domingo, 22 de setembro de 2013


 


Se você quer se atirar, em chinês, você "dá um passo à frente". Foi assim que o título do manifesto feminista contemporâneo de Sheryl Sandberg, "Lean In: Women, Work and the Will to Lead" [algo como "Atire-se: Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar"], foi traduzido para o chinês.
E isso se faz com muito prazer, a julgar pelas reações de cerca de mil estudantes e empresários em dois eventos em Pequim na semana passada, onde Sandberg, diretora de operações do Facebook, divulgou a nova versão em chinês de seu livro.
"As pessoas estavam sedentas por isso", disse Allison Ye, cofundadora de um "círculo Lean In" em Pequim – um pequeno grupo de colegas que se reúnem para falar sobre a mensagem do livro – sobre a resposta ao ponto principal de Sandberg: superar suas barreiras internas para o sucesso e chegar à mesa de negociação.

O entusiasmo sugere uma possibilidade intrigante: enquanto o governo chinês ataca novamente a liberdade de expressão, prendendo até ativistas da democracia moderados, defensores da sociedade civil e populares líderes da opinião pública, será que poderá haver uma revolução feminista na China antes de uma revolução democrática?
Nas últimas semanas, círculos de Lean In foram criados em meia dúzia de universidades da capital, entre elas a Universidade Tsinghua, Universidade de Pequim e a Universidade de Comunicação da China, disseram integrantes em entrevistas.
"Sinto que esta é uma nova fase para nós", disse Ye, 27, que trabalha para uma empresa chinesa. "Não posso falar por todas, mas eu sinto que apesar das diferenças culturais entre os Estados Unidos e a China, o método é universal. Sinto que é verdade que você pode assumir a responsabilidade por si mesmo, isso é uma coisa boa, e então você pode mudar a sua situação."
Claro, o feminismo na China antecede o livro de Sandberg. Mas ganhou novo foco com a chegada do movimento no país. A conversão de Ye começou em março, quando ela viu por acaso na internet uma palestra dada por Sandberg ao TED em 2010 intitulada "Por que temos poucas mulheres na liderança." Ela foi fisgada.
"Fui sacudida", disse ela. "Disse a mim mesma: quem é ela? Tudo o que ela diz, uau! Tão verdadeiro. Assisti três vezes num dia. Então comprei uma edição do livro dela em ingles."
"Com uma amiga, pensamos: por que não criar um círculo do Lean In? Queremos apoiar as mulheres chinesas e ajudá-las a estabelecer seus próprios círculos."
A notícia se espalhou, inclusive para Carrie Huang, de 21 anos. Duas semanas atrás , Huang criou um círculo na prestigiada Universidade Renmin da China, onde ela estuda finanças. "Minhas amigas e eu, todas sentimos que fazemos isso – nós nos subestimamos", disse ela numa entrevista. "Tem a ver com a nossa educação e cultura. Nossos pais nos dizem, 'vocês são meninas, consiga uma vida estável e não tenha muita ambição'".
Muitas jovens chinesas, especialmente nas cidades, são altamente qualificados e estão começando a superar os homens em alguns cursos na faculdade – Huang disse que havia 16 mulheres e 7 homens em sua aula de finanças – mas mensagens culturais profundas as contêm.
"Tememos não ser boas o bastante. Falta-nos confiança", disse Huang, acrescentando que muitas mulheres na China priorizam as metas de seus namorados ou maridos. "O que precisamos é ter a coragem de experimentar coisas diferentes", disse ela. "Trata-se de descobrir o que você quer fazer. Os pais têm expectativas para nós, e é difícil mudar."
Em suas reuniões semanais, diz Huang, ela e sua meia-dúzia de colegas, entre eles alguns homens, planejam levantar questões específicas. "Queremos falar de 'mulheres fortes' e como os homens as veem – agressivas ou autoritárias?"
Nem todo mundo gosta da tradução chinesa do impactante título em inglês do livro. Alguns zombam que ele parece a mensagem encontrada nos urinóis masculinos "por favor, dê um passo à frente".
Huang diz que ele não chega a capturar a natureza psicológica da mensagem de Sandberg. "Faz parecer que é sobre superar obstáculos externos, dar um passo para a frente", disse ela. "Mas, na verdade, este livro é sobre superar os obstáculos internos."
De qualquer maneira, feministas chinesas experientes o receberam bem.
"Eu acho que a sua mensagem é definitivamente de poder, chamando mais mulheres à mesa de negociação", disse Feng Yuan, ativista pelos direitos e igualdade de gêneros.
Ainda assim, é apenas uma resposta às assustadoras barreiras culturais e institucionais enfrentadas pelas mulheres na China, disse Feng.
"Eu não acho que a abordagem pessoal possa mudar estruturas de gênero fundamentalmente desiguais", disse ela. "Mas em termos da situação individual de uma mulher, é útil porque muitas mulheres temem o feminismo, esse tipo de apelo coletivo. Uma mensagem pessoal é viável."
Ele pode não funcionar para as mulheres sem instrução, pobres ou rurais, disse Feng, ecoando as críticas que o livro recebeu no Ocidente. "Seu público-alvo é de mulheres ambiciosas e com boa escolaridade, e essas mulheres são capazes de mobilizar recursos para atingir seus objetivos", diz ela.
"Mas não devemos ser tão críticos", disse ela. "Você não pode esperar que ela tivesse uma fórmula para todos os direitos das mulheres. Até as de melhor escolaridade precisam disso, e elas devem poder usufruir disso."
Huang e Ye dizem que a China está pronta para o "Lean In", independentemente da tensa atmosfera política.
"Acho que tudo o que fazemos no círculo Lean In é positivo", disse Huang. "Nós não estamos desrespeitando nada, então não deve haver nenhum problema."
Ye disse: "eu pensei nisso porque sou muito cautelosa. Eu acho que se o governo permitiu que Sheryl Sandberg divulgasse seu livro, então o governo apoia o conteúdo do livro." Acrescentando um pouco de ironia à situação, o Facebook está proibido na internet censurada da China.
"Muito do que ela diz que se encaixa com a mensagem do governo chinês", disse Ye. "Acho que desde que fiquemos dentro do círculo, não é nenhuma ameaça."

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