terça-feira, 7 de janeiro de 2014


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Os concorrentes relaxam os ombros e passam a língua sobre os lábios. O público prende a respiração. No centro das atenções no palco de um grande e luxuoso salão de convenções, um único telefone. Ele toca. Começa o Campeonato Japonês de Atender o Telefone para funcionários de escritório.
"Como posso ajudá-lo hoje?", disse em japonês uma jovem concorrente usando um uniforme de saia e colete xadrez depois de atender o telefone, com a mão tremendo visivelmente. Ela gorjeia saudações numa voz estridente, preferida pelos chefes japoneses há décadas. Ela acena com a cabeça e inclina-se, sorri e faz uma careta que revela nervosismo e esforço. “Sempre a seu dispor”, diz ela.
Por mais de meio século, funcionários de companhias de todo o Japão têm se reunido aqui para competir pelo título de melhor atendente de telefone do Japão.
O concurso, que é dominado por mulheres, é uma vitrine impressionante de delicadeza feminina e eloquência, mas também é um lembrete das posições subalternas que as mulheres japonesas --muitas vezes conhecidas como "moças de escritório” ou “MEs"-- ainda desempenham nos escritórios do país.
Este ano, um recorde de 12.613 funcionários de escritório de todo o Japão participaram do concurso. Sessenta chegaram a ser finalistas, só quatro não eram mulheres.
O concurso, que está em seu 52º ano, disparou em popularidade nos últimos anos. Algo intrigante numa era digital dominada por e-mails e mensagens instantâneas e em que as mulheres japonesas --muito lentamente-- estão encontrando mais oportunidades no mercado de trabalho.
Os organizadores do evento, que hoje atrai mais de duas vezes o número de concorrentes que há uma década, atribuem a popularidade à importância perene da boa educação no país, bem como a uma preocupação crescente entre alguns empregadores de que os jovens japoneses estão esquecendo os bons modos.
O surgimento de centros de terceirização e de call centers profissionais, um setor de quase US$ 6,85 bilhões no Japão hoje, criou um novo ramo baseado no atendimento telefônico profissional, dizem eles.
Um funcionário de escritório educado atende os telefonemas no primeiro ou segundo toque; se, por motivos inevitáveis, a pessoa fica na linha esperando durante três toques ou mais, faz-se necessário um pedido de desculpas. A conversa em si é realizada na variedade formal e honorífica da língua falada, repleta de exclamações como "Sinto muito por fazer esse pedido, mas...". No final do telefonema, a recepcionista deve ouvir o cliente desligar antes de colocar o fone no gancho. Desligar primeiro é um erro grave.
Alguns especialistas aconselham as mulheres a falarem com uma voz mais aguda do que a usual para parecerem mais femininas e ativas. “Pense na escala musical --do, ré, mi, fá-- e imagine-se falando em fá”, diz Akiko Mizuki, especialista em modos empresariais do AllAbout.com.
"É muito difícil ser educado sem esforço. Se você parecer um robô, não conseguirá fazer com que o interlocutor fique à vontade", diz Keiko Nagashima, gerente de um call center para a SBI Securities em Tóquio, que tem enviado funcionários para competir no concurso nos últimos cinco anos.
A protegida de Nagashima, Mika Otani, treinou seis meses para a competição escrevendo respostas padrão e praticando em frente a um espelho para ter certeza de que estava abrindo a laringe e articulando as palavras de forma adequada. Mas Otani, 26 anos, não planeja simplesmente seguir a tradição. Ela se considera uma mulher moderna e evita usar a voz aguda. À medida que mais mulheres assumiram posições qualificadas nos últimos anos, tem havido uma reação contra as vozes excessivamente estridentes, diz ela.
"Eu trabalho numa instituição financeira, então não quero soar como um personagem de desenho animado", disse Otani antes da competição.
Na competição, Otani foi uma das primeiras concorrentes a realizar uma conversa de três minutos. Ela assumiu com nervosismo seu lugar numa mesa no centro do palco, onde o pano de fundo é pintado de forma a lembrar um escritório japonês. Com uma mão, ela pega o fone, enquanto usa a outra para controlar o tempo e manter o ritmo.
Os juízes avaliam as conversas de acordo com a impecável etiqueta telefônica japonesa: bom tom, volume, velocidade, pronúncia, articulação e uso das palavras. Um concorrente forte faz pausas apropriadas entre as frases apropriadas e permanece amigável, mas não excessivamente amigável. Durante toda a conversa, devem ser usadas exclamações para sinalizar atenção e empatia.
 A conversa de Otani acaba sem nenhum problema. Ainda assim, mais tarde ela lamenta: "Eu gostaria de fazer isso de novo! Eu não estava totalmente concentrada, e eu acho que isso transpareceu." Ela está entre os 20 melhores.
Outros concorrentes tropeçam nas frases ou perdem a calma e se reduzem a um silêncio pavoroso, arrancando suspiros da plateia.
Hidekazu Ishigaki, de Osaka, um funcionário da fabricante de ar condicionado Daikin, faz uma apresentação impressionante e eloquente. Mais tarde, ele diz que as divisões de gênero estão lentamente se desfazendo à medida que mais mulheres ocupam cargos de gerência. Ao longo dos últimos cinco anos, o número de mulheres no nível administrativo da Daikin cresceu mais de 50%.
Os outros concorrentes não são páreo para Kiyomi Kusunoki, uma operador de call center para a NTT, a gigante das telecomunicações japonesa. Seu tom de voz, cumprimentos educados e pausas se encaixam perfeitamente no lugar. Mais tarde, numa suntuosa cerimônia de premiação, completa com holofotes e um show de samurai, ela é declarada a melhor atendente telefônica japonesa.
Em muitos aspectos, foi uma escolha de outra época porque ela seguiu todas as convenções e regras, disseram vários participantes.
Mas, pelo menos, Kusunoki não falou com a voz esganiçada.

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