segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Será que uma velha tradição religiosa da China poderia ajudar a resolver um dos problemas mais urgentes do mundo – a violência cometida em nome do Islã? A ironia de um país oficialmente ateísta possivelmente oferecer uma saída para um problema religioso internacional é imensa. Mas é o que alguns acadêmicos islâmicos na China e de outras partes esperam que possa acontecer, ao apontarem para uma tradição discretamente liberal entre os 10 milhões de muçulmanos hui da China, onde mulheres imãs e mesquitas para mulheres estão florescendo em um fenômeno único no mundo. Mulheres imãs e mesquitas de mulheres são importantes, porque a resistência delas na China oferece uma visão de uma forma mais antiga de Islã, que é inclusiva e tolerante em seu âmago, não marginalizante e extremista, dizem os acadêmicos. Números exatos não estão disponíveis, mas Shui Jingjun, uma importante estudiosa das mulheres no Islã hui (os hui estão espalhados por toda a China e são distintos dos muçulmanos uigures da região de Xinjiang, no extremo oeste), estima que há centenas de mulheres imãs liderando mesquitas por todo o país, educando meninos e meninas, organizando serviços sociais em suas comunidades. As mulheres imãs e as mesquitas para mulheres não são “algo novo aqui. É apenas uma tradição cultural que nunca foi perturbada”, disse Shui, autora e pesquisadora na Academia de Ciências Sociais de Henan, em Zhengzhou, a capital da província de Henan. Isso é o que a torna tão importante, disse Khaled Abou El Fadl, um proeminente acadêmico legal islâmico. “A tradição chinesa de mesquitas para mulheres tem raiz na história islâmica. Não é uma novidade, uma corrupção, uma inovação ou algum tipo de prática herege”, disse Abou El Fadl, um professor de lei islâmica da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, em uma entrevista. Logo, a tradição liberal hui da China desafia o poder do wahabismo, uma seita puritana e patriarcal atualmente dominante na Arábia Saudita que está por trás de grande parte do extremismo islâmico, ele afirmou. “O exemplo chinês preserva e recorda aos muçulmanos um importante fenômeno histórico e uma jurisprudência que o wahabismo tentou erradicar.” “Os movimentos fundamentalistas contemporâneos usam o espaço fornecido pela mesquita para afirmar todo tipo de poder patriarcal e masculino sobre as mulheres”, ele disse. “Quando você tem algo como o exemplo chinês, que no final empodera as mulheres para trabalharem dentro de seu próprio espaço, conduzir as orações e administrar esse espaço por conta própria, é uma forma significativa das mulheres se afirmarem na tradição islâmica, ajudando a construí-la e a perpetuá-la.” Os muçulmanos chegaram à China durante a dinastia Tang, há mais de mil anos, e o número deles cresceu durante a dinastia Yuan, no século 13. Oriundos em grande parte da Pérsia e da Ásia Central, apesar de também contar com alguns árabes, eles trouxeram consigo tradições que sempre enfatizaram a educação das mulheres, disse Shui. Mas, segundo ela, o status das mulheres realmente decolou no início da dinastia Qing, há mais de 300 anos, quando o número dos hui caiu à medida que eram absorvidos pela cultura da maioria chinesa han. Àquela altura, ela disse, “a maioria dos muçulmanos não sabia ler nem falar árabe. Então dependiam das mulheres para disseminar a palavra, para educar. Não era possível contar apenas com os homens. Não havia número suficiente deles”. Longe dali, no mundo árabe, o wahabismo começou a se disseminar. “Há cerca de 300 anos, ocorreram mudanças na educação islâmica” no Oriente Médio, disse Shui. “Entre outros países islâmicos, o que os homens diziam era decisivo. Mas isso não funcionaria aqui.”
Ao longo da última década, cresceu o papel das mulheres muçulmanas hui em oferecer tanto ensino religioso quanto secular em suas comunidades, disse Jackie Armijo, uma professora da Universidade do Qatar. As mulheres jovens hui, percebendo a necessidade de educação entre seu povo, estão optando por viajar para longe de casa para ensinar, frequentemente em pequenos vilarejos. Enquanto realizava uma pesquisa de doutorado na China, “ficava continuamente impressionada com essas mulheres jovens”, disse Armijo. “Elas sabem instintivamente e dizem: ‘Ensinar um homem significa ensinar uma pessoa. Ensinar uma mulher significa ensinar todos’”. Lentamente, está se espalhando pela China a conscientização de quão valiosa pode ser essa tradição. Durante um recente encontro na província de Gansu de educadores muçulmanos, em sua maioria mulheres, pesquisadores, escritores e autoridades chinesas han locais – também participaram alguns muçulmanos não chineses do Paquistão e de Taiwan, segundo reportagens on-line –, “algumas pessoas argumentaram de modo privado que a China deveria ‘divulgar ao mundo’ essa boa tradição”, espalhando a palavra, disse Shui, que esteve entre os participantes.
Isso, comentou Armijo, repercutiria entre as mulheres por todo o mundo muçulmano, que estão cada vez mais se reunindo para estudar os textos independentemente dos homens. No encontro, muitas pessoas disseram que queriam que o evento bienal, que estava acontecendo apenas pela segunda vez, se transformasse em um centro de pesquisa em Gansu. “Nós conversamos sobre transformá-lo em um encontro internacional para todas as mulheres muçulmanas”, disse Shui. “Todo mundo foi a favor.”


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