sábado, 16 de agosto de 2014



Este país tem uma lista generosa de alimentos que alguns acham difícil de engolir, como pupas fervidas de bicho-da-seda e filhotes vivos de polvo, que costumam prender as ventosas no palato dos comensais.
Mas a raia fermentada desta ilha do sul supera todos eles. Esse prato de peixe chamado hongeo é de longe a comida mais fedida da Coreia do Sul, descrita por amantes e detratores como algo que libera odores semelhantes ao de uma latrina. Servido geralmente na forma de fatias borrachentas, o hongeo é louvado pelo cheiro de amônia que libera, às vezes tão forte que causa escamações na boca de algumas pessoas.
"Eu costumava pensar que as pessoas não conseguiam comer essas coisas, a menos que fossem loucas", disse Park Jae-hee, um executivo de marketing. "Mas, como o queijo azul fedido, não tem substituto uma vez que você se apaixona por ele."
Mesmo aqueles que deliram com seu sabor exótico admitem alegremente que essa paixão acarreta alguns prejuízos sociais. Um trajeto de metrô após comer hongeo pode deixar a pessoa isolada. Os proprietários de restaurantes especializados em hongeo aconselham os clientes a cobrirem seus casacos com sacos plásticos antes da refeição.
O modesto peixe, outrora apenas uma especialidade regional nas províncias de Jeolla do Sul e Jeolla do Norte, no sudoeste da Coreia, acompanhou a migração de trabalhadores rurais durante o "boom" industrial sul-coreano do século 20, com a abertura de restaurantes especializados para atender às crescentes populações dispersas de nativos.
Há cerca de dez anos, um acordo de livre comércio com o Chile ajudou a reduzir a resistência ao peixe, inundando o mercado com a raia chilena, mais barata.
Fãs do peixe comparam a textura aveludada do fígado congelado de hongeo derretendo sobre a língua ao foie gras. O cheiro, na cabeça deles, é o maior atrativo, junto com a sensação de formigamento na boca por causa da amônia. Gourmets dizem que um bom jantar com hongeo precisa terminar com uma sopa do peixe, exalando vapores de amônia fervente. Esse peixe que se alimenta no fundo do mar e tem um sorriso de Guy Fawkes tempo sustenta a economia da ilha de Heuksan, e barcos pesqueiros saem várias vezes por mês até as águas próximas, onde o hongeo se alimenta e desova.
Os ilhéus dizem que o peixe inicialmente ganhou admiradores por aqui devido a um capricho da biologia. Antes de existir refrigeração, os antepassados dos pescadores aprenderam que o hongeo era o único peixe que poderia ser enviado ao continente, a cerca de 100 km, sem ser salgado. O hongeo não tem bexiga, e por isso excreta o ácido úrico pela pele. Ao fermentar, exala amônia, que evita que ele estrague.
"O hongeo não faz xixi, e é aí que começa o milagre", disse Kim Young-chang, 77, o proprietário de um restaurante de hongeo aqui. Convicto dos poderes do peixe, Kim desfiou uma lista de supostos benefícios para a saúde de quem o come. "Eu nunca vi ninguém ter problemas de estômago depois de comer hongeo", proclamou.
O peixe está ajudando a rejuvenescer esta ilha de 2.200 habitantes, que já foi um grande porto, onde milhares de barcos procuravam abrigo contra tufões e onde tripulantes negociavam seus peixes e visitavam seus famosos bares. A cidade havia diminuído nas últimas décadas, já que os barcos com armazenamento refrigerado podiam levar sua produção até mais longe, tornando a ilha menos útil como entreposto comercial em alto mar.
Com a crescente popularidade do hongeo, os moradores começaram a apresentar a ilha como uma atração turística, onde as pessoas poderiam saborear o autêntico "Heuksan-do hongeo", e restaurantes de hongeo já substituíram muitos dos bares à beira-mar.

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