quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Há três anos, o governo local de Dengfeng, na província central de Henan, cedeu seu controle acionário do "Espaço Cênico do Mosteiro Shaolin" para o CTS (Serviço Nacional de Viagem da China). O preço foi bem baixo visando atrair mais investimento, e o CTS prometeu realizar vários grandes projetos de construção ao redor do sítio ancestral, o local de nascimento do Chan (Zen) Budismo e um símbolo das artes marciais chinesas.
Mas com o passar do tempo –com o CTS embolsando lucros imensos com o mosteiro– os projetos que prometeu nunca saíram do papel. Em 1º de julho, o governo de Dengfeng acabou retomando à força o controle da entrada da área cênica. Mas um dia depois, graças à intervenção de autoridades superiores em Pequim, o CTS recuperou os direitos administrativos do local.
Esse é apenas a mais recente reviravolta na novela em andamento do Mosteiro Shaolin. Desde que o famoso mosteiro foi declarado um destino turístico nacional (e Patrimônio da Humanidade pela Unesco), além de se tornar uma entidade com fins lucrativos, todas as partes ligadas ao templo querem uma fatia da torta de dinheiro. Em nome da descoberta de astros do kung fu, competições de artes marciais são organizadas; candidatas de concursos de beleza, usando biquínis, aparecem no mosteiro sagrado para atrair cobertura extra da mídia; e novas empresas usam diariamente o nome sagrado como parte de sua marca, incluindo o Shaolin Automobile e o Shaolin Hotel.
É claro, o governo local e o mosteiro continuam sendo os maiores beneficiários dessa fonte de receita. A venda de ingressos para todas as atrações em torno do templo chega à soma considerável de 150 milhões de yuans (cerca de US$ 25 milhões) por ano. O governo fica com 70% dessa receita, enquanto o mosteiro fica com o restante.
Mas existem conflitos entre os dois maiores ganhadores nessa competição sem restrições. Shi Yongxin, o abade shaolin, já se queixou para um jornal: "Nós somos a parte passiva da venda de ingressos e ficamos com aquilo que a autoridade local se digna a nos dar. Em relação a quantos ingressos são realmente vendidos, nós não temos voz ativa".
Exigindo os pagamentos atrasados do governo de Dengfeng, os monges shaolin já fizeram uma petição às 2 horas da madrugada em frente ao prédio do governo provincial de Henan. "Os monges estão lá para cantar suas escrituras", disse uma autoridade. "Para que precisam de tanto dinheiro?"
Também há parasitas que exploram o mosteiro, que foi fundado no século 5º. Esses aproveitadores incluem operadores de shows e competições de kung fu, donos de hotéis, trapaceiros que constroem santuários falsos nas proximidades para coletar doações "para incenso", ou até mesmo leitores da sorte que fingem ser monges.
Muitos até mesmo consideram o abade como no fundo um empresário. Quando ele apareceu no portão do mosteiro para receber uma homenagem de centenas de discípulos americanos de kung fu, a multidão local aplaudiu com admiração: "Yongxin está se dando bem!"
Naturalmente, fama e riqueza também trazem problemas. Há pouco tempo, circulou um rumor de que Shi Yongxin possuía dezenas de bilhões em economias e tinha como namorada uma jovem estudante da Universidade de Pequim. Várias câmeras foram descobertas no quarto de Shi, e alguns funcionários de Shaolin acreditam que os aparelhos de espionagem foram instalados porque o mosteiro conseguiu deter um projeto de hotel.
Além dos interesses financeiros diretos, a frequente cobertura de Shi pela mídia também é fonte de ciúme e desarmonia local. Algumas autoridades do governo dizem de modo privado que ele é egocêntrico e pomposo, e sempre acaba no meio de quaisquer fotos de grupo tiradas com visitantes VIP, incluindo a primeira vez que um chefe de Estado, o presidente russo Vladimir Putin, fez uma visita ao templo para assistir uma demonstração de kung fu.
O local de nascimento do Zen parece incapaz de aprender suas próprias lições ancestrais sobre a paz interior.

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