domingo, 1 de junho de 2014




No mês passado, o ministro da Justiça turco, Bekir Bozdag, anunciou um projeto do governo para criar prisões separadas para os presos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros do país. De acordo com a declaração por escrito de Bozdag, o objetivo é proteger esses presos de abusos. Essa não é a primeira vez que Ancara considera a ideia: o Ministério da Justiça propôs planos em julho passado para criar instituições para "pessoas em situação LGBT".
O sistema carcerário turco é superlotado e carente de recursos. Os oficiais de correção são mal treinados e as medidas de disciplina são implementadas de forma arbitrária. O estupro é comum e o acesso à assistência médica é inadequado. Criar prisões exclusivas para indivíduos LGBT não ajudará em nada a resolução desses problemas mais amplos. E uma política de separação – ou mesmo o discurso que sugere que esta é a abordagem correta – poderia ter a consequência não intencional de alimentar a homofobia generalizada pelo país.
Embora não haja leis contra homossexuais na Turquia, as atitudes do público dificilmente são tolerantes. Em uma pesquisa do Pew Research Center de 2013, 78% dos turcos disseram que "a homossexualidade não deveria ser aceita pela sociedade", um número 12% maior do que em 2002, ano em que o Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan chegou ao poder. A Comissão Europeia citou relatórios de 12 assassinatos de indivíduos LGBT motivados por ódio entre outubro de 2012 e setembro de 2013 além de "incidentes de tortura, estupro, maus-tratos, violência doméstica, assédio e ataques cibernéticos". Os ataques antigays e o discurso de ódio também aumentaram.
As regulações vagas da Turquia quanto à proteção da "moralidade pública" são frequentemente interpretadas de forma a discriminar os gays no emprego, educação, habitação e assistência médica. O ministro de Estado para mulheres e famílias disse em 2010 que ser gay é "uma doença". O exército turco considera a homossexualidade como um "distúrbio psicossexual"; com base nisso, os homossexuais são isentos do serviço militar. E o AKP se recusou, em 2012, a incluir a identidade de gênero e a orientação sexual nos artigos antidiscriminação da constituição.
"A homofobia e a transfobia estão espalhadas por todos os aspectos da vida cotidiana", disse Sezen Yalcin, coordenadora da Associação para Políticas Sociais, Identidade de Gênero e Orientação Sexual, uma ONG com sede em Istambul. "As pessoas LGBT vivem com medo de serem expostas", acrescentou ela. Aquelas que são declaradamente gays ou transexuais são vistas como "afrontas à estrutura quase sagrada da família".
Muitos ativistas turcos, portanto, são céticos em relação às intenções declaradas pelo ministério, especialmente uma vez que nenhum grupo de defesa dos direitos LGBT foi informado – muito menos consultado – antes do anúncio de Bozdag. Até agora, os planos para prisões exclusivamente LGBT continuam totalmente abstratos, e alguns veem todo o episódio como uma reação cínica de um governo que busca evitar as críticas de Bruxelas e de parlamentares de oposição em Ancara, ansioso para se proteger de processos na Justiça.
As questões sobre a melhor abordagem para o tratamento de presos LGBT são complexas, e as políticas variam no mundo inteiro. Na Turquia, onde não existe nenhuma regulação nacional, o protoloco geral é restringir a interação desses presos com a população carcerária mais ampla. Em instituições com mais de um preso LGBT, as celas podem ser compartilhadas. Mas como há poucos detentos declaradamente LGBT, esse isolamento normalmente significa o confinamento solitário - uma punição reservada para os criminosos de alto risco.
Uma presa transgênera descreveu o tratamento que recebeu durante os dez anos que ficou presa em uma carta enviada este ano para uma ONG que trabalha para melhorar as condições nas prisões. Sob o pseudônimo "Funda", ela se lembrou de como os administradores da prisão à qual ela foi enviada inicialmente ficaram "perplexos" com sua condição. Eles a obrigaram a tirar a roupa na frente de vários oficiais homens para que eles pudessem checar seus genitais, colocaram-na em confinamento solitário sem água quente ou banheiro, e chamavam-na de "o homem que se vestia de mulher". Transferida para uma segunda prisão, ela foi confinada a uma cela solitária em uma ala de alta segurança. Outro pedido foi necessário para que ela fosse transferida para uma instituição com presos transgêneros.
Relatórios recentes sugerem que pouca coisa mudou na última década.
O Tribunal Europeu de Direitos Humanos determinou em outubro de 2012 que as autoridades carcerárias turcas haviam submetido um jovem gay a tratamento "desumano e degradante" em violação à Convenção Europeia de Direitos Humanos. Em 2008, logo após ser preso, ele pediu uma transferência de uma cela onde estava sofrendo perseguição para outra cela, compartilhada com outros presos gays. Em vez disso, foi colocado em confinamento solitário por mais de oito meses. O tribunal declarou que o Estado precisa garantir um tratamento que não cause "dificuldades maiores do que as que são características inerentes e inevitáveis da detenção". Ancara foi ordenada a pagar 22 mil euros ao homem, estabelecendo um precedente.
Em março, presos transgêneros da província de Samsun, no Mar Negro, fizeram uma greve de fome dizendo que eram submetidos a tratamento severo e abuso sexual.
Claramente, as políticas específicas de isolamento não estão funcionando. Alguns proponentes do plano do governo podem afirmar que instalações separadas ajudarão a proteger os presos LGBT, mas este argumento simplesmente reforça uma mentalidade de culpar a vítima. Em todo caso, o abuso de prisioneiros deveria ser condenado e punido independentemente da identificação sexual.
Criar prisões dedicadas não favorecerá um sistema penal mais responsável, nem colocará um fim ao assédio e o abuso sexual. Mais que isso, a criação de instituições especiais poderia obrigar os presos LGBT a cumprir sentenças longe de casa, limitando as visitas de advogados, amigos e parentes.
Em um país homofóbico, sancionar instituições separadas envia uma mensagem de que uma segregação similar é aceitável fora das grades da prisão. São necessárias políticas que garantam a proteção para todos os presos, a investigação diligente das queixas de perseguição, regulações que responsabilizem as autoridades carcerárias pelo bem-estar dos presos, e estratégias nacionais que lutem contra a discriminação. E se Ancara quiser de fato ajudar os presos LGBT do país, deve incluir os grupos de defesa de direitos nas discussões das políticas, desde o início.

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