As companhias multinacionais de medicamentos hoje empregam mais agentes
de vendas na China do que nos Estados Unidos, seu maior mercado. Várias
delas, incluindo a Glaxo e a GlaxoSmithKline (GSK), estão fazendo
grandes investimentos no país, que incluem a construção de centros de
pesquisa e de desenvolvimento. Isso porque, em breve, a China deverá
superar o Japão como o segundo maior mercado farmacêutico do mundo.
Mas vender remédios e outros produtos na China é cada vez mais difícil,
como demonstram acusações feitas neste mês de que a GSK subornou -com a
ajuda de agências de viagens- médicos, hospitais e autoridades para
reforçar as vendas da marca no país.
As autoridades chinesas compararam as operações da companhia ao crime
organizado e detiveram quatro executivos chineses para interrogatório.
As autoridades chinesas disseram que estão investigando as políticas de preços de até 60 laboratórios estrangeiros e domésticos.
A série de investigações mostra como o mercado farmacêutico tornou-se
crítico para as companhias globais e para o governo chinês. Os chineses
não escondem seu objetivo de transformar a indústria de medicamentos do
país em uma concorrência mais direta aos principais fabricantes
mundiais.
Em consequência, as companhias globais podem esperar maior escrutínio,
disse Tarun Khanna, professor da Escola de Administração de Harvard.
"Práticas que talvez fossem aceitas algum tempo atrás passarão a ser
detidamente analisadas", disse ele, especialmente quando o governo
chinês pretende passar de uma economia baseada em exportações para uma
que também enfoque vendas a consumidores locais.
Vários fatores contribuem para o boom de consumo chinês. O crescimento
da economia deu origem a uma classe média que pode pagar por remédios
ocidentais caros e tratar de doenças que poderiam ter passado antes
despercebidas ou não ser medicadas.
A China também expandiu a cobertura do seguro-saúde a centenas de
milhões de novos pacientes -95% da população tinham seguro-saúde em
2011, comparados com 43% em 2006, segundo um relatório da empresa de
consultoria McKinsey. Até 2020, os gastos da China em tratamentos de
saúde deverão crescer para US$ 1 trilhão, contra US$ 357 bilhões em
2011, segundo a McKinsey. O setor médico do país investiu US$ 160
bilhões em pesquisa e desenvolvimento em 2012, quase superando o Japão,
segundo um relatório da Lux Research, de Boston.
A GlaxoSmithKline vem lutando para reformar sua imagem, depois de uma
multa de US$ 3 bilhões nos Estados Unidos no ano passado, em que a
companhia admitiu promover de maneira inadequada seus antidepressivos e
deixar de relatar dados de segurança sobre a droga contra diabetes
Avandia. O executivo-chefe da empresa, Andrew Witty, proclamou
repetidamente a companhia como líder global em práticas éticas e disse
que ela abandonou seus lapsos anteriores.
Investigadores chineses contaram uma história diferente no dia 15 de
julho. Em uma entrevista coletiva em Pequim, eles disseram que
representantes da GSK na China tinham organizado conferências
fraudulentas, cobrado excessivamente por sessões de treinamento e
simulado outros serviços para os quais agências de viagens emitiam
falsos recibos.
Com o dinheiro reembolsado pela GSK por esses "serviços", eles pagavam propinas para inserir a empresa no mercado chinês.
Como o negócio era lucrativo também para as agências de viagens, algumas
delas chegaram a contratar prostitutas para satisfazer os diretores da
GSK e tentar, assim, garantir o vínculo com a farmacêutica.
O governo chinês disse que deteve quatro executivos graduados -todos
chineses. Em 15 de julho, um dos executivos presos apareceu na televisão
chinesa e admitiu grande parte da atividade, segundo reportagens. Na
entrevista, Liang Hong, o vice-presidente de operações da Glaxo na
China, reconheceu ter organizado conferências falsas e outras atividades
e disse que os pagamentos feitos a médicos e autoridades contribuíram
para aumentar os preços dos remédios da empresa na China.
Em declaração, a Glaxo disse estar "profundamente preocupada" com as
acusações, acrescentando que havia interrompido suas relações com as
agências de viagens identificadas na investigação.
No entanto, vários analistas disseram que, em certo nível, essas
atividades são típicas de empresas estrangeiras que tentam fazer
negócios em mercados emergentes.
"A maior parte das investigações de corrupção em grande escala se
concentra no uso de intermediários", disse Richard L. Cassin, editor do
blog FCPA e advogado. Mas ele disse que a acusação de que a Glaxo
canalizou até US$ 489 milhões por meio de mais de 700 agências de
viagens torna esse caso excepcional.
"Setecentas agências de viagens é um número surpreendente", disse ele.
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