Reshma Devi luta para recuperar a guarda de sua filha de 15 anos.. Em janeiro, a polícia invadiu um hotel em Mumbai e encontrou a garota se prostituindo. Quando um comitê de bem-estar de menores decidiu enviar a garota para um lar juvenil em Déli, Devi argumentou que sabia que sua filha estava atuando como trabalhadora sexual -e que isso não era um problema para ela. Não era um caso de tráfico de pessoas. Era uma questão de casta. Devi argumentou que a prostituição é a ocupação da casta dos bedias, da qual ela e sua filha fazem parte. O comitê de bem-estar de menores considerou que o argumentou era mais uma justificativa para que a mãe não voltasse a ter a guarda da filha, que precisava ser resgatada da prostituição. Reshma Devi acha embaraçoso explicar seus argumentos. Ela vive numa sociedade em que "prostituta" é um palavrão, mas que utiliza os serviços dos bedias. É isso o que os bedias sempre souberam, é o que eles fazem, é quem eles são. Com a abolição do sistema de locadores feudais, os bedias perderam seus patronos nos vilarejos rurais, de modo que as garotas bedias hoje trabalham com sexo nas cidades grandes. O dilema dos bedias é o choque da instituição tradicional das castas com a modernidade. Quem é este novo Estado moderno para dizer às pessoas o que é bom para elas?
Na região de origem de Devi, em Agra, a três quilômetros do Taj Mahal, as meninas da comunidade podem ter sua virgindade leiloada assim que chegam à puberdade. A região é notória pela presença de milhares de membros dessa comunidade, que, segundo relatos, pratica o aborto de fetos do sexo masculino.
Visto muito frequentemente sob o prisma do racismo, o problema central do sistema de castas seria o da discriminação. Mas o que define as pessoas muito mais do que isso é a ocupação para a qual elas nascem. Uma pessoa não se torna bedia, ela nasce sendo bedia. A casta não é algo do qual uma pessoa se afasta, mesmo que abandone a religião hindu. Um estudo governamental de 2006 constatou que os muçulmanos indianos são mais pobres e menos instruídos que a média nacional, porque a maioria deles faz parte das castas de artesãos, que têm dificuldades em se adaptar à economia moderna.
Os membros das privilegiadas castas superiores nascem para ser sacerdotes, estudiosos, comerciantes e guerreiros. As pessoas das castas inferiores nascem para ser camponesas e artesãs e não têm acesso ao ensino formal. Em último lugar, há os párias, que são vistos como "impuros" e "poluídos", destinados a exercer profissões "sujas", como limpar banheiros e ruas, consertar sapatos e pelar animais. Os párias são considerados intocáveis e deram a si mesmos o nome dalit, que significa "povo alquebrado". Os bedias integram essa última categoria.
Dentro dessas três categorias, há milhares de castas e subcastas definidas por suas ocupações. Ainda é difícil para os membros de uma casta deixarem sua profissão em favor de outra mais respeitável. Mas muitas profissões de casta estão ameaçadas pela modernidade. Os turistas que visitam a Índia se queixam de não conseguirem ver encantadores de serpentes, já que a prática foi proibida por uma lei contra a crueldade aos animais. A mecanização e as importações tornaram redundantes as castas de tecelões manuais e extratores de óleo. Os membros da casta nat, que fazem acrobacias e malabarismos, reclamam porque passaram a ser vistos como mendigos, e não artistas de entretenimento.
As pessoas impedidas de exercer suas ocupações tradicionais raramente encontram outra profissão e são reduzidos a ser lavradores diaristas sem terra, arando os campos das castas mais altas e erguendo as construções da "nova" Índia. A maior desigualdade que enfrentam é a baixa qualidade do sistema de ensino público, que em muitos casos não ensina o inglês, a língua dos indianos instruídos. Isso priva seus filhos de uma oportunidade igual para competir na Índia moderna. Uma lei recente de direito à educação pode aliviar esse problema, mas apenas parcialmente. Além do ensino e da ação afirmativa, as comunidades de castas precisam de ajuda do governo para deixar suas ocupações tradicionais e encontrar outras.
As classes da elite urbana da Índia fazem de conta que as castas não existem. Algumas pessoas alegam nem saber qual é a sua casta. Mas se casam com pessoas de seu próprio grupo, mantendo o capital social, cultural, político e econômico dentro dele. Tendo sido as primeiras a beneficiar-se da modernidade colonial, as castas superiores não sofrem as restrições das profissões de casta. Seus filhos podem optar por ser pilotos, pintores, escritores ou empreendedores.
Mas a filha de Reshma Devi não tinha essa escolha. No lar beneficente em Déli, a moça está estudando e recebendo uma formação em corte e costura, para que tenha outro meio de ganhar a vida. Ao recusar devolver a guarda à sua mãe, o comitê de bem-estar de menores observou que os pais queriam a guarda da menina porque ela estava mandando para casa US$ 30 por dia.
Se o Estado puder forçar a filha de Devi a ser costureira, ela terá uma vida melhor. Mas o mundo à sua volta ainda a verá como dalit.
A jornada da Índia rumo a uma sociedade sem castas será longa e árdua.
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