quarta-feira, 15 de outubro de 2014

"Aqui não há exploração como em outras fábricas têxteis. Todo o dinheiro é dividido entre as pessoas que aqui trabalham.” A frase soa estranha entre o ricocheteio rítmico das máquinas de costura. As condições de trabalho no setor têxtil estão há décadas no centro das atenções de consumidores conscientes e ativistas. Especialmente depois que um edifício de oito andares, que abrigava várias oficinas têxteis, desabou em abril de 2013 em Bangladesh, matando mais de 1.130 trabalhadores. A queda pôs em evidência a dantesca cadeia de produção do setor têxtil que esquadrinha o planeta em busca dos países com mão de obra mais barata para produzir peças de vestuário. Porém, as funcionárias da Try Arm, uma pequena fábrica nos arredores de Bancoc, garantem que há outro caminho. “Todas somos donas da fábrica. Há coordenadoras, porém todas somos iguais”, explica Jittra Cotchadet, uma das que coordenam as operações.
A Tailândia foi, em certo momento, um desses países cobiçados pela indústria têxtil. Nos anos 1980, o governo embarcou em um programa de industrialização, que impulsionou a princípio setores pouco qualificados, como o têxtil ou de alimentos. O país se encheu de fábricas, e a Tailândia se converteu em um dos principais exportadores de roupa para países ocidentais. No entanto o aumento de salários nos últimos anos afugentou a indústria têxtil, que se mudou para países vizinhos com mão de obra mais em conta, como Camboja, Mianmar ou mesmo Bangladesh. As empresas que ficaram substituíram os trabalhadores locais por outros procedentes desses mesmos países pobres, principalmente Mianmar.
Foi o que aconteceu na fábrica onde trabalhavam as mulheres da Try Arm, um jogo de palavras que vêm do nome Triumph, marca que é uma das líderes mundiais do setor de roupa íntima e proprietária da fábrica onde trabalhavam. “O caso da Triumph é paradigmático, porque na verdade as condições das pessoas que lá trabalhavam eram muito boas, já que o sindicato era muito forte. Até que a empresa decidiu se desfazer do sindicato”, explica Jittra Cotchadet, que foi, por sinal, uma das líderes da associação de funcionários. Cotchadet explica que em outras fábricas os trabalhadores frequentemente fazem horas extras não remuneradas, são castigados com reduções de salário sem motivo aparente ou são impedidos de se organizarem. “Na Tailândia é realmente difícil criar um sindicato. E há represálias por fazer parte deles, como aconteceu na Triumph”, diz Patchanee Kumnak, ativista por direitos trabalhistas da organização Thai Labour Campaign.
Essas eram as condições que a Triumph queria lhes impor quando decidiu fechar a fábrica que tinha em Bancoc e abri-la em uma cidade remota. “Todos fomos demitidos e nem sequer cumpriram com os dois meses de aviso prévio”, explica Cotchadet, que foi acusada de lesar a realeza por liderar protestos dos trabalhadores. A Tailândia tem uma das leis de lesa-majestade mais duras do mundo, com penas que variam entre 3 e 15 anos de cadeia por insultos à monarquia, e é frequentemente utilizada com fins políticos ou econômicos.

Após as demissões em massa, os 1.900 trabalhadores organizaram manifestações em frente à fábrica e ao ministério do Trabalho tailandês para pedir readmissão. Em troca receberam máquinas de costura e algum dinheiro como recompensa. E decidiram abrir uma nova fábrica com esses recursos. “A maioria não acreditava que fosse possível abrir uma fábrica por nossa conta”, explica Cotchadet, que conseguiu reunir 35 trabalhadoras no projeto, organizando-se em forma de cooperativa. E a realidade tem sido dura; apesar de até agora terem conseguido sobreviver, há meses em que o dinheiro não chega.
Agora a fábrica é pouco maior do que uma oficina. Mobiliada com duas dezenas de mesas brancas com suas respectivas máquinas de costura, apenas 12 trabalhadoras continuam no projeto. “No começo foi muito difícil. E é verdade que, inclusive com o que ganhamos agora, eu podia cobrar mais na outra fábrica. Mas prefiro trabalhar aqui, pois tenho mais poder de decisão”, assegura Wipa, uma mulher miúda, quase quarentona, que trabalhou durante 17 anos para a Triumph e que tem costurado para diferentes marcas desde os 14 anos de idade. “Aqui sinto-me  mais segura, porque depende de mim, não de alguém que queira me demitir”, afirma. Jarupa, no entanto, preferia trabalhar na fábrica da Triumph. “Aqui é mais difícil. Nós temos de fazer tudo. Por exemplo, não temos técnicos para consertar as máquinas. Tivemos de aprender”, explica ela. “Ainda que não saiba ou não seja boa nisso, tenho de fazê-lo”, continua.
“O marketing é o mais complicado. No caso, fazer com que as pessoas comprem o que você produz”, explica Wipa Matchachat, que, além de ajudar com as vendas, encarrega-se de encontrar tecidos a bom preço. Na falta de uma rede de distribuição como a da Triumph, as trabalhadoras da Try Arm usam os contatos pessoais e as redes sociais para expor seus produtos. “Vendemos, na maioria das vezes, pelo Facebook. Ontem mesmo vendemos 300 peças pela rede social” diz Jittra Cotchadet, que ganhou fama de sindicalista combativa e que tem milhares de seguidores nas redes sociais. “No Facebook posso conversar com os clientes. É como se fosse uma loja de verdade”, diz.
O grupo também vende seus produtos em alguns mercados e eventos sociais. O preço é sua principal estratégia de venda. “Creio que a maioria não compra conosco para apoiar um projeto justo, mas porque vendemos de fato mais barato e com a mesma qualidade”, explica Cotchadet.
Try Arm não é a única fábrica desse gênero na Tailândia. A precursora foi Dignity Returns, outra fábrica “livre de escravidão” que também nasceu de outra demissão massiva em 2003. A “Fábrica da Solidariedade”, como é chamada, produz principalmente camisetas e, assim como a argentina La Alameda e outras três cooperativas, faz parte do projeto internacional No Chains, que promove a produção têxtil sem escravidão. A concorrência com as grandes marcas, porém, não é fácil, e na Try Arm até agora só conseguiram exportar a outros países através de ONGs e organizações sociais. “Podemos vender mais barato porque não temos intermediários, mas nossa produção tem custo maior. Não podemos competir no mercado normal, porque o que importa é o preço”, conclui Cotchadet.

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