Dirigindo Numa movimentada estrada, Tang Huiqing mostrou o terreno onde
ficava a oficina de sua irmã. Quatro anos atrás, funcionários do governo
informaram à irmã de Tang que Chengdu estava se expandindo em direção
ao campo e que sua aldeia precisava ceder espaço à cidade.
Agricultora que já havia passado pela transição para o trabalho
industrial, a irmã de Tang construiu uma pequena oficina para trabalhar
com o marido. Os funcionários a informaram de que a estrutura seria
demolida.
"Minha irmã subiu no telhado da oficina e disse: 'Se quiserem, podem
demolir'", conta Tang. A voz dela fraqueja quando ela descreve como a
irmã despejou óleo diesel nas roupas e, depois de apelar à equipe de
demolição que fosse embora, ateou fogo às vestes. Ela morreu 16 dias
mais tarde.
Nos últimos cinco anos, pelo menos 39 agricultores chineses recorreram a
essa forma drástica de protesto. Os números, computados com base em
reportagens da imprensa e dados de organizações de defesa dos direitos
humanos, são um lembrete sombrio de como a nova onda de urbanização na
China envolve, ocasionalmente, disputas violentas entre o Estado e
agricultores -projeto conduzido de cima para baixo que difere bastante
da migração, no geral voluntária, de camponeses para as cidades nos anos
1980, 1990 e 2000.
Além dos suicídios por imolação, agricultores se mataram de outras
maneiras para protestar contra a desapropriação de terras. Uma
organização não governamental chinesa, a Civil Rights and Livelihood
Watch, reportou que, além dos seis suicídios por imolação no ano
passado, houve outros 15 suicídios entre agricultores. Outros camponeses
morrem quando se recusam a deixar suas propriedades. No ano passado, um
agricultor de Changsha que não cedeu às exigências das autoridades foi
atropelado por um rolo compressor. No mês passado, uma menina de quatro
anos de idade foi atropelada por uma escavadeira e morreu.
Em meio ao tumulto, o governo está debatendo novas políticas a fim de
promover a urbanização. Um plano para acelerar a urbanização deveria ter
sido apresentado alguns meses atrás, mas terminou postergado devido à
preocupação com as tensões sociais que a migração para as cidades já
está causando.
No passado, muitos camponeses optaram por deixar suas terras em troca de
empregos urbanos mais bem pagos. Muitos continuam a fazê-lo, mas
agricultores vêm sendo expulsos de suas terras em números cada vez
maiores por autoridades ansiosas por encontrar novas fontes de
crescimento econômico. As tensões são especialmente agudas nas regiões
suburbanas das grandes cidades chinesas. Depois de demolir a maior parte
dos centros históricos das cidades e de vender os terrenos dessas
regiões a incorporadores imobiliários, as autoridades agora têm em sua
mira as áreas rurais que cercam cidades como Chengdu.
Mas os planos de desenvolvimento imobiliário são contestados pelos
agricultores locais. Muitos não querem deixar suas terras, acreditando
que podem faturar mais com a agricultura do que com empregos na
indústria. Os agricultores nas regiões que cercam Chengdu, perto da
oficina onde Tang Fuzhen se suicidou, dizem que conseguem faturar
facilmente algumas centenas de dólares por mês, uma renda que apequena a
indenização oferecida pelo governo. Outros, como Tang, já realizaram a
transição da agricultura para a indústria.
De acordo com o site Tianwang, que monitora os protestos, Chengdu
costuma registrar diversos confrontos violentos a cada dia. A China
passa por dezenas de milhares de conflitos semelhantes a cada ano, de
acordo com estimativas do governo.
Os suicídios, embora não muito numerosos comparados à população total,
representam a indignação que muitos sentem quando suas terras são
tomadas.
O suicídio é usado como forma de protesto político na China pelo menos
desde o século 3° a.C., quando o poeta e estadista Qu Yan se suicidou
por afogamento.
"Eles se enquadram em um padrão histórico", diz o Dr. Michael Phillips,
da Universidade Emory, em Atlanta, na Geórgia. "São uma forma de
influenciar o comportamento dos poderosos".
Essas mortes vêm acontecendo em meio a um período de declínio do
suicídio na China. Depois de passarem anos entre os mais altos do mundo,
os índices chineses de suicídio caíram em 50% ao longo dos últimos 20
anos, de acordo com estudos epidemiológicos.
A maioria dos suicídios por imolação dos recentes protestos acontece
longe do olhar do público. O caso de Tang foi inicialmente tema de
cobertura da imprensa local, mas os repórteres depois foram proibidos de
conversar com a família.
As políticas do governo parecem causar dezenas de milhares de episódios
de inquietação registrados pelas autoridades a cada ano. Pesquisadores
chineses estimaram que, em 2010, o país teve 180 mil protestos, a
maioria dos quais relacionados a disputas por terra.
Muitos dos que se suicidaram, a exemplo de Tang, tiveram um gostinho de
prosperidade e estavam irritados por isso lhes estar sendo tirado. De
acordo com parentes e vizinhos, a prefeitura de Chengdu ofereceu US$ 130
mil a Tang pela desapropriação de sua oficina. Já que imóveis na mesma
área são vendidos por valores 20 ou 30 vezes mais altos, Tang não
aceitou a quantia.
Sua irmã, Tang Huiqing, estima que a irmã e o marido tenham gastado mais
do que o governo ofereceu só nos ativos fixos da oficina, como
equipamentos e iluminação. "O governo afirmou que precisava do terreno
para ampliar a estrada, mas não achávamos que fossem demolir a
edificação", diz.
Tang Huiqing acredita que o suicídio de sua irmã teve efeito sobre as políticas do governo.
"O sacrifício de minha irmã causou uma mudança", disse.
"Agora eles não ousam mais demolir tantas casas".
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