. Mas preciso dizer que a cultura e a literatura sempre foram vulneráveis à política. Historicamente, o intercâmbio cultural e literário sempre é o primeiro a ser atingido sempre que surgem disputas de fronteira. Isso me faz suspirar toda vez que vejo a cultura e a literatura tratadas como lanternas festivas –penduradas de modo extravagante sempre que necessário e então descartadas quando passa a empolgação. Repetidas vezes eu rezo nessas noites escuras: por favor, basta de armas e tambores de guerra. Todas as guerras são desastrosas. As manchas de sangue da guerra sino-japonesa durante a Segunda Guerra Mundial permanecem vívidas até hoje em nossa memória coletiva.
“Nós todos somos seres humanos”, escreveu Murakami em seu poderoso discurso de aceitação do Prêmio Jerusalém, entregue em Israel em 2009, “indivíduos transcendendo a nacionalidade, raça e religião, ovos frágeis diante de um muro sólido chamado O Sistema. Em todas as aparências, nós não temos nenhuma esperança de vencer. O muro é alto demais, forte demais –e frio demais. Para termos alguma esperança de vitória, ela precisará vir de nossa crença de que nossa própria alma e as dos outros são singulares e insubstituíveis, e da calidez que conseguimos ao unirmos nossas almas”. Eu concordo com ele. Para as pessoas comuns, ninguém vence uma guerra. Morte é nosso único destino. Diante da guerra, todos nós somos ovos frágeis. Se mais intelectuais no Japão, Coreia e China dessem um passo à frente e falassem com a voz da razão, em vez de disseminarem o ódio e serem indulgentes em explosões emocionais, em vez de permanecerem de lado indiferentes, talvez conseguiríamos baixar a temperatura e oferecer um muito necessário chá gelado para as pessoas inflamadas com fervor territorial. Eu estou dolorosamente ciente da fraca estatura dos escritores e intelectuais neste mundo complexo. Mas eu acredito que se quisermos ser úteis, o momento é agora. Em seu ensaio, Murakami mencionou que suas obras e as de outros autores japoneses foram removidas das prateleiras das livrarias na China. Isso é uma surpresa para mim. Há apenas poucos dias, eu vi obras literárias japonesas em exposição como de costume na Livraria Todos os Sábios, em Pequim. Mas acredito que o que Murakami relatou deve ter acontecido em algum lugar na China. A China é um país grande. Muitas pessoas aqui vivem constantemente com ansiedade, por motivos que elas próprias podem não entender. A todo momento elas aguardam por um canal para extravazar suas frustrações. Foi por causa dessas frustrações que vandalismo e ataques ocorreram durante as recentes manifestações. Esse comportamento não é apenas perturbador para o povo japonês, mas também para muitos chineses. Como escritor chinês, eu me envergonho por meus compatriotas que participaram do vandalismo, mas sinto por sua impotência inarticulada e frustração. Eu sei que é absurdo e errado livrarias removerem livros de autores japoneses, mas também entendo as preocupações que os funcionários de livrarias possam ter. “Pode acontecer qualquer coisa atualmente na China”, é um tema que aparece com frequência nas minhas obras literárias. Mas, ao mesmo tempo, um senso de impotência e tristeza é sempre real para mim. Eu concluí em agosto o primeiro rascunho do meu mais recente romance. A última parte é repleta de absurdos e horrores que estão acontecendo atualmente na vida real. De fato, o final fala do que está acontecendo na China e no Japão, e o que todo mundo teme que acontecerá. Eu estou embaraçado pela falta de imaginação. Meu romance não é uma profecia irracional de guerra, e agora não sei como mudar o final. Mas eu sei que –em qualquer país– se as vozes da razão não são ouvidas, o desastre pode ocorrer a qualquer momento, e são as pessoas comuns que sofrerão. Eu sei pouco sobre questões territoriais, assuntos políticos e militares. Meu amor pela literatura e pela cultura, entretanto, não tem fronteiras. Em comparação a aqueles que dedicam toda sua atenção ao engrandecimento territorial, eu sou mais dedicado à literatura e cultura mundial. Como escritor chinês, eu anseio pelo dia em que poderemos deixar a política para a política, e que a cultura e a literatura sejam deixadas em paz. Cultura e literatura são um laço compartilhado por toda a humanidade. Quando surgem instabilidades políticas, eu torço para que esse laço não seja de novo a primeira baixa. Afinal, a cultura e a literatura são a raiz de nossa existência, e o intercâmbio cultural trata-se do compartilhamento de emoções e experiências universais. Quando a cultura é abandonada, quando a literatura é descartada apenas para juntar pó, quando a raiz de nossa existência é cortada, realmente importa o tamanho de um território?

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