sábado, 9 de maio de 2015


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Saheb tinha um problema: sua perna esquerda foi destruída por uma bomba atirada pelo Taleban e não podia comprar uma prótese.
E também tinha uma solução: sua filha de 11 anos, Noor Bibi, que ele vendeu em 2014 por US$ 3.000 para comprar uma nova perna.
Saheb é um das dezenas de milhares de soldados e policiais que foram feridos em combate na prolongada guerra civil do país asiático. Diante da ajuda oficial inadequada ou nula, muitos estão recorrendo a medidas desesperadas para sobreviver.
Outros, que recebem apoio, se veem marginalizados por uma sociedade que trata as pessoas com deficiência como párias.
O número dos que ficaram permanentemente incapacitados está crescendo e supera os recursos disponíveis do governo afegão e das organizações beneficentes.
Mesmo pela estimativa mais conservadora, o Afeganistão tem 130 mil pessoas com deficiência que serviram nas forças de segurança, dos quais 40 mil sofreram amputação de algum membro, segundo números do governo referentes aos que recebem pensões.
O total é quase certamente muito maior, porque o governo não divulga números sobre ex-membros das Forças Armadas que se feriram gravemente.
Muitos, como Fardeen, 24, um ex-sargento de polícia que perdeu a perna direita abaixo do joelho na explosão de uma bomba atirada pelo Taleban em 2013, que também destruiu seu tornozelo e pé esquerdos, não recebem nem as magras pensões a que têm direito.
Fardeen espera até escurecer e então roda sua cadeira entre o tráfego noturno de Macrorayan, em Cabul, para pedir esmolas.
O âmbito do problema é assustador. Na província de Helmand, no sul do país, o 2° Batalhão de Polícia de Sangin tinha no ano passado 154 homens incapacitados por ferimentos, de um total de 344, segundo Abdul Hamidi, diretor da Clínica da Polícia de Helmand.
A maioria dos feridos graves vai para o Hospital de Emergências. Muitos manifestam revolta pelo que consideram falta de assistência das autoridades centrais.
"O governo só é governo no nome -ele não me dá nada", disse Mohammad Qassim, 28, que perdeu a perna direita em um bombardeio em Marja, onde era oficial da polícia local.
"No Taleban, quando um [combatente] morre, eles dão à família 15 mil afghanis (R$ 825) por mês durante dois anos. Nosso governo é mais fraco que o Taleban."
Membros da Polícia Nacional afegã ou do Exército que ficaram deficientes deveriam receber uma pensão igual a seu último salário, por toda a vida. Mas uma combinação de corrupção, má administração e burocracia impede que muitos se beneficiem.
Oficiais da polícia local afegã, que são pagos pelo governo para combater, não recebem nada quando são feridos. É por isso que Saheb estava tão desesperado.
Um comandante da polícia local na província de Paktika, Saheb foi ferido quando seu veículo atingiu uma mina terrestre. Meses depois, ele parou de receber o salário e não tinha direito a pensão.
O Comitê Internacional da Cruz Vermelha tem vários centros de reabilitação que fazem próteses de graça, ensinam os pacientes a caminhar de novo e oferecem treinamento profissional.
Mas Saheb não podia pagar pelo transporte até o centro mais próximo, em Cabul, e pela estadia durante os meses de terapia.
"Foi um momento muito triste para mim", disse ele. "E foi muito triste para ela também", completou, referindo-se a sua filha. "Vendê-la foi pior do que perder a minha perna."
Alberto Cairo, que dirige o programa de reabilitação ortopédica da Cruz Vermelha, disse que é mais difícil ajudar as pessoas a sobreviver em comunidades onde não existem rampas para cadeiras de rodas e outras facilidades, e onde muitas vezes as pessoas com deficiência são rejeitadas.
Fardeen, o ex-oficial de polícia, diz que foi isso o que lhe aconteceu. Sua mulher foi embora levando os dois filhos e seu pai o expulsou de casa. Ele chora ao contar sua história. "Vivo em um inferno de dificuldades", disse.
Os soldados do Exército têm melhor sorte que a polícia, e a falta de pensões não é um problema comum para eles.
O tratamento que recebem no principal hospital militar do país em Cabul é muito melhor que o dos policiais nos hospitais comuns.
Os soldados elogiaram o tratamento médico, mas muitos disseram que se sentem abandonados pela sociedade.
"Não há um sentido de apreço no Afeganistão pelo que fizemos e os sacrifícios que enfrentamos", disse o sargento Hashmatullah Barakzai, 26, que perdeu a perna direita em combate.
Ele estava noivo quando isso aconteceu. Após o atentado, o noivado foi desfeito por insistência da família da noiva, disse o jovem sargento.

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