sábado, 11 de outubro de 2014


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FOLHA DE SÃO PAULO

Novo presidente não mudou violações a direitos humanos no Irã, diz ativista


Após um ano de governo no Irã, Hasan Rowhani, um presidente que se apresentou como mais moderado que o antecessor, Mahmoud Ahmadinejad, não conseguiu deter as violações de direitos humanos no país, segundo relata o ativista Mani Mostofi, de nacionalidade americana e iraniana.
Por isso, Mostofi, diretor de uma coalizão de 12 entidades, a Impact Iran, acredita que a próxima rodada da Revisão Periódica Universal (UPR, em inglês) no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em outubro, é uma oportunidade para exigir mudanças.
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O ativista Mani Mostofi, diretor da Impact Iran, em visita ao Brasil
O ativista Mani Mostofi, diretor da Impact Iran, em visita ao Brasil
O UPR é uma sessão que ocorre a cada quatro anos, na qual um país se submete a recomendações de direitos humanos feitas por outros países membros da ONU. Em 2010, o Irã recebeu 212 recomendações de 51 países, tendo aceitado 126 delas. O Brasil fez quatro pedidos, três foram aceitos, mas não implementados, segundo Mostofi.
No Brasil para pressionar o governo a cobrar do Irã um compromisso real com os direitos civis na UPR, Mostofi diz à Folha que para Teerã é importante manter a boa relação com Brasília.
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Folha - Hasan Rowhani foi eleito com uma promessa de abertura e de aproximação com países ocidentais. A situação do país melhorou?
Mani Mostofi - Rowhani foi eleito há um ano e a situação é basicamente a mesma. Isso se dá por dois motivos: mesmo tendo vontade política, às vezes ele não tem o poder de implementar mudanças e também porque os direitos humanos não são sua prioridade. Ele coloca questões geopolíticas e econômicas à frente.
Infelizmente, nenhum setor do governo iraniano quer mudanças profundas no sistema. Mas Rowhani, que representa uma ala mais liberal, prometeu pequenas reformas como permitir acesso ao Facebook e Twitter, o que não aconteceu.
É difícil apontar quem é o ator principal que barra o fim das violações de direitos. O Judiciário, que é nomeado pelo líder supremo do Irã, o aiatolá Khamenei, deixa claro que ele interpreta as leis. Mas as leis são vagas. "Propaganda contra o sistema", por exemplo, é um crime. Mesmos religiosos são presos sob essa lei.
Contudo, o presidente conseguiu algumas melhoras. Por exemplo, reabriu a House of Cinema, uma importante aliança de profissionais de cinema fechada em 2012, e acabou com a prática de barrar alunos ativistas de conseguirem entrar no mestrado ou doutorado. O problema é que o ministro da Ciência, responsável pela mudança, sofreu um impeachment e há relatos de que a prática voltou a ocorrer.
Quais aspectos de direitos humanos pioraram desde 2013, quando ele assumiu?
Muitas violações já existiam antes, mas escalaram mesmo depois da eleição de Howhani. As execuções são um exemplo. Até metade de deste ano, foram cerca de 400. Se continuarmos assim, será o ano com mais execuções ao menos desde 2004, segundo dados da ONU.
Houve também mais prisões de jornalistas. Isso ocorreu porque, como Rowhani prometeu um ambiente mais livre, muitos voltaram ao Irã e não se autocensuraram tanto.
Em relação ao direito da mulher também houve piora. O Irã era um exemplo de políticas de planejamento familiar no mundo muçulmano, mas os programas de saúde foram revertidos.
O casamento é incentivado. Homens casados têm prioridade para emprego, seguidos de mulheres casadas e então de solteiros. Milhares de mulheres se casam antes dos 15 e podem se casar antes dos nove com autorização de um juiz.
E como o Brasil pode interceder pelos direitos humanos no Irã?
O Brasil é especialmente importante porque foi um dos votos mais influentes para a aprovação no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em 2011, da principal medida que a comunidade internacional tomou pelos direitos no Irã, que foi a criação de um relator responsável por monitorar a situação no país.
A posição do Brasil no mundo é de uma potência internacional econômica e política emergente, mas que veio do sul. Para o governo e para o povo iraniano, é importante ter a atenção de um país que provavelmente teve os mesmos problemas e está lidando com a questão dos direitos humanos.
O Irã quer manter essa boa relação com o Brasil, mesmo com os próximos presidentes brasileiros. Então, o Brasil está em condição de incluir a discussão de direitos humanos na sua relação diplomática com o Irã.
Quando você tem 900 presos políticos, você tem 900 famílias. E ver que o Brasil está se preocupando com isso já é alguma coisa para eles. Significa que não foram esquecidos.
Na última UPR, o Brasil recomendou liberdade de expressão, a proteção dos direitos da mulher e extensão dos direitos a minorias religiosas. O que vocês querem do Brasil nesta UPR exatamente?
As recomendações feitas pelo Brasil não foram implementadas. Dezenas de jornalistas e ativistas seguem presos.
Sobre as minorias, é uma recomendação que dificilmente teria sido aceita se feita por outro país. Se você fala para um Baha'i que o Irã prometeu diante do mundo estender suas leis para cobrir também minorias, eles ficam chocados porque isso absolutamente não aconteceu.
As mulheres não podem ser juízas, não podem ter empregos públicos, não podem cursar engenharia ou matemática. Tivemos na liga mundial de vôlei uma partida entre Brasil e Irã em Teerã neste ano, e as mulheres foram impedidas de assistir no estádio. Elas se passavam por brasileiras porque as brasileiras podiam entrar. Imagina a Copa do Mundo aqui e as mulheres não poderem entrar para torcer pelo Neymar?
Queremos que o Brasil não ignore o fato de houve promessas e elas não foram feitas. O país tem que ter uma abordagem mais firme desta vez, isto é, especificar as reformas a fazer. Ao falar sobre a questão da mulher, o Irã pode se esconder atrás de algumas boas estatísticas sobre as mulheres. É preciso que o Brasil detalhe e liste, por exemplo, o acesso à universidade.
Enquanto o Brasil aprovou quase todas as resoluções sobre o Irã no Conselho de Direitos Humanos, na Assembleia Geral a postura tem sido de abstenção. Como você vê isso?
A resolução no CDH é muito importante. Mas a resolução na Assembleia Geral é mais específica: lista questões como liberdade na internet e pena de morte aplicada a minorias. O Brasil deveria repensar seu voto porque a resolução na Assembleia tem um grande senso de autoridade moral.
Como os ativistas veem a aproximação entre Irã e o Ocidente através das negociações nucleares?
A maioria dos ativistas apoia as negociações do Irã com os ocidentais e quer ver o problema nuclear resolvido -até porque as sanções permitem ao governo se fazer de vítima quando na verdade é um violador. Mas há o medo de que a comunidade internacional ignore tudo sobre o Irã depois que haja um acordo.
Ter o Irã como parte da comunidade internacional é desejável, mas o engajamento deve vir com princípios -e a UPR é uma boa plataforma para defini-los. A discussão nuclear é positiva, mas não exclui uma discussão igualmente importante como a de direitos humanos.
Como você vê o surgimento do Estado Islâmico na região?
O que acontece na Síria e no Iraque é desolador. Não estou dizendo que os países não devam tentar o possível para acabar com a violência, porém resolver as questões de direitos humanos também é um passo para estabilidade na região. Esses países não ficaram como estão do dia para a noite. Na Síria, como no Irã, houve bastante violação dos direitos. 

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